• Nenhum resultado encontrado

A dimensão ambiental da educação e o conceito “meio ambiente”

Como já colocado anteriormente, e vale ainda ressaltar, o atual modelo de desenvolvimento econômico e tecnológico, aliado à sociedade altamente capitalista, urbano- industrial, consumista, têm provocado crescente impacto sobre o meio ambiente. Vivem-se hoje intensos conflitos, pois a falta de água, de energia, de espaços habitacionais seguros, de alimentação, dentre outras, tem castigado diferentes nações, especialmente as periféricas, na perspectiva de Araújo-Olivera (2014).

Reduzir a desigualdade social é fato crucial para atingir a sustentabilidade em sua plenitude e em todas as suas dimensões. Mas, para isso, seria necessário modificar a distribuição de renda no país (PORTO-GONÇALVES, 2013). Dessa forma, educação ambiental precisa levar em conta os interesses das classes populares historicamente excluídas, conforme aponta Carlos Rodrigues Brandão (2007), pois passaria a se configurar como possibilidade de a educação não ser apenas compromissada com a formação do cidadão, e não ser apenas participante e libertadora, mas ser, por si mesma, fonte promotora de libertação. Seria, nessa concepção, um trabalho educativo que luta por realizar em si mesmo aquilo que sonha concretizar como realidade pelos diversos segmentos da sociedade.

Por isso, seria interessante que a organização política dominadora, opressora, violenta, fosse superada por aquela que, como afirma Dussel (2007, p.41), é obediente às maiorias, que fortalece a “reprodução e o aumento da vida na comunidade”. O aumento qualitativo de vida está profundamente ligado à qualidade ecológica. Dessa forma, como coloca Dussel (2007), o poder obediencial que atende às necessidades e reinvindicações sociais é atravessado pela ecologia.

Hoje, principalmente o sistema econômico (em seu nível tecnológico) está pondo em crise a possibilidade da simples vida nua. A previsão de permanência na vida da população de cada nação na humanidade que habita o planeta Terra é primeira e essencial função da política. O critério de sobrevivência deve se impor como critério essencial de todo o resto. Uma humanidade extinta obviamente aniquilaria o campo político e todos os seus sistemas possíveis. É a condição absoluta do resto e, entretanto, não se tem consciência normativa de sua gravidade (DUSSEL, 2007, p.64).

Portanto, pensar em uma nova configuração de organização política nos países pós- coloniais, como os da América Latina, aparece como alternativa para a tomada de sua responsabilidade ecológica. Esse seria “um bom exercício para renovar nossa visão do mundo

154 e, às vezes, trocar as lentes para ver as mesmas paisagens com olhos diferentes. Isso significa desnaturalizar os modos de ver que tínhamos como óbvios” (CARVALHO, 2008, p.34). Segue a autora:

Quando falamos em meio ambiente, muito frequentemente essa noção logo evoca as ideias de “natureza”, vida biológica”, “vida selvagem”, “flora e fauna”. [...]. Essa visão “naturalizada” tende a ver a natureza como o mundo da ordem biológica, essencialmente boa, pacificada, equilibrada, estável em suas interações ecossistêmicas, o qual segue vivendo como autônomo e independente da interação com o mundo cultural humano. Quando essa interação é focada, a presença humana amiúde aparece como problemática e nefasta para a natureza (CARVALHO, 2008, p.35).

Essa dicotomia ser humano-natureza, ou até mesmo sociedade-ambiente é histórica. Ao longo do tempo, se constituiu a ideia de que o ser humano estava soberanamente acima de natureza, enquanto origem e mediação da vida. Nessa ideia que se perpetua é que têm origem as injustiças ecológicas. Dessa forma,

Ao trocar as lentes, vamos ser capazes de compreender a natureza como ambiente, ou seja, lugar das interações entre a base física e cultural da vida neste planeta. Nessa mudança, deslocamo-nos do mundo estritamente biológico das ciências naturais para o mundo da vida, das humanidades e também dos movimentos sociais, bem mais complexo e abrangente (CARVALHO, 2008, p.38).

Segundo Dussel (2007) a tomada de consciência em torno dessas injustiças ecológicas é de caráter eminentemente social e, de acordo com Carvalho (2008, p.65),

tem que ver também com a crescente visibilidade dos movimentos ecologistas que vão ganhando força e conquistando adeptos para um jeito ecológico de ser, um novo estilo de vida, com modos próprios de pensar o mundo e, principalmente, de pensar a si mesmo e as relações com os outros, neste mundo.

Ressaltamos aqui a diferença entre ambientalismo e ecologia. De acordo com Manuel Castells (1999), ambientalismo refere-se a todas as formas de comportamento coletivo que visam corrigir formas destrutivas de relacionamento entre o ser humano e o lugar onde vive. Ecologia, do ponto de vista sociológico, é um conjunto de crenças, teorias e projetos que contempla o gênero humano como parte de um ecossistema mais amplo, e visa manter o equilíbrio desse sistema em uma perspectiva dinâmica e evolucionária.

De acordo com Carvalho (2008, p.68), a corrente que propõe esse pensamento “nasceu criticando a aposta no progresso ilimitado tanto do ponto de vista de duração e da qualidade da existência humana quanto da permanência dos bens ambientais e da natureza em que convivemos”.

155 Segundo Castells (1999), o conceito de justiça ambiental, tomado como noção ampla, resultado dos movimentos ambientalistas, recoloca como principal o valor da vida em todas as manifestações, contra os interesses de riqueza, poder e tecnologia, e com isso conquista pouco a pouco as pessoas e também as políticas públicas, que tendem, inexoravelmente, à busca por essa justiça ambiental.

Isabel Carvalho (2008) afirma que o surgimento da questão ambiental como um problema que afeta a trajetória da humanidade tem mobilizado governos e sociedade civil. E, atualmente há uma crise político-ideológica generalizada em curso no mundo, com sérias implicações para as questões ambientais e a educação ambiental.

De acordo com Carvalho (2001), o termo “ambiental” e praticamente tudo o que ao termo se relaciona, carecia, até então, de precisão, especificação e esclarecimentos conceituais, o que gerou diversas práticas ambíguas e, até mesmo, erradas. Isso não quer dizer que hoje essa carência conceitual tenha sido suprimida. Philippe Pomier Layrargues (1999, p.140) aponta que “meio ambiente não é sinônimo de natureza, e a problemática socioambiental não é sinônimo de desequilíbrio ecológico, a educação ambiental não é sinônimo de ecologia”.

Luci Sauvé (2005a) evidencia a existência de sete conceitos diferentes para meio ambiente, conforme pode ser observado no quadro 4.

Quadro 4 - As diferentes concepções de meio ambiente segundo Luci Sauvé (2005a) Conceitos de Meio Ambiente Características Natureza (para apreciar, para respeitar, para preservar).

Na origem dos atuais problemas socioambientais existe uma lacuna fundamental entre o ser humano e a natureza, que é importante eliminar. É preciso reconstruir o sentimento de pertencer à natureza, ao fluxo de vida de que participam as pessoas.

Recurso (para gerir, para repartir).

Não existe vida sem os ciclos de recursos de matéria e energia. Trata-se de gerir sistemas de produção e de utilização dos recursos comuns, tanto quanto sistemas de tratamento de resíduos e sobras.

Problema (para prevenir, para

resolver).

Exige-se o desenvolvimento de habilidades de investigação crítica das realidades do meio em que vivemos e de diagnóstico de problemas que se apresentam. Trata-se, inicialmente, de tomar consciência de que os problemas ambientais estão essencialmente associados a questões socioambientais ligadas a jogos de interesse e de poder, e a escolhas de valores.

156

Sistema (para compreender, para

decidir melhor).

Apreende-se pelo exercício do pensamento sistêmico: mediante a análise dos componentes e das relações do meio ambiente como “eco-sócio-sistema” (segundo a expressão de Louis Goffin, 1999), pode-se alcançar uma compreensão de conjunto das realidades ambientais e, desse modo, dispor dos inputs necessários a uma tomada de decisão judiciosa.

Lugar em que se vive (para conhecer,

para aprimorar).

É o ambiente da vida cotidiana, na escola, em casa, no trabalho etc.

Biosfera (onde viver junto e a longo

prazo).

Considera a interdependência das realidades socioambientais em nível mundial, que James Lovelock nos induz a considerar como um macrorganismo (Gaia) em reequilíbrio constante. É o lugar da consciência planetária e até mesmo cósmica: a Terra como uma matriz de vida, esse jardim compartilhado que alimenta o universo simbólico de inúmeros povos indígenas. É o lugar da solidariedade internacional que nos leva a refletir mais profundamente sobre os modos de desenvolvimento das sociedades humanas.

Projeto comunitário56 (em

que se empenhar ativamente).

É um lugar de cooperação e de parceria para realizar as mudanças desejadas no seio de uma coletividade. É importante que se aprenda a viver e a trabalhar em conjunto, em “comunidades de aprendizagem e de prática”. O meio ambiente é um objeto compartilhado, essencialmente complexo: somente uma abordagem colaborativa favorece uma melhor compreensão e uma intervenção mais eficaz. É preciso que se aprenda a discutir, a escutar, a argumentar, a convencer, em suma, a comunicar-se eficazmente por meio de um diálogo entre saberes de diversos tipos — científicos, de experiência, tradicionais etc.

Fonte: Elaborado a partir de Sauvé (2005a, p.317-319).

Para Sauvé (2005b), tendo em vista essa amplitude conceitual e por exigir mudanças profundas, a educação que se pretende ambiental requer o envolvimento de toda a sociedade educativa: escolas, museus, parques, municípios, ONGs, empresas etc. Cada um desses segmentos deve definir seu “nicho” educacional na educação ambiental, em função do contexto particular de sua intervenção, do contexto onde se dão as diferentes práticas sociais, mediante os recursos de que dispõe: trata-se de escolher objetivos e estratégias de modo

56 Esse é o conceito que entendemos mais ampliado e adequado aos pressupostos da Extensão Popular e da Educação Ambiental Popular. Além disso, o conceito de meio ambiente como “lugar em que se vive”, na medida em que “permite explorar e redescobrir o lugar em que se vive, ou seja, o “aqui e agora” das realidades cotidianas, com um olhar renovado ao mesmo tempo apreciativo e crítico, trata-se também de redefinir-se a si mesmo e de definir o próprio grupo social com respeito às relações que se mantêm com o lugar em que se vive” (SAUVÉ, 2005b, p.318), torna-se correlato à compreensão que defendemos nessa pesquisa.

157 oportuno, realista, e concreto, na perspectiva de Paulo Freire (2008), sem esquecer, contudo, do conjunto de outros objetivos e estratégias possíveis.

Não bastando essas diferentes concepções em torno do que pode ser entendido como meio ambiente, nos últimos trinta anos, a temática ambiental tem ganhado notoriedade em vários meios, especialmente científicos, econômicos, políticos e midiáticos, como apresentado anteriormente. Tornou-se comum ver reportagens nos jornais impressos e televisivos sobre “desastres ecológicos” ou sobre iniciativas que estariam tentando evitar esses desastres. Multiplicaram-se os encontros, seminários, fóruns, congressos, cursos relacionados à temática ambiental, mais precisamente aos problemas ambientais. A preocupação com as questões ambientais foi ampliada.

Parece predominar a ideia consensual de que o ser humano tem agredido o meio ambiente de forma violenta e isso vem causando inúmeros problemas. Essa agressão tem significado o declínio da biodiversidade, o desequilíbrio e a destruição de ecossistemas, a contaminação do solo, das águas e do ar, a multiplicação de desastres (como, por exemplo, inundações e incêndios), o crescimento de doenças e o recrudescimento de epidemias, e o risco de decadência total do sistema de produção com a crescente exploração e escassez dos recursos naturais. O planeta correria o risco, segundo Dussel (2007), de sucumbir definitivamente, por causa da ação irresponsável do ser humano. E, juntamente com o planeta, o ser humano também estaria condenado. As condições para a vida da humanidade estariam se tornando críticas. Assim, o planeta estaria na iminência do desaparecimento da espécie humana e de outras vidas.

Existe também o consenso de que os problemas ambientais adquiriram uma dimensão global. Toda a Terra estaria sofrendo, atualmente, com os efeitos das agressões que ocorrem por meio de diferentes práticas humanas, degradantes, exploradoras e depredatórias. Assim, as questões ambientais não respeitam fronteiras geopolíticas, sequer as diferentes culturas e visões de mundo historicamente construídas. Além disso, é consensual – pelo menos ao nível do discurso – que o modelo de desenvolvimento que prevaleceu na maior parte do mundo, pelos menos nos últimos duzentos anos, tem sido um dos principais responsáveis pelos problemas ambientais atualmente enfrentados, como aqui já defendemos. Portanto, o modelo desenvolvimentista, desenvolvimento este de cunho fortemente econômico, mostrou-se e tem se mostrado inadequado, também, do ponto de vista ambiental. Nisso reside a crítica. Existe

158 ainda uma outra concordância, quase geral, de que os problemas ambientais apontam para uma crise que estaria vivendo o mundo moderno. Mas as opiniões sobre o que seja essa questão ambiental, quais as causas a que está relacionada, quais as soluções para ela, são bastante variadas. Paula Brügger (1999, p.27) aponta que

há pois uma luta para se designar o que seja a questão ambiental. Essa batalha abrange os mais variados segmentos da sociedade, desde aqueles que dizem que ‘o Homem está destruindo a natureza’ até aqueles que vão muito além. Mas por trás do debate em torno da questão ambiental sempre há uma relação da sociedade com a natureza e dos homens entre si.

Essa crise tem sido caracterizada por meio de três diferentes vertentes: como uma crise espiritual, uma crise ecológica – uma vez que os recursos ambientais estão entrando em escassez – e uma crise civilizatória, como afirmado anteriormente, e, mais recentemente, poderia incluir-se ainda uma quarta, concebida como crise epistemológica. Existe ainda aquelas/es que entendem a crise como sendo ambiental, espiritual, ecológica, cultural, político-ideológica e epistemológica como parte integrante de uma crise civilizatória. Disso decorre a defesa de que a crise civilizatória é, então, uma crise para além de qualquer um dos âmbitos anteriormente relacionados.

De acordo com Carvalho (2001), o ser humano perdeu sua referência com o transcendente, e disso decorreria a “crise espiritual”. A natureza foi dessacralizada a partir da opressão advinda do capitalismo, e somando-se a um mundo desencantado, tornou-se como um único locus da existência humana. A mulher e o homem perderam a sua ligação com o cosmos, com Gaia, a Grande Mãe-Terra. Seria necessário então um retorno do ser humano à natureza, ao mundo, uma vez que, como já colocado anteriormente, a natureza é o suporte da vida, da existência humana, do mundo. É o lugar e o contexto. Assim como o ser humano, o mundo é também inacabado e, por consequência, toda ação dos seres humanos pode promover sua humanização ou desumanização. É no mundo que se realiza a história, que se estabelecem as relações e onde os seres humanos agem e fazem cultura (FREIRE, 2005, 2008).

Defensores dessa compreensão de que a crise que vive o mundo é espiritual são, por exemplo, o movimento New Age e outros movimentos esotéricos e algumas correntes religiosas que tentam incorporar elementos da tradição mística oriental (xamanismo etc.) na experiência religiosa ocidental.

159 De modo diferente, a racionalidade econômica hegemônica diz que vivemos uma “crise ecológica” (LAYRARGUES, 1998), em que os recursos estão se tornando escassos e que isso seria uma ameaça à economia mundial. Desse modo, seria necessária a adoção de um desenvolvimento que seja sustentável como forma de garantir a continuidade do funcionamento da economia. Para se chegar a esse desenvolvimento sustentável, o mercado econômico e a tecnologia teriam papel fundamental. Caberia então repensar os valores atribuídos aos recursos disponíveis, internalizando nos custos da produção a variável ambiental. Além disso, deveria se estimular a dilatação de um “mercado verde”, ou seja, pensar estratégias de marketing e de regulação que garantissem a criação de uma demanda cada vez maior de produtos “ambientalmente corretos”57. De outro lado, o desenvolvimento de “tecnologias limpas” e a busca de alternativas energéticas e de novos materiais para substituírem aqueles que estão exaurindo, seria o papel a ser cumprido pela tecnociência moderna. Mas, vale destacar que grande parte dessas medidas tem caráter paliativo, mitigador e superficial, o que as impede de serem efetivas.

Há, ainda, outros que asseguram que a questão ambiental seria o alusivo de algo mais denso e abrangente. Layrargues (1999, p.140) coloca que: “a crise que ora a sociedade industrializada de consumo vivencia não é ecológica, e sim civilizacional”. Segundo essa concepção, a crise que o mundo atravessa não é simplesmente de escassez de recursos ou, então, de falência ou declínio dos ecossistemas. É uma crise paradigmática que coloca em xeque os fundamentos da civilização tecno-científica ocidental. Essa crise, chamada de ambiental por muitos, não seria, como esclarece Brügger (1999, p.14), “nada mais do que uma ‘leitura’ da crise de nossa sociedade”. Desse modo, o que se convencionou chamar de crise ambiental, seria, mais amplamente, uma crise cultural, epistemológica, científica, social, espiritual, econômica, política e, também, ambiental, ou seja, uma crise civilizatória. O enfrentamento dessa crise civilizatória, especialmente a ocidental moderna, somente seria possível por meio da sintonia e da articulação de todas as dimensões que a compõem, dada a historicidade dos países ocidentais. O tecnicismo pura e simplesmente não

57 São exemplos de mecanismos de regulação que o mercado tem imposto no intuito de fomentar a preservação ambiental, por exemplo, a criação da série de normas ISO 14000 e do selo-verde para empresas e produtos poderem circular no mercado internacional, e a inserção de cláusulas que determinam ações de proteção ambiental, nos contratos de financiamento das grandes agências multilaterais internacionais, como o Banco Mundial (BIRD) e o Banco Interamericano (BID).

160 é suficiente e, somando a essa insuficiência, existe o que se tem chamado de desenvolvimento sustentável, tão duramente criticado nessa tese. Não é possível voltar a uma civilização que anteceda à modernidade, revogando a tecnologia e a ciência, abdicando das cidades, recusando os numerosos avanços da humanidade nesses últimos séculos.

Desse modo, entendemos a necessidade de construir uma alternativa de modelo civilizatório em que ser humano e meio ambiente estejam intimamente interligados, em que a ciência reconheça o saber comum como conhecimento válido, ou seja, reconheça as subjetividades, negadas pelo objetivismo moderno, reestabelecendo, assim, a multiversidade que compõe a realidade, criando outros valores que se mostram benfazejos, fortalecidos, criando outros comportamentos e conceitos a partir da restituição do direito à vida com qualidade à maioria da humanidade, direito este extorquido por uns poucos que hoje controlam e usufruem individualmente da riqueza e dos benefícios trazidos pela modernidade, assim como coloca Dussel (2007).

Nesse sentido, Mauro Grün (1996, p.22) afirma que, “talvez mais do que criar ‘novos valores’, a educação ambiental deveria se preocupar em resgatar alguns valores já existentes, mas que foram recalcados ou reprimidos pela tradição dominante do racionalismo cartesiano”.

Para Boaventura de Sousa Santos e Maria Paula Meneses (2010, p.19) não se trata, apenas, de uma crise econômica, de colonialismo econômico, mas também epistemológica, uma vez que existe uma “relação extremamente desigual [entre países do Norte e do Sul] de saber-poder que conduziu à supressão de muitas formas de saber próprias dos povos e/ou nações colonizadas”. Segundo esse autor e essa autora, é urgente valorizar os saberes que resistiram a essa colonização e colocá-los em um diálogo horizontal de modo a ouvir e buscar, por meio dessa escuta, novas formas de bem viver58. É justamente esse diálogo que Santos (2010) denomina ecologia de saberes59.

Nesse sentido, segundo o autor supracitado, é preciso buscar pelo reconhecimento de que a Terra é Mãe, como foi reconhecida oficialmente pela ONU a 22 de abril de 2009, com recursos escassos; visar o resgate do princípio de que todos os seres são interdependentes, o

58 Como já discutimos anteriormente, no capítulo II.

59 Embebidas em diferentes culturas ocidentais e não-ocidentais, trata-se do diálogo das experiências, que não só usam linguagens diferentes, mas também diferentes categorias, universos simbólicos e aspirações a uma vida melhor (SANTOS, 2010).

161 que os coloca sob uma trajetória histórica compartilhada e comum; entender que a sustentabilidade global só será garantida pelo respeito aos ciclos naturais, ou seja, dando tempo à natureza para regenerar os renováveis sem nunca perder de vista a solidariedade; valorizar e preservar a biodiversidade, pois é ela que garante a vida como um todo, pois propicia a cooperação de todas/os com todas/os, de todas/os, em vista da sobrevivência comum; valorizar as diferenças culturais, pois todas elas mostram a versatilidade da essência humana e enriquecem a todas/os; exigir que a ciência se faça com consciência e seja submetida a critérios éticos para que suas conquistas beneficiem mais a vida e à humanidade que o lucro e os mercados; superar o pensamento unidimensional hegemônico da tecnociência como se fosse o exclusivo acesso válido à realidade, e valorizar os saberes cotidianos, populares, das culturas originárias e do mundo agrário, porque ajudam na busca de soluções globais; e dar centralidade à equidade e ao bem comum, pois as conquistas humanas devem beneficiar a todas/os e não, como atualmente, apenas a uma pequena porção da humanidade.