• Nenhum resultado encontrado

1.3 A descrição dos procedimentos metodológicos

1.3.2 A análise de conteúdo

Nessa pesquisa, estamos lançando mão da análise de conteúdo, conforme propõem Laurence Bardin (2006) e Augusto Nibaldo Silva Triviños (1987). A análise de conteúdo constitui um método específico que parece mais claro em razão da elaboração esquemática que o acompanha, tornando-o mais fácil e menos ambíguo, “devido à possível redução do material anteriormente delineado. As muitas regras formuladas destacam essa impressão de uma maior clareza e ausência de ambiguidade” (FLICK, 2009, p. 294). Tal aspecto, para a

67 autora, também pode ser visto como uma das potencialidades da técnica. Desse modo, a análise de conteúdo vai reduzir a complexidade de uma coleção de textos. A classificação sistemática e a contagem de unidades do texto apresentam uma grande quantidade de material em uma descrição curta de algumas de suas características.

Flick (2009) ressalta a vantagem que esse método analítico possui sobre os métodos mais indutivos, uma vez que a formalização do procedimento origina categorias que facilitam a comparação. Entretanto, a/o pesquisadora/o não deve adentrar no campo de pesquisa sem qualquer bagagem teórica. A priori, por mais que não sejam estabelecidas hipóteses nas pesquisas qualitativas, certas categorias precisam ser criadas, ainda que não sejam definitivas e únicas.

Triviños (1987) afirma que a análise de conteúdo, além de método de análise único, pode servir de auxiliar em pesquisas mais complexas, fazendo parte de uma visão mais ampla. No entanto, para que o método realmente atinja tal competência, faz-se necessário considerar o contexto das investigações, não podendo a/o pesquisadora/o ater-se apenas aos aspectos superficiais e/ou manifestos dos dados coletados, uma vez que, como aponta Flick (2009, p. 298), a noção de contexto já é “mais ou menos indiscutível na pesquisa qualitativa”.

De acordo com Triviños (1987) o conteúdo manifesto orienta para conclusões apoiadas em dados quantitativos, numa visão estática e ao nível, no melhor dos casos, de simples denúncia de realidades negativas para o indivíduo e para a sociedade. O conteúdo latente abre possibilidades, sem excluir a informação estatística, muitas vezes, para descobrir ideologias, tendências, etc., das características dos fenômenos sociais que se analisam e, ao contrário da análise apenas do conteúdo manifesto, é dinâmico, estrutural e histórico. Desse modo, Triviños (1987) demonstra que a análise de conteúdos não é apenas registro ou constatação de uma determinada realidade, permitindo a compreensão de uma complexa rede de relações históricas e culturais.

Nesse mesmo sentido, John B. Thompson (1995) aponta a importância do contexto das investigações e da história nas análises científicas, ao afirmar que, ao se considerar o conteúdo sem o contexto, qualquer análise se torna falha; por isso, há a necessidade de olhar o sistema como um todo, contrapondo-se à fragmentação da ciência.

A análise de conteúdo tem sido compreendida, conforme aponta Henrique Freitas; Marcos Cunha Júnior e Jean Moscarola (1997), como um conjunto de instrumentos

68 metodológicos em constante aprimoramento, dedicado à análise de diferentes fontes de conteúdo, sejam eles verbais ou não-verbais. No que tange à interpretação, a análise de conteúdo transita entre dois eixos: o rigor da objetividade e a inexorabilidade da subjetividade. É uma técnica apurada, que exige dedicação, paciência, disciplina, cuidado e tempo da/o pesquisadora/or. É preciso, também, usar de intuição, criatividade e imaginação, especialmente no que se refere à definição das categorias de análise, sem esquecer de que o rigor e a ética são também fundamentais para o sucesso metodológico da pesquisa.

Mas é válido lembrar, como aponta Flick (2009, p. 294), que, muitas vezes, a falta de profundidade nas análises acaba se refletindo no uso excessivo de paráfrases, “utilizadas não apenas para explicar o texto básico, mas também para substituí-lo – sobretudo na síntese da análise de conteúdo”. Entretanto, Thompson (1995, p.409) atenta para o fato de a/o pesquisadora/or não ser neutra/o, referindo-se ao “mito do receptor passivo”. Dessa forma, a inferência da/o pesquisadora/o, a qual se faz necessária, não é totalmente neutra; mas, deve- se procurar interferir minimamente de maneira pessoal. Isso não quer dizer ser acrítico ou não fazer inferências, aspectos que uma análise de conteúdo em pesquisas qualitativas exige.

Nesse sentido, em virtude de a análise de conteúdo exigir inferência da/o pesquisadora/or em suas diferentes fases, a neutralidade pode ser considerada uma limitação. Por outro lado, como afirma Thompson (1995), não se pode esquecer que o objeto de análise constitui construção simbólica significativa, o que pode se reverter em validação para a pesquisa, fugindo das críticas das análises positivistas.

Isso implica então que, com o objetivo de superar esse limite, a/o pesquisadora/or, deve também, assegurar-se, detalhando os procedimentos adotados na abordagem, visando garantir a validade da sua análise a partir da exposição desta aos participantes da comunidade de trabalho e, com elas/es, dialogar e reinterpretá-la novamente. Não se trata de uma defesa intensa em torno da rigorosidade do método ou da defesa de que a/o pesquisadora/or não deva realizar nenhuma inferência, fazendo uso da flexibilidade necessária, mas, que tome cuidado, tanto em detalhar como em cumprir as etapas que constituem o método, evitando tanto o positivismo como o idealismo.

John Creswell (2007), Uwe Flick (2009) e Maria Cecília de Souza Minayo (2001) afirmam que a condução da análise dos dados envolve diferentes momentos, que têm a finalidade de atribuir significado aos dados coletados. Triviños (1987), porém, afirma não

69 existir consenso quanto ao uso das terminologias que designam as diferentes fases intrínsecas à análise de conteúdo, mas apresentam semelhança entre si. Devido a essa diversidade, embora exista homologia entre elas, nessa tese foram tomadas as terminologias que designam as etapas do método, conforme propõe Bardin (2006), que são divididas em três fases:

1) pré-análise;

2) exploração do material; e

3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

A primeira fase, chamada por Bardin (2006) de pré-análise, é desenvolvida para organizar as ideias iniciais inseridas em um quadro referencial teórico, com vistas a encontrar os indicadores para a interpretação das informações coletadas. Essa fase exige uma leitura estendida do material eleito para a análise15. Geralmente inicia-se pela organização do material a ser investigado, de modo que a/o pesquisadora/o conduza os procedimentos sucessivos previstos pelo método. Por isso, essa fase compreende:

a) leitura flutuante: é o primeiro contato com os documentos da coleta de dados, momento em que se começa a conhecer os textos, entrevistas e demais fontes a serem analisadas16;

b) escolha dos documentos: consiste na definição do corpus de análise; c) formulação das hipóteses e objetivos: a partir da leitura inicial dos dados; d) elaboração de indicadores: a fim de interpretar o material coletado.

É importante citar que a escolha dos dados a serem analisados deve obedecer à orientação das seguintes regras, conforme apontado por Bardin (2006):

✓ exaustividade: refere-se à deferência de todos os componentes constitutivos do corpus da pesquisa. Ao descrever essa regra, Bardin (2006) é enfática ao esclarecer que exaurir os dados significa não deixar de fora da pesquisa qualquer um de seus elementos, sejam por quais razões forem;

✓ representatividade: Bardin (2006) coloca que, no caso da seleção de um número grande de dados, pode-se fazer um recorte, ou seja, trabalhar com uma amostra

15 Quando houver entrevistas, estas devem ser transcritas antes de se proceder com a análise, conforme sugere Bardin (2006).

70 significativa, desde que o material coletado ofereça condições para isso. A amostragem diz-se rigorosa se a amostra for uma parte representativa do universo inicial;

✓ homogeneidade: os documentos arquivados devem ser homogêneos, além de obedecer a critérios precisos de escolha e não apresentar excessiva singularidade fora dos critérios;

✓ pertinência: trata de conferir se a fonte documental é adequada ao objetivo suscitado pela análise (BARDIN, 2006), ou seja, esteja respectiva com aquilo a que se propõe o estudo.

Considerando-se as regras de seleção do corpus de análise, que é formado pelos documentos selecionados para análise durante o período de tempo estabelecido para a coleta de informações17, passa-se à observação criteriosa pela/o pesquisadora/or, com total consentimento das pessoas que constituem a comunidade de trabalho. Para isso, o material deve estar preparado, o que caracteriza a fase intermediária, que compreende a reunião de todo material para tratar as informações coletadas (gravações, observações, etc.), com o objetivo de formalizar os textos. As observações realizadas pela/o pesquisadora/o têm um cunho enriquecedor quando da análise dos textos, considerando que estas observações registradas podem expressar, com certo rigor, outros espaços de comunicação (BARDIN, 2006).

Concluída a primeira fase, dá-se início à exploração do material, que constitui a segunda fase, que, conforme Bardin (2006), consiste na construção das operações de codificação, considerando-se os recortes dos textos em unidades de registros. Nesse momento são feitas as definições de regras de contagem e a classificação e agregação das informações em categorias simbólicas ou temáticas. Bardin (2006) define codificação como a transformação do conteúdo, por meio de recorte, agregação e enumeração, com base em regras precisas sobre as informações textuais, representativas das características necessárias para a análise. Dessa forma, o texto dos diários de campo, bem como o de todo o material

17 Conforme Bardin (2006), os documentos podem ser: falas de informantes-chaves, relatórios, regimentos, normas e rotinas, registros, ofícios, diários de campo, dentre outros. Nessa pesquisa, trata-se dos diários de campo.

71 coletado é recortado em unidades de registro18. Disso decorre, conforme Bardin (2006), a criação/proposição das categorias iniciais, que devem ser agrupadas por tema, a fim de permitir a eleição de categorias intermediárias e, estas últimas, do mesmo modo, também agrupadas em função da ocorrência dos temas, darão origem às categorias finais19.

Trata-se de um processo indutivo ou inferencial, dedicado à compreensão do sentido da fala das/os entrevistadas/os e também da atribuição de significação ou outra mensagem por meio ou junto da mensagem primeira (BARDIN, 2006).

A terceira fase corresponde ao tratamento dos resultados, inferência e interpretação, que consiste em apreender os conteúdos expressos e latentes contidos em todo o material coletado. A análise comparativa é realizada por meio da justaposição das diversas categorias existentes em cada análise, com ênfase aos aspectos considerados semelhantes e aos que foram concebidos como diferentes (BARDIN, 2006).

Sintetizando, o método de análise de conteúdo compreende as seguintes fases, conforme Bardin (2006): 1. leitura geral do material coletado (diários de campo, entrevistas e documentos); 2. codificação para formulação de pré-categorias de análise, utilizando o quadro referencial teórico e as indicações trazidas pela leitura geral; 3. recorte do material, em unidades de registro (palavras, frases, parágrafos) comparáveis e com o mesmo conteúdo semântico; 4. eleição de categorias que se diferenciam, tematicamente, nas unidades de registro (passagem de dados brutos para dados organizados). A formulação dessas categorias segue os princípios da exclusão mútua (entre categorias), da homogeneidade (dentro das categorias), da pertinência na mensagem transmitida (não distorção), da fertilidade (para as inferências) e da objetividade (compreensão e clareza); 5. agrupamento das unidades de registro em categorias comuns; 6. agrupamento progressivo das categorias (iniciais → intermediárias → finais); e 7. inferência e interpretação, respaldadas no referencial teórico.

Ressaltamos que as inferências e interpretações com respaldo no referencial teórico foram elaboradas coletivamente, por meio do diálogo entre todas as pessoas que constituem

18 Bandin (2006) aponta que os parágrafos de cada diário de campo, e também de cada entrevista, se houver, assim como textos de documentos, são tomados como unidades de registro. Desses parágrafos, as palavras- chaves são identificadas, faz-se o resumo de cada parágrafo para realizar uma primeira categorização. Essas primeiras categorias são agrupadas de acordo com temas correlatos e dão origem às categorias iniciais. 19 Bardin (2006) coloca que o texto das entrevistas deve ser recortado em unidades de registro (palavras, frases, parágrafos), agrupadas tematicamente em categorias iniciais, intermediárias e por último, finais, as quais possibilitam as inferências.

72 a comunidade de trabalho da pesquisa. Desse modo, com o objetivo de tornar mais clara a sequência dos passos previstos no método de análise de conteúdo, apresenta-se a figura 2, esquematizada por Bardin (2006), que segue.

Figura 2 - Desenvolvimento da análise de conteúdo.

73

CAPÍTULO II

O desenho do artista uruguaio Joaquín Torres-García trabalha com a representação inusual da Nossa América Latina. Em artigo publicado em 1941, Joaquín afirma: “Quem e com que interesse dita o que é o norte e o sul? Defendo a chamada Escola do Sul por que, na realidade, nosso norte é o Sul. Não deve haver norte, senão em oposição ao nosso sul. Por isso colocamos o mapa ao revés, desde já, e então teremos a justa ideia de nossa posição, e não como quer no resto do mundo. A ponta da América assinala insistentemente o Sul, nosso norte”. (TORRES-GARCÍA, J. Universalismo constructivo. Buenos Aires: Poseidón, 1941).

74

2 – UM OLHAR SOBRE A EDUCAÇÃO: ESTUDOS EM PRÁTICAS SOCIAIS E PROCESSOS EDUCATIVOS

Pensar a educação a partir das práticas sociais, nessa pesquisa, faz-se necessário, uma vez que trago como objetivo geral entender e reconhecer processos educativos – de estudantes de Engenharia Ambiental – que emergem da prática social da extensão popular em educação ambiental. A partir disso, entendo a necessidade de pensar a educação, que, de acordo com Carlos Rodrigues Brandão (2007), se concretiza na trama de culturas múltiplas e inúmeras. Dessa maneira, estruturei esse capítulo a partir de dois eixos: o primeiro que discute a relação entre educação e cultura, a educação como cultura e o contexto das práticas sociais; e o segundo, que discute a educação popular atrelada aos estudos em práticas sociais e processos educativos.