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CAPÍTULO 4 – CONCILIAÇÃO JUDICIAL TRABALHISTA: FORMA DE

4.2. Fundamentos da conciliação judicial

4.2.2. A conciliação como jurisdição voluntária

Quanto à jurisdição voluntária, a grande maioria da doutrina inclui a conciliação nesta categoria, exemplos são os de Goldschmidt, Kelsen, Liebman e Pontes de Miranda. Há muitas controvérsias sobre este tipo de jurisdição, porém, não é o intuito deste trabalho adentrar profundamente neste tema, sendo-nos suficiente conhecer o posicionamento da doutrina em sua maioria quanto à conciliação.

110 A conciliação então teria que obedecer à “Escada Ponteana”, isto é, os três planos dos negócios jurídicos: a) o

da existência devendo ter um agente, vontade, objeto e forma ; b) plano da validade, tendo um agente capaz, a vontade livre, o objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e a adequação das formas; d) plano da eficácia, com elementos relacionados à suspensão e resolução de direitos e deveres, como a condição ou o termo. (TARTUCE, 2008, p. 318-319)

111 Neste sentido se posiciona Manresa: “[...] es contrario a la lógica y a los buenos princípios dar el carácter y

autoridad de cosa juzgada a lo que em realidad no es más que un convenio entre particulares, sin que la intervención judicial del juez municipal pueda darle más valor y eficacia, que la daria la deun notário, em razón a que no interviene para fallar, sino para autorizar el acto, ni es su competencia conocer em juicio de los asuntos que exigen requisito prévio de la conciliación.” (MANRESA apud ENCABO, 1965, p. 16)

112 Neste sentido comenta Gómez de la Serna: “El principio absoluto que viene regiendo de que no haya recurso

contra lo que de tal acto de conciliación resulta es absurdo e insostenible. La conciliación, em último resultado, es sólo um pacto, uma transacción, y en este concepto está sujeta a todas las condiciones que las leyes establecen para la fuerza de las obligaciones. Si la transacción es nula por falta de capacid legal de las personas que la otoorgan, si há sido arrancada com violencia o efecto de uma sorpresa preparada por artificio, o si tiene cualquiera de los otros defectos que suponen falta de voluntad em el que se obliga, es justo, es moral que sea irrevocable lo que un demandante astuto, prevaliéndose tal vez de la parcialidad, de la ignorância o de la falta de entereza de um juez de paz haya preparado em daño de su contrario? No debe proceder em estos casos la demanda de nulidad, igualmente que procederia contra uma escritura de transacción?” (GÓMEZ DE LA SERNA apud ENCABO, 1965, p. 17)

Em linhas gerais, a jurisdição voluntária aparece como uma jurisdição sem lide, isto é, ela não visa compor conflitos posto que não os há, ela visa conferir validade a determinados atos da vida dos particulares que se revestem de uma importância que transcende a esfera dos interesses daqueles, atingindo os interesses da própria coletividade. O motivo pelo qual o direito submete estes atos não conflituosos à jurisdição é o de salvaguardar determinados interesses da sociedade, exercendo assim uma espécie de fiscalização de determinadas atividades privadas. Liebman esclarece, ainda, que este interesse público pode ser o de proteger certas pessoas consideradas em situação menos apta a defender seus próprios interesses113, conforme suas palavras:

La legge [...] lascia a ciascuno di agire com piena liberta nella propia sfera giuridica. Vi sono soltanto alcuni casi in cui vi è um interesse pubblico ad asicurare la piena e regolare soddisfazione dell’interesse privato Che si tende a realizzare com determinati atti, e cio avviene sai per considerazioni relative Allá persona, ritenuta meno capace a provvedere ai propi interessi, sai in vista della particolare importanza dell’ato, al quale si preferisce dare uma conveniente solennità e certeza (LIEBMAN, 1962, p. 439)

Neste sentido, para Elaine Nassif, a jurisdição voluntária se caracteriza como administração pública de interesses ou direitos privados potestativos visando à verificação da conveniência do ato ou a sua legalidade para a produção de efeitos. Nela não há partes no sentido técnico, mas sim interessados e constituem-se relações novas. (NASSIF, 2005, p. 102). Ainda, Leonardo Greco, enfatizando a assistência de determinados sujeitos como interesse público, conceitua a jurisdição voluntária como:

[...] uma modalidade de atividade estatal ou judicial em que o órgão que a exerce tutela assistencialmente interesses particulares, concorrendo com o seu conhecimento ou com a sua vontade para o nascimento, a validade ou a eficácia de um ato da vida privada, para a formação o desenvolvimento, a documentação ou a extinção de uma relação jurídica ou para a eficácia de uma situação fática ou jurídica. (GRECO, 2003, p. 11)

Segundo Pontes de Miranda, a homologação dos negócios jurídicos é uma espécie de atividade de jurisdição voluntária em que há participação do Estado para a integração dos negócios jurídicos, como no caso das funções registro e certificação, neste sentido não se

pode falar em sentença (PONTES DE MIRANDA, 1998, p. 342). É importante ainda frisar

113 Este pode ser apontado, talvez, como o sentindo da necessidade de assistência judicial para a homologação de

acordos na Justiça do Trabalho já que devido às condições próprias da relação de trabalho, o trabalhador se coloca em uma situação frágil para defender seus interesses diante do empregador.

que, por mais que os ordenamentos estrangeiros não utilizem o termo “sentença” em jurisdição voluntária. A doutrina aponta, conforme o exemplo de países como Itália, México, Argentina ou Espanha, que melhor seria a utilização do termo “provimento” ou “resolução judicial”. O motivo pelo qual o termo sentença é desaconselhado se dá porque na jurisdição voluntária não há apreciação de mérito, não há extinção do processo e não há coisa julgada material. Mesmo nos casos de conciliação judicial, em que esta se inicia em um processo que pressupõe uma lide, aqueles que a consideram como de jurisdição voluntária afirmam que a audiência de conciliação seria considerada como um ato processual deste tipo de jurisdição, já que a conciliação é resultado de um acordo de vontades, não havendo mais o que se falar em lide, que será homologado pelo juiz. (FERRAZ, 2008, p. 259).

Saliente-se ainda, que a jurisdição voluntária mesmo não sendo processo, na visão clássica de Chiovenda, isto é, não sendo autônomo e não se fundando, em princípio, na vontade da lei, mas sim na das partes, não é procedimento contra legem, respeita a determinados princípios e regras, é um procedimento estruturado. Neste sentido, pontua GRECO:

Ora, as garantias fundamentais do processo são princípios e regras extraídos da Constituição, que definem o conteúdo humanitário da relação entre os órgãos que exercem a jurisdição e os cidadãos que têm interesse nas suas decisões, a partir do respeito à dignidade da pessoa humana, ao princípio da participação democrática, àeficácia concreta dos direitos do cidadão e à tutela jurisdicional efetiva desses direitos. Tanto na jurisdição contenciosa quanto na voluntária devem vigorar essas garantias, pois elas são imposições necessárias do próprio princípio do Estado de Direito. (GRECO, 2003, p. 31)

A jurisdição voluntária, por mais que dê ensejo a situações jurídicas que tiveram por base a vontade das partes, não deixa de ser tutela do Estado, não deixa de ser jurisdição e não afasta o juiz da obrigação de agir conforme o direito e para tanto, como coloca Marinoni: “a legitimidade do procedimento depende da observância dos princípios constitucionais garantidores da adequada participação das partes e do juiz. Assim, juiz natural, igualdade, contraditório, publicidade e motivação das decisões.” (MARINONI, 2004, p. 3) Estes princípios são responsáveis por garantir que a prestação jurisdicional não seja arbitrária, seja justa, racional e confiável conforme os valores constantes no ordenamento jurídico. O respeito a estes princípios é uma imposição necessária da conformação dos Estados em Estados Democráticos de Direito.

Assim a conciliação como procedimento de jurisdição voluntária deve ater-se ao que Leonardo Greco enumerou como as garantias fundamentais do procedimento e processo:

1) Garantias Individuais: acesso amplo à Justiça por todos os cidadãos; imparcialidade do juiz; ampla defesa; direitos do pobre; juiz natural; inércia; contraditório; oralidade; coisa julgada; 2) Garantias Estruturais: impessoalidade da jurisdição; permanência da jurisdição; independência dos juízes; motivação das decisões; igualdade concreta; inexistência de obstáculos ilegítimos; efetividade qualitativa; procedimento legal, flexível e previsível; publicidade; legalidade estrita no exercício do poder de coerção; prazo razoável; duplo grau de jurisdição; respeito à dignidade humana (GRECO, 2003, p. 30)