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A discriminação contra os estrangeiros não protestantes, sobretudo os católicos e os judeus, foi uma característica generalizada da sociedade americana ao longo do século XIXe em grande parte da primeira metade do século XX. A etnicidade e a religião determinavam todos os aspectos da vida individual, desde o local de residência e a escolha da pessoa com quem casar até ao tipo de trabalho e às probabilidades de ser bem suce- dido. A hostilidade dos americanos «nativos» em relação aos imigrantes derivava de um conjunto de preconceitos baseados na reputação dos res- pectivos grupos étnicos no Velho Mundo, nas suas aptidões e nível de instrução, na sua aparência física e, acima de tudo, na sua religião.

A animosidade contra os irlandeses (o maior grupo de imigrantes antes da década de 80 do século XIX) resultou do receio protestante de uma ameaça católica em solo americano. A tradição anticatólica americana tinha raízes teológicas profundas entre os colonos puritanos e outras cor- rentes protestantes dissidentes, mas intensificou-se após 1815. A derrota de Napoleão e a restauração do Antigo Regime no Congresso de Viena de 1815 suscitaram o receio americano de que o Papa e os seus aliados

monárquicos tentassem destruir a América como república modelo, vista como um exemplo a seguir pelos revolucionários liberais europeus (Bi- llington 1964 [1938]).

Um dos mais influentes arautos do alerta contra esta maquinação papal foi Lyman Beecher, um pastor e reformador da Nova Inglaterra. Em Plea for the West (1835), uma colectânea de sermões sobre a ameaça católica na América, Beecher apela aos americanos para que apoiem o funcionamento de escolas protestantes no Midwest, que então começava a encher-se de colonos. O autor advertia que «o conflito que decidirá o destino do Oeste [da América...] será um conflito sobre as instituições que hão-de educar os seus filhos, que hão-de ensinar-lhes ou a supersti- ção, ou a luz evangélica, o despotismo ou a liberdade» (Beecher 1835). Para esta corrente de opinião, a vastidão do território americano, a dis- persão populacional e a insipiência da organização social eram factores que se conjugavam para tornar a América particularmente vulnerável a ataques bem orquestrados pelas altas esferas do poder eclesiástico e mo- nárquico do Velho Mundo.

O entranhado receio político de grandes conspirações comandadas por padres e reis nunca esteve muito afastado dos temas recorrentes de raptos e abusos sexuais que seriam perpetrados em segredo, abrigados entre as paredes de mosteiros e conventos católicos.

Boston foi, desde os primórdios da colonização, um bastião do anti- catolicismo. Realizavam-se aí anualmente as manifestações do Dia do Papa (Pope’s Day) para celebrar a derrota de Guy Fawkes, o católico que encabeçou uma conjura (a chamada Conspiração da Pólvora) destinada a fazer explodir o edifício do Parlamento de Londres.

Na década de 1820, as Irmãs Ursulinas fundaram em Boston um con- vento com uma escola para crianças católicas. Nem a instalação de uma mesquita com uma escola muçulmana teria suscitado maior desconfiança e hostilidade. Um dos relatos mais sensacionais sobre a depravação ca- tólica foi divulgado por Rebecca Reed, uma jovem protestante que fre- quentou o externato das Ursulinas em 1832. Segundo o seu livro intitu- lado Six Months in a Convent (1835), ela teria sido uma das várias raparigas raptadas e aprisionadas no convento para serem forçadas a converterem- -se ao catolicismo, sob ameaça de sevícias grotescas, que descreve com chocante minúcia. Durante o ano anterior à publicação do livro correram pela cidade rumores sobre este relato. Houve reuniões de protesto e ci- dadãos revoltados ameaçaram atacar o convento. A certa altura formou- -se uma comissão de representantes da cidade para inspeccionar o con- vento e investigar os factos. A comissão concluiu que ninguém lá estava

contra vontade e disso deu conta publicamente, mas nem assim a indig- nação popular esmoreceu. No Verão de 1834, com os ânimos a fervilhar, Lyman Beecher dedicou vários sermões ao tema do perigo católico. Em Agosto, um grupo de homens incendiou o convento e formou-se um ajuntamento para ver as freiras a fugirem das chamas. Treze dos cabecilhas da agressão foram levados a julgamento, mas doze foram absolvidos e o único que o não foi acabou por obter um perdão do governador. O Es- tado dava assim a sua bênção à perseguição violenta dos católicos.

Quando o livro de Rebecca Reed surgiu, em 1835, foi avidamente pro- curado pelos sobressaltados leitores protestantes, e este sucesso de popu- laridade estimulou uma catadupa de novelas e confissões sobre as cho- cantes vidas secretas dos padres e das freiras católicas. A obra de Maria Monk The Awful Disclosures of Maria Monk (1836), um relato em tom sen- sacional, tornou-se um campeão de vendas tanto no Canadá como nos Estados Unidos. Continha descrições escabrosas de relações sexuais entre as freiras de um convento onde a autora tinha vivido, em Montreal, e os padres que lá entravam por um túnel secreto. Segundo Maria Monk, os bebés gerados por essas relações eram assassinados e os cadáveres lança- dos num poço de cal que havia na cave do edifício. Quanto a ela, tinha conseguido fugir antes de lhe matarem o filho que carregava no ventre. Estas histórias de exploração sexual no interior de conventos exerciam sobre o público uma atracção pornográfica e acabaram por ser interiori- zadas pelos americanos precisamente em vésperas do grande afluxo de imigrantes católicos na década de 40 do século XIX.