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Tentando repensar a imigração e a integração: algumas interfaces e perspectivas

REFLETINDO SOBRE IMIGRAÇÃO E WELFARE STATE NA UE PÓS-2008 1.1 Itália Unida? Espanha Unida?

1.3 Tentando repensar a imigração e a integração: algumas interfaces e perspectivas

Segundo Alejandro Portes e Josh DeWind (2007), os Estados representam atores institucionais chave que além de regular politicamente as fronteiras e legislações migratórias, reforçam as divisões e relações de poder entre as nações no mundo contemporâneo, fator que mantém a maioria dos potenciais imigrantes dos países pobres e/ou em desenvolvimento em suas respectivas localidades de origem. Contudo, estes autores lembram que as forças sociais em jogo na atualidade criam uma fissura entre as intenções regulatórias e seus efetivos resultados, o que frequentemente conduz a resultados paradoxais. Dentre estes possíveis resultados e efeitos inesperados, Portes e DeWind destacam que os reforços nas já restritivas fronteiras nacionais impeliram muitos trabalhadores imigrantes nos EUA e na UE a abandonar seus padrões prévios de migração circular e lhes encorajaram ao invés disso, a se estabelecer de vez nos países hóspedes/anfitriões e tentar ainda mais trazer suas famílias.

Ou seja, ao contrário de parar a migração, estas políticas de “endurecimento” terminaram consolidando a presença dos imigrantes temporários e além do mais, entrincheirando suas redes de suporte (Portes e DeWind, 2007: 07). É interessante este ponto, pois durante as pesquisas de campo em Roma e Barcelona, conheci interlocutores brasileiros e de outras nacionalidades que se referiram diretamente a este ponto: eles comentaram que viviam “entre lá e cá” (entre a Itália/Espanha e seus países de origem) e que gostariam de continuar assim, mas que as maiores restrições às circulações de imigrantes nos portos e aeroportos europeus em geral que veio com a

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crise econômica de 2008, fez com eles deixassem este intento de lado e procurassem tanto se estabelecer de vez na Itália ou na Espanha, quanto tentar trazer os seus familiares que ficaram para trás. Esses interlocutores disseram que tomaram esta decisão por conta, principalmente, do receio de sair do territorio europeu e ser impedido de entrar novamente lá por conta destes “endurecimentos políticos” que nas suas opiniões, afetaram bastante a vida de muitos imigrantes como eles.

Além deste citado fator, Portes e DeWind (2007) supõem que um segundo contexto de forças sociais dificultam os crescentes esforços de controle migratório oficiais: o fato de que as nações ricas da América do Norte e da UE que mais recebem imigrantes serem também democracias nas quais as legislações sobre direitos humanos concernem a todos aqueles que vivem dentro de suas fronteiras e não apenas aos efetivos cidadãos; o que impede diversas tentativas estatais de lidar sumariamente e a seu bel-prazer com os “recém-chegados indesejáveis” (unwelcome newcomers). Para estes autores, grupos religiosos, organizações filantrópicas e associações diversas de imigrantes estabelecidos nos citados países estão prontas para acionar o poder judiciário contra o executivo em nome da defesa dos direitos humanos dos imigrantes e isso levanta o que Portes e DeWind chamam de “paradoxo liberal” – o fato de que as nações mais poderosas do Ocidente são impedidas pelas suas próprias leis de efetivamente controlar ou eliminar a imigração não-desejada. No intuito de fornecer um quadro que sintetize a interação das forças sociais que fazem com que surjam estas consequências inesperadas, Portes e DeWind (2007: 08) elaboraram um esquema ao qual chamaram de “Estados e Imigração”:

Países Emissores Fluxo Migratório Países Receptores

1.Condições econômicas relativamente difíceis e/ou 2.Estados repressivos induzem pessoas a buscarem soluções fora de sua terra natal

A Migração começa

1.Escassez de força de trabalho absoluta

2.Resistência de

trabalhadores domésticos a cumprir tarefas servis e mal-remuneradas conduz empregadores a procurar soluções fora

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3.Redes conectam os imigrantes aos parentes e comunidades na terra natal 4.Redes reduzem custos econômicos e psicológicos

para os futuros imigrantes A Migração se torna auto-sustentável

3.Empresas se tornam dependentes do trabalho imigrante

4.Comunidades imigrantes criam seus próprios negócios e associações 5.Governos compreendem a importância econômica das comunidades expatriadas e delineiam programas de incentivo a atrair a lealdade delas 6.Fortalecidos com novos direitos, imigrantes se tornam importantes interlocutores na política local e nacional

A Migração continua sob novas formas e

consequências inesperadas são desenvolvidas, dentre

estas:

5.Governos procuram controlar e reduzir a imigração, apoiados pela opinião pública

6.Empregadores reagem na defesa de seus interesses. Grupos religiosos e filantrópicos agem em defesa dos direitos dos imigrantes

• Anistias periódicas

• Imigrantes econômicos se tornam refugiados políticos • Fluxos laborais irregulares são permitidos tacitamente

• Comunidades transnacionais emergem • Dupla cidadania se torna comum

Traduzi e expus o esquema acima, elaborado por Portes e DeWind (2007), porque acredito que nele, tais autores expressam bem como a complexa interação de forças políticas que dão suporte à migração internacional na atualidade pode ser refletida tendo como importante eixo norteador os processos de surgimento e de crescente reconhecimento da dupla cidadania e da dupla nacionalidade – fatores que, originalmente promovidos pelos governos dos países emissores como recursos para manter a lealdade de seus expatriados e manter seus investimentos e fluxos de remessas, se tornaram aceitos também pelos países receptores no “mundo desenvolvido”, explicitamente ou tacitamente. Para estes autores, contrariando o princípio anteriormente preservado na lei internacional de que cada pessoa deve ter apenas uma nacionalidade, as leis de dupla cidadania são atualmente aceitas e defendidas como uma nova forma de incorporação política que reconcilia as lealdades concorrentes dos imigrantes e que facilita sua integração em longo prazo nos países anfitriões.

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Para Portes e DeWind (2007), embora alguns opositores apontem para as injustiças que podem advir do acúmulo de direitos para pessoas imigrantes (em seus países de origem e de residência) em detrimento dos cidadãos nativos de um país, os defensores destas prerrogativas jurídicas de concessão da dupla cidadania e nacionalidade apontam para a importante tendência política (muito presente em países como Austrália, Canadá, EUA, Brasil, Argentina e da UE como Alemanha, Espanha e Itália) de conceder às pessoas comuns os mesmos direitos e conquistas transnacionais que são concedidas às pessoas endinheiradas e às corporações multinacionais.

Estas perspectivas analíticas trazidas por Portes e DeWind (2007) apresentam, em minha opinião, elementos férteis para refletir sobre dinâmicas socioculturais e políticas como as que circunscrevem a realidade das heterogêneas presenças brasileiras nas capitais italiana e catalã – presenças estas marcadas por importantes distinções (e hierarquizações) como as que envolvem, por exemplo, os que possuem a dupla cidadania ou a dupla nacionalidade e aqueles que não possuem estas condições jurídicas e/ou que, além disso, encontram-se irregulares. Estas citadas distinções serão evidenciadas etnograficamente no próximo capítulo, mas por enquanto, é bastante válida a lembrança de Portes e DeWind de que os efeitos dos regimes regulatórios que envolvem as esferas do/s Estado/s, do/s mercado/s, dos welfare/s e dos domínios culturais nas democracias ocidentais e que procuram promover a incorporação dos imigrantes, podem ser compreendidos não apenas pela questão da dupla cidadania, mas também pelas diversas modalidades de práticas transnacionais, laços e espaços de

agência que os imigrantes mantêm e desenvolvem com grupos e parte das sociedades em suas respectivas terras natais61. As reflexões etnográficas que serão descritas a partir do próximo capítulo corroboram a relevância analítica destes preceitos.

61 Nas palavras destes autores, para compreender os diversos aspectos que podem fazer com que

comunidades imigrantes se tornem também comunidades transnacionais (que criaram e consolidaram laços transnacionais entre suas diásporas e seus respectivos países de origem), é importante considerar que “a dupla cidadania representa o aspecto político mais visível deste processo, mas suas manifestações

sociais, econômicas e culturais são igualmente importantes. O Transnacionalismo representa, neste sentido, o cumprimento da noção canônica de assimilação, sustentada como a imagem de um gradual, mas irreversível processo de aculturação e integração dos migrantes em relação à sociedade anfitriã. Em vez disso, o transnacionalismo evoca a imagem alternativa de um incessante movimento para frente e para trás, capacitando os migrantes a sustentar uma presença em duas sociedades e culturas e explorar as oportunidades econômicas e políticas criadas por tais vidas duais” (Portes e DeWind, 2007: 09 [tradução minha]).

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1.4 Políticas Migratórias, Transnacionalismo Imigrante e decisões políticas (supra)