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Individualismo, desenvolvimento económico e participação política

Finalmente, concentrámo-nos num aspecto relevante para a análise das relações entre a identidade nacional e o individualismo cultural – o interesse e participação na política nacional. De facto, o interesse na go- vernação, legislação e, em geral, na política do país é revelador da forma como o cidadão percepciona o sistema nacional e se situa enquanto actor

Quadro 4.6 – Individualismo, desenvolvimento económico e tolerância à diversidade

(coeficientes de regressão estandardizados)

Assistir minorias Minorias devem a preservar tradições (a) adaptar-se à sociedade (b)

Individualismo –0,36 (–0,71) –0,20 (0,54)

PNB –0,52 (–0,77) 0,49 (0,63)

R2ajustado 0,65 *** 0,42 ***

Nota: Os valores entre parênteses correspondem aos beta da regressão simples. O R2ajustado refere-

se à regressão múltipla.

(a) A escala varia entre 1 (discordo totalmente) e 5 (concordo totalmente).

(b) As minorias devem: 1 = manter as suas tradições ou 2 = adaptar-se à sociedade em geral. Percen- tagem de respondentes em cada país que optaram pela segunda modalidade de resposta (as minorias devem adaptar-se à sociedade em geral).

N = 30; **p < 0,01; ***p < 0,001.

Quadro 4.7 – Individualismo, colectivismo e tolerância à diversidade nos diversos grupos de países e em Portugal

(médias e percentagens)

Total Individua- Colecti- Portugal Ricos Pobreslismo vismo

Assistir minorias a preservar tradições (a) 2,12 1,75 2,48 2,47 1,68 2,56 Minorias devem adaptar-se à sociedade (b) 56,0 69,7 42,5 46,6 70,5 41,7

N 30 15 15 – 15 15

(a) A escala varia entre 1 (discordo totalmente) e 5 (concordo totalmente).

desse sistema: se o sistema tem um efeito directo e imediato sobre a sua vida ou se, pelo contrário, o impacto na sua vida é reduzido e diferido, portanto, revertendo num menor interesse em participar na política na- cional (Hofstede 2001). A lógica racional-legal do individualismo pres- creve um controlo próximo dos processos oficiais, dos órgãos produtores e executores das leis formais do país por parte dos cidadãos. Já na lógica particularista da cultura colectivista, a política nacional deverá ter um im- pacto menor nos cidadãos, sendo moderado pela influência concreta e próxima dos colectivos sociais, esses sim objecto de constante escrutínio (Bierbrauer 1994).

O questionário ISSP - 2003 permite uma medida muito sumária desta variável através do item «Votou nas últimas eleições». As regressões rea- lizadas sobre as percentagens a esse item em cada país (N = 29),12to- mando como preditores, em primeiro lugar, o individualismo e o desen- volvimento económico, separadamente, e, depois, os dois preditores em conjunto, revelaram que a participação eleitoral varia de forma idêntica com a cultura e com o desenvolvimento económico. De facto, tanto o individualismo como o PNB predizem significativamente a participação eleitoral.13A regressão múltipla mostrou que nenhum dos preditores é mais responsável do que o outro pelo exercício do direito de voto, res- pectivamente.14

Este resultado é consistente com análises realizadas a partir dos dados da sondagem Eurobarómetro (1994), segundo as quais o individualismo está positivamente associado ao interesse na política, no caso, da União Europeia, r (12) = 0,55; p < 0,05. Por exemplo, enquanto a Dinamarca, um país com um elevado índice de individualismo, exibia o maior inte- resse na política, com 72% dos respondentes a registarem bastante ou algum interesse, Portugal registava apenas 26%. O quadro 4.8 mostra como, nos dados do ISSP-2003, a percentagem de portugueses que res- ponderam ter votado nas últimas eleições se aproxima muito mais da

Quadro 4.8 – Individualismo, colectivismo e participação eleitoral

(percentagens)

Total Individualismo Colectivismo Portugal Ricos Pobres

78,4 83,5 73,6 73,7 82,8 73,7

N 29 14 15 – 15 14

12Excepto a África do Sul, onde essa questão não foi colocada. 13β = 0,38 e 0,37; p < 0,05; R2 ajustado = 0,14, respectivamente.

dos países colectivistas do que da dos individualistas, revelando menos interesse e envolvimento na política do país, nomeadamente, do que a média da amostra total. Este resultado é também coerente com resultados anteriores, que mostram, por parte dos portugueses, um nível baixo de procura e consumo de informação política, uma fraca motivação para formar opiniões pessoais de índole política e uma forte tendência para seguir líderes de opinião (Cabral 1997).

Conclusão

No presente capítulo tentámos traçar um perfil da identidade nacional portuguesa a partir da sua comparação com um conjunto diversificado de países. Os resultados revelaram um sentimento mediano de pertença nacional, uma receptividade razoável aos imigrantes, um orgulho baixo no sistema nacional e uma necessidade elevada de autoprotecção relati- vamente a influência e poderes externos. Dado que as amostras dos países do Centro e Norte da Europa revelaram padrões de identidade nacional bastante distintos do padrão português, pode concluir-se que o facto de todos se situarem na mesma zona geográfica, de os seus representantes se reunirem no mesmo fórum europeu, de obedecerem a directivas co- muns, etc., tem um impacto negligenciável na forma como os seus cida- dãos se relacionam com os respectivos países. A Europa, concretamente a União Europeia, parece, pois, constituir-se de formas bastante diversas de viver a pertença nacional e de atitudes bastante diferentes dos cidadãos face aos respectivos países.

De facto, em duas das dimensões da identidade nacional os portugue- ses aproximam-se mais dos cidadãos dos países sul-americanos e do Su- doeste asiático, os quais registaram os índices mais elevados de pertença nacional e de receptividade aos imigrantes. Noutras duas dimensões, os portugueses assemelham-se mais aos cidadãos dos países da Europa do Leste, os quais revelaram os índices mais baixos de orgulho no sistema e um elevado proteccionismo. Na elevada receptividade à imigração e à diversidade de costumes, os portugueses aproximam-se também dos ci- dadãos dos países sul-americanos. Na ausência de causas evidentes para estas semelhanças, neste estudo considerámos o individualismo cultural dos países tal como foi quantificado por Hofstede (1981). A consideração desta variável teve em conta a sua pertinência teórica para analisar o papel das identidades colectivas na autodefinição individual (Oyserman, Coon e Kemmelmeier 2002; Triandis, 1989). De facto, a análise revelou asso-

ciações significativas entre esta variável e alguns aspectos da identidade nacional, nomeadamente os sentimentos de pertença nacional e a parti- cipação política. Este facto sugere que subjacente às semelhanças entre Portugal e os países sul-americanos e do Sudoeste asiático no que diz res- peito a estas dimensões está o facto de todos partilharem a mesma orien- tação cultural colectivista. Estes resultados apoiam modelos anteriores que predizem uma forte associação do individualismo, respectivamente, com a identificação a grupos sociais (Oyserman, Coon e Kemmelmeier 2002; Triandis 1989) e com o interesse dos cidadãos na política nacional (Bierbrauer 1994; Hofstede 2001). Contudo, ficam por explicar nesta aná- lise resultados como os dos EUA que, não obstante serem caracterizados pelo índice máximo de individualismo, apresentam uma média elevada na pertença simbólica ao país, ou, no extremo oposto, de Taiwan, em que um elevado colectivismo cultural coexiste com um fraco sentimento de pertença ao país. É óbvio, no entanto, que, embora várias hipóteses especulativas pudessem ser levantadas, uma discussão mais exaustiva des- tes casos atípicos extremos ultrapassaria o âmbito do presente estudo.

Nesta análise tivemos ainda em conta o desenvolvimento económico, dada a sua comprovada relação com o individualismo cultural (Hofstede 1981 e 2001; Triandis 1973 e 1984). Os resultados obtidos sugerem que, nas dimensões «orgulho no sistema» e «proteccionismo», o impacto do individualismo é, em grande parte, devido ao desenvolvimento econó- mico que lhe está associado, o que parece indicar que a semelhança entre o perfil português e alguns dos países da Europa do Leste nas duas pri- meiras dimensões se relaciona com a afinidade existente entre os respec- tivos níveis económicos (apesar de Portugal apresentar no ano em ques- tão um PNB superior à média daqueles países). Contudo, também neste conjunto de resultados ficam por explicar as razões pelas quais países como a Venezuela ou as Filipinas, países menos ricos do que Portugal, apresentam níveis muito superiores de orgulho no sistema e níveis muito inferiores de proteccionismo, sugerindo a existência de outros factores que ficaram fora do âmbito da presente análise.

Finalmente, na receptividade aos costumes dos grupos imigrantes, o contraste entre os valores registados pelos portugueses e os dos cidadãos do Norte e Centro da Europa pode ser explicado, na lógica do modelo psicológico de desenvolvimento económico de Triandis (1973 e 1984), pela sua menor necessidade de uniformidade normativa, que é caracte- rística das culturas fortemente apostadas no crescimento económico.

Em suma, apesar dos casos atípicos extremos, correspondendo a países com percursos e situações actuais particulares, podemos afirmar que, quer

o individualismo cultural, quer o desenvolvimento económico, repre- sentam variáveis a ter em conta na análise de aspectos da identidade na- cional como os que foram abordados neste estudo. No presente caso re- velaram ser recursos válidos para a compreensão das similitudes e diferenças entre o perfil de identidade nacional português e o dos restan- tes países abrangidos pelo ISSP e, eventualmente, para a compreensão dos comportamentos do público português em relação a assuntos que têm vindo a marcar o quotidiano político e económico do país.

Parte II