• Nenhum resultado encontrado

A(s) agência(s) e a(s) estrutura(s) do heterogêneo mercado do sexo barcelonês

AS ESTRATÉGIAS “BRASUCAS” ENVOLVENDO GÊNERO, SAÚDE E INTERCULTURALIDADE

3.2 A(s) agência(s) e a(s) estrutura(s) do heterogêneo mercado do sexo barcelonês

Não é fácil pesquisar pessoas que estão envolvidas com a prostituição em Roma e Barcelona. Alguns estudos sugerem que se trata de duas cidades que têm o que podemos chamar, grosso modo, uma “tradição” histórica nessa área profissional e que desde o final da década de 1980 apresentam constantes interfaces entre prostituição e o problema da exploração laboral de imigrantes, do tráfico internacional de seres humanos e da disseminação de doenças sexualmente transmissíveis (da Pra Pocchiesa, 2007; Arella, Fernández Bessa, Nicolás Lazo, Vartabedian, 2007); fatores que segundo tais estudos, contribuem para o crescente processo de marginalização social que sofre aqueles/as que atuam, principalmente, nas esferas mais “baixas” desta área laboral. Este último ponto é interessante, pois alguns interlocutores (mulheres, transexuais MTF e homens) que já atuaram na prostituição ou que disseram “conhecer de perto” este setor por trabalharem com música e shows populares em Roma e em Barcelona, me falaram sobre a importância tanto de relativizar o que normalmente é chamado de “mercado do sexo” (em virtude das “ligações” muito próximas deste “mercado” com outras áreas, como a do entretenimento e do lazer), quanto da importância de perceber os diversos “mundos” que existem no “mundo da prostituição”; ou seja, de atentar para a heterogeneidade que circunscreve tal área laboral e que promove diferenciadas realidades econômicas e socioculturais.

Três interlocutores brasileiros que vivem em Barcelona (um homem e duas mulheres) disseram que não gostam do termo “mercado do sexo” e que prefeririam ser retratados/as nesta tese como pertencentes ao que chamaram de “mercado do prazer”. Segundo estas três pessoas, a noção de “mercado do prazer” designa uma série de segmentos laborais que podem se originar da prostituição (ou terminar nela), dialogar ou estar circunscritos pela prostituição, mas que não se restringem unicamente a esta prática, já que incluiria algumas possíveis ramificações ou desmembramentos que, nas suas opiniões, não se adéquam ao termo “mercado do sexo”. É importante deixar claro

153

que eu considero o “mercado do sexo” como um termo sócio-antropológico já consolidado nas Ciências Sociais desde a Escola de Chicago e que em alguns dos seus estudos sócio-históricos e antropológicos, já problematizou algumas das interfaces que a prostituição pode apresentar com outras esferas laborais. Ou seja, estou abordando, superficialmente, esta noção de “mercado do prazer” no intuito de tentar ser coerente com o pressuposto do diálogo interetnográfico na construção das minhas reflexões nesta tese, mas é importante que os leitores saibam que eu abordo esta noção êmica, mas não a advogo em termos analíticos.

Rodrigo144, um interlocutor brasileiro que será adiante apresentado, por exemplo, foi um destes três interlocutores. Na sua opinião, na Espanha em geral existem brasileiros/as que trabalham com “prazer”, “dança”, “música”, “lazer” e/ou “entretenimento” pelas ruas ou em boates e casas de shows que não se prostituem, mas que “levam a fama” e que por outro lado, existem outros/as brasileiros/as que “fazem a vida”, que atuam nos processos de intermediação e/ou que se beneficiam da prostituição alheia de forma discreta e que por isso, não são associados/as à prostituição. Argumentando sobre essa sua opinião, Rodrigo relatou:

Não fala de ‘mercado do sexo’, isso é coisa de quem não conhece a vida aqui na Europa, a mentalidade daqui. Desde que tô aqui meu ganha pão sempre foi na área do prazer, eu já dancei, já fiz massagem e agora acompanho uns coroa que não têm ninguém pra passear, pra ir por cinema e eles me dão algum, mas chapero145 mesmo, de fazer o lance por dinheiro eu fui só por um tempo e não tenho nenhuma vergonha disso. Mas eu vejo essa fase como uma parte de um negócio mais amplo. Eu então perguntei à Rodrigo: Mas porque você acha que eu deveria falar de

“mercado do prazer” ao invés de “mercado do sexo”? E ele respondeu:

No meu ver assim, falar de ‘mercado do prazer’ pega aquele pessoal que não se prostitui, mas que ganha a vida dando prazer aos outros ou na intermediária: dançando, excitando, descontraindo, relaxando, nessa estrutura, nessa coisa toda que tá por trás e que é maior que o sexo em si dentro do quarto; envolve tipo turismo, lazer, de fornecer contato, trazer, acompanhar, de dar um mínimo de atenção. O que tem de velho, de velha que tão aí sozinho, dá pena. Os dois que eu tô com eles mesmo são meus amigos, não são clientes. Eles me pagam pra

144 Trata-se de um nome fictício que foi escolhido por este interlocutor. 145 Na Espanha, chapero designa o homem que se prostitui com outros homens.

154

eu sair com eles, pra ficar duas, três horas vendo TV com eles e de sexo não rola nada, até porque eles mal conseguem andar. Eu tô dando prazer pra eles, atenção que ninguém dá, agora isso é prostituição? Não. O pessoal fora pode até pensar que é, mas quem conhece sabe que o que eu faço pra eles é quase que um lance de terapia. [...] O problema eu penso é o tráfico, é quando a pessoa vem traficada e faz obrigada as coisa. Agora com a crise parou mais de vir gente pra cá se prostituir feito escravo, mas eu já vi muita brasileira aqui ser explorada, vendida e ter que ficar quieta por ter a ficha suja.

Não cabe aos objetivos desta tese discutir a fundo questões tão complexas como a prostituição e o tráfico internacional de seres humanos. Nesse sentido, estas duas questões estão sendo abordadas neste capítulo porque a primeira faz parte do cotidiano de importantes segmentos da coletividade brasileira – tanto na capital italiana quanto na capital catalã – e a segunda questão foi citada por todos/as os/as interlocutores/as que atuam, atuaram ou que disseram conhecer bem a prostituição em Roma e Barcelona. Tais citações vieram enquanto estas pessoas falavam sobre as suas experiências migratórias na Europa e sobre as estratégias de sobrevivência e integração social que tiveram que desenvolver enquanto imigrantes brasileiros/as na Itália ou na Espanha. Conheci uma mulher e três transexuais MTF brasileiras que disseram atuar ou já terem atuado na prostituição em Roma; já em Barcelona, conheci duas mulheres, uma transexual MTF e um homem com este perfil. Este homem é Rodrigo e a sua trajetória de vida revela como os espaços laborais e de sociabilidade ligados ao “prazer” (estando aí incluído o sexo) e ao “lazer” podem, na cidade de Barcelona, encontrar-se em áreas limítrofes ou circunscritas.

Rodrigo nasceu em Aparecida de Goiânia (Goiás) no ano de 1977 e após começar a frequentar uma academia de ginástica daquela cidade em meados de 1995, conheceu muita gente, deixou de lado a “mentalidade tacanha” e ingressou num “novo mundo”: aquele onde é possível ganhar dinheiro “dando prazer aos outros”. Em 1997, Rodrigo se mudou para São Paulo e começou a trabalhar como massagista em uma “sauna para homens” daquela cidade. Naquele local, ele conheceu um catalão que lhe “abriu as portas da Europa” e que o levou para visitar a Catalunha diversas vezes. Em uma destas visitas no ano de 2001, Rodrigo decidiu se estabelecer em Barcelona e explica esta escolha como uma “estratégia econômica”, já que, em sua opinião, não havia sentido perder a oportunidade de ganhar cinco vezes mais em Barcelona pela mesma atividade que fazia em São Paulo, ou seja, massagear e “dar um trato” em

155

homens carentes. Falando sobre suas experiências como chapero na Catalunha de 2001 até 2004, Rodrigo disse que nos meses da alta temporada (junho e julho) em saunas e boates gays de Barcelona e de Sitges146, era possível faturar até 2.000 euros por semana. Este interlocutor comentou que sempre foi muito perspicaz e desde aquela época já previa que a fase de prosperidade da economia espanhola, fundada na construção civil e no setor imobiliário, iria acabar em breve e por isso, procurou economizar o quanto pôde e assim, juntar um bom dinheiro e comprar dois apartamentos, um em Goiânia e outro em São Paulo. Rodrigo disse que deixou a vida de chapero em 2005, quando já tinha a escritura destes dois imóveis e desde então vive “tranquilo” se dividindo entre Barcelona, Goiânia (onde está sua família) e São Paulo (onde moram alguns dos seus “amigos do peito”). Este interlocutor falou que pretende continuar passando a maior parte do tempo na Catalunha porque não consegue mais se adaptar a viver “preso” só a um país. Rodrigo conseguiu a naturalização espanhola em 2008 e desde 2006 mora no apartamento de um sueco que conheceu em Sitges e com quem tem um relacionamento “aberto”. Rodrigo disse que atualmente “trabalha por prazer” como acompanhante informal de dois idosos catalães, visitando ou saindo com cada um deles ao menos duas vezes por semana. Explicando melhor este trabalho, ele comentou:

Eu não preciso trabalhar mais. Dá pra eu viver tranquilo só com os aluguéis dos imóveis que tenho lá. Nunca fui de luxo, mas tu sabe que o pessoal daqui valoriza muito a fachada da pessoa, né, roupa cara, então custa mesmo pra quem não paga aluguel e nem gasta dinheiro fazendo feira como eu. Eu gosto de ter o meu dinheiro, não depender de ninguém, por isso é que eles me dão grana e eu pego. Se eu fosse rico eu ficava com eles de graça. [...] Foi assim: um deles eu conheci de bares no Eixample e o outro foi um amigo aqui que me apresentou. Antes de ontem um deles me ligou: Tesoro, vem pra cá ver o jogo do Barça comigo, tô me sentindo muito sozinho, não sei o quê. Fui lá, vi a partida, a gente bebeu, fumou, eu fiz uma massagem na costa dele, a gente falou um monte de besteira e na hora de sair ele me abraçou bem forte e me deu 40 euros. Com o outro também é assim, a gente sai ou fica em casa e sexo é uma coisa que quase nunca rola.

Rodrigo também salientou que estas amizades com tais idosos lhe trazem a vantagem de conhecer pessoas de “alto nível”, de circular por ambientes “requintados”

146 Sitges é um município espanhol da Província de Barcelona que pertence à comarca de Garraf,

156

e de ser mais bem visto por parte dos catalães (vizinhos e amigos destes dois idosos); pessoas que sabem que ele, enquanto imigrante, está de certa maneira “cuidando” e fazendo bem a estes dois idosos catalães que vivem solitários. Por essa razão, este interlocutor concordou quando eu lhe indaguei que estas suas “amizades” poderiam ser vistas como estratégias que ele desenvolveu não apenas para sobreviver economicamente, mas também para se integrar de alguma forma em um segmento específico da sociedade barcelonesa. Entretanto, Rodrigo enfatizou que agiu de maneira “intuitiva” e que estas suas ações lhe trouxeram resultados “bons”, mas também acarretaram algumas consequências imprevisíveis.

Para Rodrigo, se “guetizar” e ficar “alienado” junto com os outros brasileiros, não se empenhar em falar catalão e nem castelhano bem e não procurar ser aceito nem respeitado por alguma parte dos catalães – em especial aqueles que são vizinhos ou que tem “posses” – são ações “negativas” e ineficazes que alguns grupos de brasileiros/as fizeram e continuam fazendo na Catalunha. Na sua opinião, tais ações impedem estes grupos de brasileiros de perceberem que mesmo seus projetos migratórios não almejarem um estabelecimento na Europa, é indispensável um mínimo de planejamento acerca do futuro e a colocação em prática de estratégias que, mesmo que sejam intuitivas, se tornem “positivas” e “eficazes” no sentido de poder ajudar qualquer imigrante, ainda que temporário, a ter um mínimo de cidadania e maiores chances de “subir na vida” no mundo globalizado em que vivemos.

Conheci Rodrigo através de uma amiga brasileira e como nós dois éramos vizinhos (morávamos no mesmo distrito), pudemos conversar mais de uma vez e assim, estabelecer uma relação de confiança. Numa dessas conversas, estávamos conversando sobre minhas pesquisas quando comentei com ele sobre brasileiras que conheci em Roma, que atuam no “trabalho de cuidado” como badantes naquela cidade e que por isso, de certa maneira “suprem” uma das carências do Estado de bem-estar social italiano: aquela da (falta de) atenção das esferas do poder público em relação à população idosa.

Após ouvir este comentário, Rodrigo disse que não é um “cuidador de idosos”, mas que seu trabalho também pode ser encaixado nesta categoria de “trabalho de cuidado”, pois muitas vezes ele precisa “sacar coisas” (entender) não só de musculatura, mas principalmente de psicologia para ser capaz de dar a devida atenção e para compreender as muitas necessidades destes dois “amigos” que ele acompanha

157

informalmente; necessidades estas que, em sua opinião, se originam da extrema carência afetiva e da solidão que faz parte da vida destas pessoas. Rodrigo comentou comigo que está vendo a possibilidade de fazer um curso superior e que pretende estudar psicologia ou fisioterapia para, após estar formado, ter mais prestigio em Barcelona e poder ajudar, de uma maneira mais adequada e profissional, estes seus dois amigos e outros tantos idosos que precisam de atenção e acompanhamento especializado na Espanha em geral. “Não dá pra conhecer o cotidiano de gente feito

eles e a pessoa não sensibilizar. Não é pena, é compaixão”, comentou Rodrigo. Este envolvimento emocional foi a principal das consequências “imprevisíveis” apontadas por Rodrigo.

Será interessante se no futuro este interlocutor se formar na Universidade e continuar “acompanhando idosos”; pois se isso acontecer, ele poderá formalizar sua pequena contribuição ao welfare state espanhol em relação aos idosos, contribuição esta que Rodrigo já faz há algum tempo de maneira informal e pouco convencional, mas em consonância com uma crescente tendência do welfare state na Espanha e principalmente na Itália: a da comoditização e do fortalecimento do caráter privatizado e neoliberal do cuidado em relação à população idosa. Tal tendência ficará evidenciada adiante quando analisarmos o cotidiano das badantes em Roma, mas um ponto analítico a ser destacado é que segundo o próprio Rodrigo, a sua “bem sucedida” fase como chapero no passado em Barcelona é bem diferente da dura realidade de muitos jovens brasileiros que, na atualidade, se prostituem em saunas gays de Barcelona, Madri e Ibiza.

De fato, um relatório elaborado pelo Coletivo de Lésbicas, Gays, Transexuais e Bissexuais de Madri (Cogam)147 e que foi divulgado em 11 de agosto de 2011 revelou que o setor da prostituição masculina triplicou desde 2007 na Espanha e que os locais de trabalho destes homens costumam ser divididos por nacionalidades: estando os africanos (marroquinos, em sua maioria) e os do leste europeu (romenos, russos e búlgaros) oferecendo seus serviços nas ruas e os brasileiros controlando as saunas e dominando este setor no país. Tal relatório ainda afirma que devido a fatores como consumo de drogas, quantidade excessiva de horas passadas em espaços sob luz quase inexistente, calor frequente e conflitos interpessoais, é crescente o número de casos de depressão e tendência ao suicídio entre os homens que trabalham nas saunas gays da Espanha. Alguns interlocutores me falaram a respeito de jovens brasileiros que se

158

prostituem em saunas gays de Roma, mas pelo fato de não ter visitado tais locais, eu não pude conhecer pessoalmente nenhum deles.

Um estudo etnográfico realizado por Adriana Piscitelli (2009) indica que a prostituição de brasileiras em Barcelona (assim como em Milão, Madri e Bilbao) é mais frequente em ambientes fechados do que nas ruas. Em Barcelona, eu morava em um bairro residencial (Sant Gervasi) e bem próximo da minha casa existiam não menos que cinco “clubes” – locais nos quais, conforme meus amigos e anfitriões catalães me relataram, “só entra gente conhecida dos donos” e onde muitas “putas sudacas” trabalham. Em outros clubes e boates da cidade, embora a entrada fosse mais “livre”, interlocutores sempre me alertavam de tentar não ir sozinho para estes locais e caso fosse, tomasse muito cuidado pelo fato de parte destes locais ser ambientes onde normalmente ocorrem práticas delituosas como o tráfico de drogas. Sempre acompanhado, visitei quatro destes clubes e boates lá conheci L., 27 anos, brasileira de Fortaleza e S., 34 anos, transexual MTF nascida em Campo Grande (Mato Grosso do Sul). Ambas eram prostitutas e disseram que não tinham nada para esconder, mas que prefeririam não participar desta minha pesquisa. L. apenas falou que não tem nenhum problema de ser “puta” em um lugar “de nível” como aquele e S. comentou rapidamente que na boate onde trabalha ela também canta e é “promoter”.

Terça-feira 13 de dezembro de 2011. Naquele dia, recebi um convite para ir a um “chá beneficente” promovido por mulheres católicas ligadas ao Caminho Neocatecumenal148. Fui para este evento com o intuito de agradar um amigo catalão que me convidou e com quem eu morava, sem nenhuma expectativa “etnográfica”. Eis que naquele evento tive a boa surpresa de conhecer Rafaela149, que me foi apresentada por este meu amigo catalão e com quem eu pude, enquanto estive em Barcelona, desenvolver uma relação de diálogo e amizade que continua até hoje. Rafaela nasceu em 1974 em Londrina (Paraná) e em 1991 concluiu o ensino médio e se formou como

147 Fonte: http://www.cogam.org/. Acesso em 20/09/2011.

148 O chamado “Caminho Neocatecumenal” é uma instituição católica que, segundo os seus

estatutos (que foram aprovados em definitivo pela Santa Sé em 2008), se autodenomina como “itinerário de formação católica” ou “fundação de bens espirituais”. Seus iniciadores foram os laicos espanhóis Francisco José Gómez de Argüello (mais conhecido como Kiko Argüello) e Carmen Hernández. Junto com o sacerdote italiano Mario Pezzi, eles formam a Equipe internacional responsável pela instituição. O Caminho Neocatecumenal foi iniciado na década de 1960 no bairro de Palomeras (na periferia de Madrid) e com os anos, se estendeu por todo o mundo. Na atualidade, está presente em 6.000 paróquias de 106 países, com 3.000 sacerdotes, 1.500 seminaristas e 78 seminários Redemptoris Mater. A Santa Sé o define como “um itinerário de formação católica, válido para a sociedade e para os tempos de hoje”.

159

técnica de enfermagem, profissão que exerceu no Brasil até 1994, quando decidiu conhecer a Europa e viajar por Londres e Paris. Na capital francesa, esta interlocutora conheceu e ficou amiga de um brasileiro que trabalhava na “noite de Barcelona” e que sempre viajava por São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e algumas capitais europeias atuando como “olheiro”, isto é, selecionando e encaminhando dançarinas brasileiras para seus contatos na Espanha.

Rafaela se referiu a esta amizade como algo que mudou sua vida não apenas no sentido geográfico (ela decidiu não voltar para o Brasil), mas principalmente a sua visão em relação a algumas coisas, em especial aquelas que dizem respeito à possibilidade de ascender economicamente através da beleza física e da utilização do próprio corpo: “Tu

tá brincado? Tu vive de salário mínimo lá no Paraná? Tá doida, guria, com um rosto lindo e um corpo desse, se tu for pra lá, não dou um ano pra tu subir de vez na vida”, conta Rafaela que escutou deste seu amigo antes de se preparar para “mudar de vida”. Após realizar alguns breves cursos de dança em academias francesas, Rafaela foi para Barcelona em 1995 e começou a “atuar” numa boate indicada por este seu amigo. Durante o mês de janeiro de 2012, visitei Rafaela na Suíça, onde ela reside atualmente e tivemos uma boa conversa.

Comentando sobre a heterogeneidade que pode existir no “mercado do prazer”, Rafaela disse que começou sua “carreira” em boates “jeitosinhas”, mas que pagavam pouco e que só eram frequentadas por pessoas “comuns”. Como sempre fez sucesso por onde passou, Rafaela disse que seu passe ficou cada vez mais “valorizado” até que em 2002 começou a atuar em uma famosa casa de shows eróticos de Barcelona. Segundo esta interlocutora, para trabalhar em casas renomadas como aquela não basta ser uma “profissional da noite”, mas tem que ser uma “PhD em artes eróticas”. Foi naquele local que em 2004, Rafaela conheceu um empresário suíço com quem se casou em 2005. Desde que o conheceu em abril de 2004, Rafaela deixou de ser dançarina e atriz pornô e passou a morar em uma casa em Pedralbes (bairro do distrito barcelonês de Les Corts) como uma “madame”. Após o casamento em 2007, esta interlocutora se tornou empresária, mais especificamente acionista minoritária de uma das empresas do seu marido e estabeleceu residência na Suíça, visitando Barcelona regularmente apenas para