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Políticas Migratórias, Transnacionalismo Imigrante e decisões políticas (supra) nacionais na UE.

REFLETINDO SOBRE IMIGRAÇÃO E WELFARE STATE NA UE PÓS-2008 1.1 Itália Unida? Espanha Unida?

1.4 Políticas Migratórias, Transnacionalismo Imigrante e decisões políticas (supra) nacionais na UE.

Em seu texto sobre os fatores que constroem e desconstroem políticas migratórias na atual UE, Stephen Castles (2007: 31) defende que a complexidade dos fatores sociais e políticos envolvidos na imigração impulsionam os Estados a adotarem concessões e políticas contraditórias e isso ocorre, de um lado, por conta dos conflitos entre interesses sociais que competem entre si (principalmente entre aqueles que se beneficiam diretamente da imigração e aqueles que de alguma forma se sentem prejudicados por ela) e, do outro, devido à forma como funciona o próprio processo político nos principais países receptores de imigrantes no mundo Ocidental. Um importante razão que subjaz estes processos, na opinião de Castles, é a contradição entre as lógicas nacionais do controle da imigração e as lógicas transnacionais da migração internacional na era de globalização que vivemos neste início do século XXI. Por essa razão, este autor primeiro questiona se os Estados democráticos atuais possuem: 1) a capacidade para analisar e prever as consequências de longo prazo das suas decisões políticas migratórias, 2) a habilidade política para conseguir consenso a respeito de objetivos de longo prazo neste campo, 3) as ferramentas políticas para alcançar estes objetivos de uma maneira consistente com a democracia e com as regras da lei. Ao final destas indagações, Castles responde que possui dúvidas sobre todas estas considerações.

No intuito de tentar fornecer respostas viáveis a esta problemática, Castles (2007) fornece uma estrutura conceitual para a compreensão tanto das políticas migratórias em seus níveis regionais, nacionais e globais ou supranacionais quanto das suas possíveis e recorrentes deficiências aplicativas. Neste intento, este autor primeiro esboça três modalidades de fatores que em sua opinião, conduzem os processos migratórios: 1) os fatores que surgem das dinâmicas sociais destes processos, 2) os fatores ligados à globalização, ao transnacionalismo e aos relacionamentos Norte-Sul62 e 3) fatores no interior dos sistemas políticos. Em relação ao primeiro conjunto de

62 Para Castles (2007) as fronteiras internacionais mais cruciais no tocante aos fluxos migratórios

não são as que se encontram entre Estados-nação, mas entre “Norte” e “Sul”, ou seja, entre as regiões e nações industrializadas mais ricas e poderosas (América do Norte, Europa Ocidental, Japão, Austrália e Nova Zelândia) e as nações mais pobres da África, Ásia e América Latina. Por essa razão, Castles salienta que esta noção “Norte-Sul” expressa não uma configuração geográfica, mas política e social. Para ele, o “Norte” também inclui áreas e grupos sujeitos à exclusão social, enquanto que o “Sul” tem elites e grupos

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fatores, após citar brevemente alguns importantes elementos sem, no entanto, aprofundá-los adequadamente63, Castles fala de duas dimensões que considera mais profícuas para novas investigações: uma diz respeito às políticas migratórias enquanto

estruturas de oportunidade e a outra à agência migrante.

Para este autor, pessoas “afortunadas” o bastante para poder desfrutar de posições “de classe média” nos países desenvolvidos tendem a ter visões razoavelmente positivas do Estado e da lei, mas isso não se aplica à maioria da população mundial, que vivem em Estados ineficientes, corruptos e violentos e tal quadro faz com que a maior parte destas pessoas tenha que aprender a lutar “apesar do Estado” e não por causa dele. Nesta perspectiva, segundo Castles, as restrições e os obstáculos migratórios se tornam apenas “outras” barreiras a serem superadas no sentido de sobreviver e por isso, os potenciais imigrantes do “Sul” normalmente não cancelam seus projetos migratórios apenas porque os Estados receptores dizem que eles não são bem-vindos, especialmente “se o mercado de trabalho conta uma história diferente” (Castles, 2007: 37). Nesse sentido, este autor sugere que as políticas (migratórias) se tornam estruturas de

oportunidade a serem comparadas e negociadas pelos imigrantes. Este ponto é válido quando consideramos, por exemplo, que as estruturas de oportunidade “favoráveis” que a Espanha oferecia nos últimos anos do século XX e nos primeiros anos da década de 2000 foram determinantes para que houvesse um verdadeiro “boom” de imigrantes naquele país; e não por acaso, que nesta época tenha se consolidado lá uma significativa presença de imigrantes brasileiros, bem maior do que em outros países da UE.

A outra dimensão que Castles considera mais profícua em termos analíticos dentro deste conjunto de fatores que emergem das dinâmicas sociais dos processos migratórios, é a que ele chama de “agência migrante” (migrant agency) e que, em sua opinião, pode sintetizar todos os outros elementos já citados – “família e comunidade”,

que gozam de considerável prosperidade e, além disso, existem também importantes regiões e grupos em posições intermediárias e transicionais.

63 São especificamente três estes elementos: 1) “família e comunidade”, no sentido de que relações

familiares muitas vezes fornecem o capital cultural e financeiro – entendido como o conhecimento de oportunidades e os recursos para a mobilidade – que tornam a migração possível, 2) “posição dentro do ciclo de vida”, a ideia de que procriação, transições etárias em geral e envelhecimento em particular alteram substancialmente os projetos migratórios e 3) a “indústria da migração”, vista como redes compostas por indivíduos que atuam como agentes de viagem, advogados, banqueiros, despachantes, recrutadores de mão de obra, intermediários de contatos e de possibilidades de moradia e intérpretes que, de um lado, facilitam os fluxos migratórios e que, por outro, costumam ter ramificações ou vínculos diretos e indiretos com quadrilhas de tráfico de seres humanos.

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“posição dentro do ciclo de vida”, “indústria da migração” e “políticas como estruturas de oportunidade”. Explicitando esta noção de “agência migrante”, Castles fala que

Migrantes não são indivíduos isolados que reagem aos estímulos do mercado e às regras burocráticos, mas seres sociais que procuram conseguir melhores resultados para si próprios, suas famílias e suas comunidades por moldar ativamente o processo migratório. Os movimentos migratórios, uma vez começados, se tornam processos sociais autossuficientes. É vital acrescentar este insight sociológico e antropológico aos modelos estruturais ou institucionais que são fornecidos pelos economistas, cientistas políticos e especialistas jurídicos. Contudo, os fatores estruturais são também parte do processo migratório. Tanto os países de emigração quanto os de imigração podem tornar-se estruturalmente dependentes da migração. [...] A Migração pode se tornar um substituto para o desenvolvimento antes do que uma contribuição para ele. [...] Isto, por sua vez, pode conduzir a uma cultura da emigração, na qual povos podem migrar ‘porque todas outras pessoas fazem isso’, antes que sobre as bases de objetivos reais precisos. Isso aconteceu na Itália entre 1861 e na década de 1970 e ocorre hoje em certas regiões do México, das Filipinas, da China e de outros países. (tradução minha).

(Castles, 2007: 37) Esta noção de agência migrante exposta por Castles e segundo a qual os fluxos migratórios, uma vez começados, se tornam processos sociais autossustentáveis e que instrumentalizam os indivíduos a reagirem às regras burocráticas no sentido de alcançarem seus objetivos, dialoga proficuamente com as maneiras como Marshall Sahlins (1997, 1987, 2007), Sherry Ortner (2007a, 2007b) e William Sewell Jr. (2009) entendem e teorizam acerca da ideia de agência e por essa razão, analisarei as estratégias de sobrevivência e integração social dos interlocutores desta pesquisa (imigrantes brasileiros em Roma e Barcelona) a partir de tais perspectivas teóricas. Em termos analíticos, acredito que autores como Anthony Giddens (1984) e Pierre Bourdieu (2007) fornecem subsídios que poderiam ser utilizados para refletir as estratégias de sobrevivência e integração social que analiso nesta tese. Entretanto, me parece que ambos autores enfatizam demasiado o viés da “reprodução social”, e não o da “transformação social”, como fazem Sahlins, Ortner e Sewell Jr.; três autores com os quais dialogo teoricamente para refletir as interfaces entre as noções de agência e

estrutura64. Tais noções são fundamentais à reflexão dos processos de mudança social

64 Diversos outros autores poderiam ser bons interlocutores nesta tese, como por exemplo, James

Scott (1985) e suas reflexões acerca de “resistência (à dominação)” e das “armas dos fracos” (weapons of

the weak). Entretanto, partindo da premissa óbvia que devo fazer escolhas (teóricas) e tecer relações entre elas, me parece que Ortner (2007a, 2007b), particularmente em sua distinção entre “agência de poder” e

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que fundamentam as estratégias que investigo e que, simultaneamente e parcialmente, são (também) por elas produzidos.

Concordo com Castles (2007) quando ele sugere que apesar dos crescentes processos de integração social, política e/ou econômica dos países ao redor do planeta (processos estes que possuem a UE como seu exemplo mais institucionalizado), é no nível nacional que as políticas migratórias na maior parte dos casos apresentam suas faces mais ambíguas e é no nível regional – localizado no interior das nações e sujeito aos diálogos e interferências das outras esferas governativas – que a maior parte dos segmentos imigrantes internacionais desenvolve estratégias para ter acesso às políticas públicas ligadas ao welfare state, se alvo delas e/ou cria espaços de mobilização social para enfrentar as possíveis deficiências ou ineficácias de tais políticas.

Na opinião de James Hollifield (2007), a maioria dos governos dos países da EU reconhecem que precisam administrar sociedades multiculturais ou imigrantes e já perceberam que tentativas feitas no passado de dar ostracismo às populações de origem estrangeira só tinha inflamado os sentimentos de racismo e xenofobia. Contudo, com populações estagnadas ou declinantes (em termos demográficos) e uma latente deficiência de trabalhadores altamente qualificados, Hollifield comenta que os governos europeus mais ricos estão dirigindo suas principais iniciativas migratórias para modelos extremamente seletivos e novos programas de recrutamento que imitam em alguns aspectos políticas canadenses e norte-americanas no intuito de tornar suas economias mais competitivas. Para este autor, essa busca de equilíbrio entre “abertura” (para segmentos imigrantes minoritários e bem específicos) e “fechamento” (para a maioria dos potenciais e efetivos imigrantes) não é uma tarefa fácil principalmente em virtude das reais ameaças de terrorismo que foram colocadas pelos atentados de 11 de setembro de 2001 65 e também pela crescente percepção, entre os próprios imigrantes, de suas capacidades de agência.

“agência de projetos”, contempla os principais argumentos de James Scott e ainda se coaduna melhor aos anseios epistemológicos que me fizeram estabelecer como cerne desta tese as estratégias de sobrevivência e integração social que são desenvolvidas por grupos de imigrantes brasileiros em Roma e Barcelona.

65 Aqui é importante salientar que após os atentados terroristas ocorridos na Noruega em 22 de

julho de 2011 promovidos por um jovem ligado a um grupo de extrema-direita, alguns analistas políticos comentaram que os governos dos principais países da UE dirigiram suas preocupações unicamente para o “perigo da islamização” da Europa e menosprezaram as reais ameaças que o crescimento de grupos e partidos extremistas que pregam o nacionalismo e a xenofobia representa para todo o continente, através, principalmente, da propagação da chamada “islamofobia”. Três dias após estes citados atentados, o jornal espanhol “El Pais” publicou uma matéria intitulada “La ultraderecha amenaza Europa” na qual explora estes citados comentários. A íntegra desta matéria pode ser acessada através do link:

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Steven Vertovec (2007) sugere que as atuais práticas e estratégias transnacionais que fazem parte do cotidiano de alguns grupos de imigrantes na atualidade envolvem modos fundamentais de transformação discerníveis em ao menos três domínios básicos: 1) a transformação perceptiva que afeta aquilo que pode ser descrito como a “bifocalidade” orientacional dos imigrantes no domínio sociocultural, 2) a transformação conceitual de sentidos dentro da noção tríade de “identidades-fronteiras- ordens” no domínio político e 3) a transformação institucional que afeta as maneiras de transferência financeira, os relacionamentos público-privados e os desenvolvimentos locais no domínio econômico. Para este autor, cada um destes conjuntos de transformações envolve causas múltiplas e os padrões de transnacionalismo imigrante por si próprios não causam tais processos, mas em cada caso, as práticas e estratégias imigrantes se apoiam e contribuem significativamente para contínuos processos de transformação, largamente associados com facetas da globalização já em andamento; além disso, as escalas e os domínios de transformação que são nutridos pelo transnacionalismo imigrante incluem estruturas básicas de orientação individual, estruturas políticas fundamentais e processos integrais de desenvolvimento econômico.

Com relação ao primeiro domínio de transformações que envolvem o transnacionalismo imigrante, o sociocultural, Vertovec (2007) indica que em diversos estudos, tem havido uma ênfase exagerada sobre as instituições sociais do transnacionalismo e que para mudar este quadro, é necessário observar como tal fenômeno ocorre dentro da vida cotidiana dos indivíduos e com quais impactos, já que embora as perspectivas “centradas no ator (social)” contenham o perigo de negligenciar condições estruturais mais amplas, elas possuem a vantagem de enfatizar motivações, sentidos e o lugar das pessoas como seus próprios agentes em processos de mudança. Nessa perspectiva analítica, Vertovec cita a iniciativa de Luis Eduardo Guarnizo (1997), que inspirada pela teoria de Bourdieu, sugeriu a noção de habitus transnacional. Para Guarnizo, esta noção requer

Um conjunto particular de disposições dualísticas que inclina os imigrantes a agirem e a reagirem a situações específicas de uma maneira que pode ser, mas que nem sempre é, calculada e que não é simplesmente uma questão de aceitação consciente de especificas regras comportamentais ou socioculturais. [...] O habitus

http://www.elpais.com/articulo/internacional/ultraderecha/amenaza/Europa/elpepiint/20110725elpepiint_ 4/Tes . Acesso em 25/07/2011

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transnacional incorpora a posição social do imigrante e o contexto no

qual a transmigração ocorre. Isto considera a similaridade no habitus

transnacional de imigrantes do mesmo grupo social (classe, gênero e

geração) e o desenvolvimento de práticas transnacionais ajustadas a situações específicas.

(Guarnizo, 1997: 311 [tradução minha]). Vertovec (2007) lembra que o complexo habitus do transnacionalismo imigrante tem sido descrito de outras maneiras, mas que outros estudos recentes revelaram um ponto em comum: o de os aspectos da vida “aqui” e da vida “lá” – sejam estes percebidos do ponto de partida ou de destino dos imigrantes – são constantemente monitorados e percebidos por eles como aspectos complementares de um mesmo espaço de experiência66. Um dos aspectos mais relevantes trazidos por Vertovec para esta minha tese é a transformação das perspectivas e das práticas sociais entre os “não- migrantes” (nonmigrants), ou seja, entre aquelas pessoas que embora não tenham emigrado, são estritamente relacionadas com os imigrantes transnacionais. Isso porque os dados etnográficos que colhi com imigrantes brasileiros/as em Roma e Barcelona evidenciam bem a importância de contemplar isso em termos analíticos para refletir adequadamente sobre as estratégias de sobrevivência e integração destes imigrantes. Vertovec (2007: 155) defende que as diversas transformações da realidade social promovidas pelos atuais fluxos migratórios internacionais incorporam e introduzem o que podemos chamar de “bifocalidade” ao cotidiano de muitas pessoas “que ficaram para trás” (left behind), mas cujas vidas são continuamente transformadas pelas atividades e ideologias transnacionais daqueles que “se movem entre países” 67.

66 Vertovec (2007) cita o estudo de Ruba Salih (2003) sobre como mulheres marroquinas na Itália

se engajam em práticas materiais que possam representar os dois países: quer na Itália ou no Marrocos, Salih descreve o cotidiano de mulheres que compram, consomem, exibem e trocam mercadorias do seu “outro lar” no sentido de simbolizar o seu contínuo sentido de duplo pertencimento.

67 Um dos trabalhos citados por Vertovec sobre a “bifocalidade” no cotidiano daqueles que

“ficaram para trás” é o de Rebecca Golbert (2001) sobre jovens ucranianas judias que tem desenvolvido “orientações transnacionais de lar” com respeito à Ucrânia, Israel e outras comunidades judias nos EUA e na Alemanha. Esta autora descreve como estas jovens vivenciam e avaliam experiências cotidianas, do passado e o futuro com base em uma “dupla consciência” que é construída a partir de ligações transnacionais e de uma “concepção transnacional de self”. Para Golbert, a realidade cotidiana destas jovens se encaixa em uma fronteira transnacional que cruza ideias, relacionamentos, histórias e identidades e na qual, simultaneamente, se localizam práticas transnacionais através de experiências íntimas e compartilhadas. Ao relatar as narrativas e o compartilhamento de experiências entre tais jovens, Golbert revela como os contatos comunicativos regulares, as relações de reciprocidade (em particular as remessas de dinheiro, informações e de bens materiais) e os regressos esporádicos dessas pessoas à Ucrânia têm um impacto bastante significativo na construção de “orientações transnacionais” dentre aquelas pessoas que nunca deixaram a Ucrânia, porém cujas vidas são orientadas para, ou baseadas em mais de uma localidade pelo fato de serem diretamente ligadas à transnacionalidade, em virtude dos vínculos familiares e afetivos que estabelecem com as jovens “que se movem” da Ucrânia para alhures.

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Em relação ao terceiro domínio de transformações do transnacionalismo imigrante, o econômico, Vertovec (2007) salienta que as remessas (em seus diversos aspectos e modalidades) representam um papel crucial neste domínio. Para mim, um aspecto teórico relevante trazido por Vertovec neste contexto é que embora os impactos econômicos das remessas recebam mais atenção dos estudos acadêmicos, estas atividades produzem efeitos mais amplos, que incluem o estímulo às mudanças dentro de uma variedade de instituições socioculturais, tais como as hierarquias de status locais, as relações de gênero, os padrões de casamento e os hábitos de consumo.

Apesar das facetas negativas que podem advir dos investimentos oriundos das remessas68, Vertovec (2007: 164) salienta que largas proporções dos imigrantes enviam regularmente dinheiro para a subsistência básica de suas famílias que ficaram nas localidades de origem e também para custear a educação dos seus filhos e parentes; elementos que evidenciariam a utilização “produtiva” das remessas. No caso dos/as imigrantes brasileiros/as que eu conheci durante as pesquisas de campo (em especial mulheres que se definem como “arrimos de famílias”), estes fatores citados por Vertovec são não apenas respaldados pelos dados etnográficos, mas também são muito valorizados pela maioria destas imigrantes. Algumas destas interlocutoras, por exemplo, se referiram às remessas que fazem como os elementos responsáveis pelo fato de seus filhos que ficaram no Brasil “estudarem em escolas particulares”, “não precisarem trabalhar” e “poderem se dedicar integralmente aos estudos”; essas ações, para tais mulheres imigrantes brasileiras, constituem as principais razões e justificativas para suas estadias e permanências em Roma e em Barcelona.

Para Vertovec, estes investimentos educacionais e nas esferas da saúde, da moradia e da alimentação que se desenvolvem através das remessas dos imigrantes, conduzem ao que podemos chamar de “boas formas de investimentos” e sendo assim, eles deveriam ser percebidas enquanto provedores de um tipo significativo de

68 Tais facetas negativas já foram detectadas por alguns estudos que corroboraram as crescentes

críticas que vêm sendo feitas às interpretações sociais que analisam as remessas por si só como uma espécie de panaceia. Segundo Vertovec, dentre as facetas negativas que foram detectadas por estudos etnográficos realizados em localidades asiáticas, africanas e sul-americanas que recebem substanciais remessas dos seus migrantes, destacam-se: 1) a dependência financeira de muitas famílias e a “debandada” de inúmeros postos de trabalho e de “bons” salários, 2) a indução ao aumento nos gastos com consumo de bens importados, 3) a inflação nos preços das terras, dos imóveis e das propriedades comerciais (em virtude das maiores ofertas que podem ser feitas pelos imigrantes), 4) o desenvolvimento de disparidades entre os indivíduos e as famílias que se beneficiam do fato de integrarem as redes sociais pelas quais circulam as remessas e aqueles que não se beneficiam destas redes sociais e 5) a criação de uma cultura de dependência econômica generalizada.

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transformações sociais (e muitas vezes também econômicas) e de substanciais melhorias da qualidade de vida nas inúmeras localidades de destino destas remessas; localidades estas que efetivamente se dinamizam através dos vínculos e interconexões que são desenvolvidas a partir dos contatos permanentes com os que emigram e dos envios regulares de dinheiro, informações e bens materiais e simbólicos que são por eles realizados. Por conta destes fatores, Vertovec (2007: 167) indica que no interior de países como México, já é possível visualizar a existência de cidades transnacionais.

Quando comentei com alguns interlocutores, imigrantes brasileiros em Roma e em Barcelona, sobre esta ideia de cidades transnacionais, eles disseram que suas