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Identidade nacional e atitudes intergrupais negativas

A literatura em psicologia social hesita na associação entre a identifi- cação endogrupal e as atitudes negativas face a outros grupos (e. g., McGarty 2001). De facto, a principal teoria neste domínio disciplinar sobre este tema, a teoria da identidade social (Tajfel e Turner 1979), tem originado posições e estudos empíricos com resultados ambíguos ou mesmo muito diferentes quanto a esta questão. Esta teoria define a iden- tidade social como a parte da identidade do indivíduo que decorre da pertença a grupos e do valor associado a essa pertença. Uma das premissas fundamentais da teoria é a de que os indivíduos gostam de pensar posi- tivamente sobre os grupos a que pertencem, dado que a sua auto-estima decorre, pelo menos em parte, de uma identidade social positiva. Por sua vez, uma identidade social positiva depende de uma avaliação positiva

do endogrupo em comparação com exogrupos relevantes. Assim se po- derá explicar não só a emergência de favoritismo endogrupal, mas tam- bém da derrogação de outros grupos (exogrupos) (Tajfel e Turner 1979). Ou seja, a partir desta teoria podemos pensar que, quanto maior a iden- tificação com um grupo, maior o favoritismo em relação a esse grupo e aos seus membros e, muito provavelmente, mais fortes as atitudes nega- tivas relativamente a outros grupos e às pessoas que os integram.

Por exemplo, no caso específico da relação entre identificação nacio- nal e atitudes face a imigrantes, num estudo realizado com amostras re- presentativas de quatro países europeus (França, Holanda, Grã-Bretanha e Alemanha), Pettigrew e Meertens (1995) verificaram que, quanto maior a identificação com a nação, maior a orientação para o preconceito e discriminação de imigrantes. Também Blank e Schmidt (1997, cit. in Blank e Schmidt 2003) encontraram suporte empírico para a existência desta relação usando dados correlacionais de amostras nacionais repre- sentativas (ISSP-1995: Áustria, EUA, Itália, RDA, RFA, Reino Unido e Rússia). Mais recentemente, Wagner e colegas (Wagner et al. 2007) ana- lisaram a correlação entre o nível de identificação nacional e a derroga- ção de imigrantes com base em dados longitudinais de quase 600 cida- dãos alemães. Usando dois pontos de medição separados por quatro anos no tempo, os autores mostraram que a associação entre a identifi- cação nacional e as atitudes negativas face aos imigrantes é, efectiva- mente, positiva.

A questão pode, porém, ser mais complexa, exigindo um estudo siste- mático de moderadores da relação entre a identificação com um grupo e a derrogação de exogrupos significativos. De facto, Hinkle e Brown (1990) efectuaram uma revisão de 14 estudos que testavam a relação entre identificação e atitudes intergrupais ou discriminação de exogrupos e mostraram que essa relação era praticamente nula. Também Inglehart (1995), num estudo envolvendo 43 países, mostrou uma correlação entre identidade nacional e conservadorismo, mas não entre identidade nacio- nal e etnocentrismo. Na mesma linha, uma análise do Eurobarómetro 47,1 de 1997, realizado em 15 países europeus, não evidenciou uma correlação significativa entre o orgulho nacional e as atitudes relativamente a pessoas de «outra raça, religião ou cultura» (Deschamps e Lemaine 2004). Para alguns autores, estes resultados fazem sentido no quadro da teoria da identidade social, uma vez que esta teoria não defenderia uma relação directa entre a identificação endogrupal e a derrogação exogrupal, mas apenas o favoritismo endogrupal (McCarty 2001; Mummendey 1995). De facto, é apenas isso que mostra o estudo experimental inicial de Tajfel

(Tajfel et al. 1971), realizado com matrizes de atribuição de pontos a um exogrupo e a um endogrupo. Esse estudo mostrou que as pessoas favo- recem de diferentes formas os membros dos seus grupos relativamente aos de outros grupos quando se trata de distribuir recursos positivos. Porém, quando se trata de distribuir recursos negativos, ou custos, o fa- voritismo endogrupal não se manifesta (Mummendey 1995). Podemos assim pensar numa dissociação entre um sentimento de positividade ver-

sus um endogrupo e de negatividade versus o exogrupo correspondente

(Brewer 1999)

De qualquer forma, pode haver condições que facilitam uma associação entre a identificação grupal e a discriminação exogrupal e que podem aju- dar a explicar resultados, como os de Pettigrew e Meertens (1995), no con- texto dos processos migratórios. Por exemplo, Hinkle e Brown (1990) avançaram a hipótese de que a relação entre a identificação e os enviesa- mentos negativos face a outros grupos depende de factores moderadores. Estes autores propuseram que a identificação com o endogrupo pode ter diferentes significados e desenvolveram uma taxonomia de grupos que inclui duas dimensões ortogonais: individualismo vs. colectivismo (v. Triandis 1995) e orientação relacional vs. autónoma (orientação para a comparação ou não). Considerando esta taxonomia, Hinkle e Brown de- fendem que a relação entre a identificação endogrupal e as atitudes nega- tivas face aos outros grupos apenas emergirá para indivíduos ou grupos com uma orientação colectivista e relacional (saliência das comparações intergrupais). Brown e colegas (1992) apresentam dados que suportam esta hipótese: a associação entre a identificação endogrupal e os enviesa- mentos intergrupais foi mais elevada no quadrante colectivista-relacional do que em todos os outros. Também Mummendey, Klink e Brown (2001) mostraram que a identificação nacional e a derrogação de outros grupos podem não se correlacionar, ao mesmo tempo que também mostram que essa correlação é provável quando a comparação entre um endogrupo e um exogrupo está saliente. Neste contexto, as percepções de ameaça podem representar um papel fundamental (Sindic e Reicher 2009).

Pela nossa parte, consideramos importante salientar os estudos que têm mostrado o papel moderador das representações sobre a nação na relação entre a identidade nacional e as atitudes exogrupais negativas. Por exemplo, alguns estudos mostram que, quando o país é representado como um conjunto de entidades (Billiet, Maddens e Beerten 2003), e não como uma entidade única, a probabilidade de uma relação positiva entre a identificação e as atitudes exogrupais negativas é menor. Esta hi- pótese poderá de facto ser invocada para explicar a ausência de relação

entre a identidade nacional e as atitudes negativas face à imigração na Suíça e no Reino Unido (ISSP-2003), o mesmo ocorrendo na Bélgica (v. Billiet, Maddens e Beerten 2003), países frequentemente representados como um agregado de entidades.

Será ainda importante considerar a representação da história da nação um factor importante na relação entre a identificação nacional e a hostili- dade face a outros grupos (Citrin, Wong e Duff 2001; Liu e Hilton 2005). Nesta perspectiva, que enfatiza o papel da representação prevalecente da história da nação, Kelman (1997) examinou a relação entre a identificação nacional e as perspectivas de paz e hostilidade exogrupal no caso do con- flito israelo-palestiniano. É também no contexto da representação sobre a história da nação que propusemos uma explicação para o facto de Portugal aparecer recorrentemente como uma excepção, quando estudos com amos- tras representativas analisam a relação entre a identificação e as atitudes exogrupais negativas. Num estudo sobre o racismo em Portugal (Vala, Brito e Lopes 1999), como num estudo com resultados do ISSP-2003 (dados de oito países europeus) ou no estudo do ESS-2004 (v. Vala, Lopes e Lima 2008), verifica-se consistentemente, contrariamente ao que sucede na média de outros países europeus, uma dissociação entre o grau de identificação e as atitudes negativas face a imigrantes. Na nossa interpretação, a activação da identidade nacional torna saliente a representação luso-tropicalista da colonização e esta coíbe a expressão de atitudes negativas explícitas face aos ex-colonizados (embora o mesmo não se passe com atitudes menos explicitas; v. Vala, Lopes e Lima 2008). Nas bases de dados transnacionais e nos estudos que realizámos até agora apenas encontrámos uma excepção a este padrão: um estudo sobre a memória do descobrimento do Brasil em que se mostra que os que mais se identificam com Portugal têm uma ima- gem mais negativa dos escravos e dos índios do que aqueles que se identi- ficam menos (Vala e Saint-Maurice 2004).

No presente estudo examinámos dois conjuntos de hipóteses não in- vestigadas até agora na literatura neste domínio. O primeiro conjunto de hipóteses retoma os estudos sobre a identidade comparativa, analisa o seu impacto nas atitudes face à imigração e estuda o seu papel no quadro da relação entre valores e atitudes face à imigração (Ramos e Vala 2009). O segundo conjunto de hipóteses incide no estudo do impacto dos sig- nificados da identidade nacional nas atitudes face à imigração. Concre- tamente, neste segundo caso estudámos o efeito da identidade nacional pensada como patriotismo vs. nacionalismo na atitude face à imigração. Argumentámos que as consequências da identidade nacional nas atitudes intergrupais serão melhor compreendidas quando a identidade nacional

é estudada em contexto comparativo; argumentámos também que tão ou mais importante do que o impacto do grau de identificação nacional nas atitudes intergrupais serão os conteúdos de que é investida a identi- dade nacional.

Identidade comparativa, valores e oposição