Como se pode verificar no quadro 4.4, que apresenta as ordenações pelo índice de individualismo e PNB, Portugal contribui para que a cor- relação entre as duas variáveis não seja maior nesta amostra, uma vez que a sua posição na ordenação segundo o PNB é bastante superior à da sua posição em termos de individualismo. Portugal apresenta-se como um país marcadamente colectivista, embora a sua posição segundo o PNB seja a de um país com um desenvolvimento bastante próximo da me- diana da amostra no que diz respeito à dimensão cultural.
No entanto, é de salientar a possibilidade de alguma desactualização do índice de individualismo português, tendo em conta as rápidas mu- danças sociais e económicas que ocorreram no país na sequência do 25 de Abril de 1974. De facto, estudos mais recentes apontam para um au- mento relativamente rápido do individualismo na sociedade portuguesa (Bond e Smith 1996; Inglehart 1997; Schwartz 1994). Por exemplo, numa réplica restrita do mesmo estudo realizada por Hofstede (2001) em finais dos anos 1980 Portugal surge como outlier na comparação com os índices originais, apresentando mais 20 pontos, juntamente com a Espanha (+23) e a Turquia (+18). Numa outra réplica restrita realizada em 1997 (Hofs- tede 2001), Portugal surge de novo como outlier nas mesmas compara- ções, desta vez com mais 33 pontos, apenas acompanhado de outro ou-
tlier na direcção contrária, a Alemanha, com menos 18 pontos. Em
conjunto, estes resultados sugerem que o índice original português pode
Quadro 4.3 – Dimensões da identidade nacional, individualismo e PNB
(coeficientes de regressão estandardizados)
Pertença simbólica Orgulho no sistema Xenofobia Proteccionismo
Individualismo –0,34 (–0,43) 0,24 (0,60) 0,31 (0,23) 0,21 (–0,34)
PNB –0,19 (–0,46) 0,51 (0,68) –0,12 (0,10) –0,79 (–0,64)
R2ajustado 0,25 * 0,50 *** 0,06 0,44 ***
Nota: Os valores entre parênteses correspondem aos beta da regressão simples. O R2ajustado refere-
-se à regressão múltipla.
encontrar-se hoje proporcionalmente menos actualizado que o da maio- ria dos outros países inquiridos.
Não obstante, a análise das relações entre a identidade nacional, o in- dividualismo e o desenvolvimento económico sustenta a ideia de um perfil nacional português tipicamente colectivista e pobre. De facto, o muito baixo orgulho no sistema, típico dos países colectivistas e menos desenvolvidos, e o elevado proteccionismo, associado ao baixo desen- volvimento económico, sugerem um país culturalmente mais semelhante
Quadro 4.4 – Índice de individualismo (Hofstede 2001) e PNB per capita (em dólares) (UNDP 2005) por país
Individualismo Produto nacional bruto
EUA 91 Irlanda 37 738
Austrália 90 Noruega 37 670
Grã-Bretanha 89 EUA 37 562
Hungria 80 Dinamarca 31 465
Canadá 80 Canadá 30 677
Nova Zelândia 79 Suíça 30 552
Dinamarca 74 Áustria 30 094
Suécia 71 Austrália 29 632
França 71 Japão 27 967
Irlanda 70 Alemanha (Ocid.) 27 756
Noruega 69 França 27 677
Suíça 68 Finlândia 27 619
Alemanha (Ocid.) 67 Grã-Bretanha 27 147
África do Sul 65 Suécia 26 750
Finlândia 63 Nova Zelândia 22 582
Polónia 60 Espanha 22 391
República Checa 58 Israel-judeus 20 033
Áustria 55 Portugal 18 126
Israel-judeus 54 Coreia do Sul 17 971
Eslováquia 52 República Checa 16 357
Espanha 51 Hungria 14 584
Japão 46 Eslováquia 13 494
Rússia 39 Polónia 11 379
Uruguai 36 África do Sul 10 346
Filipinas 32 Chile 10 274
Bulgária 30 Rússia 9 230
Portugal 27 Uruguai 8 280
Chile 23 Bulgária 7 731
Coreia do Sul 18 Venezuela 4 919
Tailândia 17 Filipinas 4 321
Venezuela 12 Tailândia –
ao Uruguai ou à Bulgária do que à Espanha ou à Nova Zelândia, ao con- trário do que sugere o PNB de 2003.
Examinámos em mais detalhe as médias das respostas portuguesas aos principais itens dos factores extraídos na primeira parte da nossa análise, comparando-as com as médias gerais da amostra e, separadamente, com as dos países individualistas e colectivistas e com as dos países «ricos» e «pobres».11No que diz respeito à dimensão orgulho no sistema, os portu- gueses envergonham-se particularmente das realizações económicas e do sistema de segurança social; o orgulho na influência política no mundo e no funcionamento da democracia situa-se na média dos países colecti-
Quadro 4.5 – Orgulho no sistema, proteccionismo e pertença simbólica nos diversos grupos de países e em Portugal
(médias dos quatro itens principais da identidade nacional)
Total Individua- Colecti- Portugal Ricos Pobreslismo vismo
Orgulho no sistema
Nas realizações económicas 2,50 2,77 2,25 1,92 2,79 2,26
No funcionamento da democracia 2,54 2,81 2,28 2,24 2,85 2,29
Na sua influência política no mundo 2,42 2,63 2,22 2,23 2,61 2,31
No sistema de segurança social 2,36 2,70 2,05 1,85 2,74 2,04
Proteccionismo (relações internacionais)
Exposição à cultura estrangeira prejudica
a nacional 3,03 2,79 3,25 3,41 2,63 3,40
Preferência a programas nacionais
na televisão 3,36 3,07 3,63 3,86 2,92 3,74
Grandes companhias prejudicam negócios
locais 3,60 3,61 3,59 3,94 3,59 3,65
Governo devia limitar importação
de produtos 3,50 3,38 3,61 3,57 3,31 3,69
Pertença simbólica
Importância de ter vivido quase toda a vida
no país 3,16 3,04 3,28 3,24 3,07 3,26
Importância de ter a nacionalidade do país 3,40 3,40 3,39 3,34 3,43 3,39 Importância de ter nascido no país 3,13 2,99 3,26 3,30 3,00 3,28
Importância de sentir-se do país 3,46 3,39 3,52 3,43 3,41 3,50
Nota: A escala de resposta varia entre um mínimo de 1 e um máximo de 5 de concordância.
11Para a nossa análise considerámos colectivistas os países inquiridos no ISSP-2003
com um índice de individualismo abaixo da mediana (= 60) e individualistas os países com índice acima desse valor. Denominámos «ricos» os países com PNB superior à me- diana (= 22 392 dólares) e «pobres» os países com PNB inferior, embora esta última de- nominação seja claramente abusiva, dado o nível geral de riqueza nos países inquiridos (quadro 4.4).
vistas e pobres inquiridos (quadro 4.5). No que diz respeito ao proteccio-
nismo, os portugueses parecem demonstrar igual preocupação com os as-
pectos culturais e com os aspectos económicos, ultrapassando em quase todos os itens as médias dos países colectivistas e pobres e revelando, assim, uma forte vulnerabilidade face ao exterior (ou possivelmente um marcado etnocentrismo). Também nos diversos aspectos da pertença sim-
bólica, os resultados portugueses assemelham-se aos dos países colectivis-
tas e pobres possuidores de um sentimento nacional ligeiramente supe- rior ao dos países individualistas e ricos.
Em suma, os resultados confirmam as semelhanças do perfil português com os dos países mais colectivistas e mais pobres no que diz respeito às dimensões identitárias que mais fortemente diferenciam estes países, ou seja, as que se referem ao país presente e concreto.