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4.2 O processo de análise qualitativa temática

4.2.1 A análise qualitativa temática de entrevistas

Para Gil (2008), “entrevista é a técnica em que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que lhe interessam à investigação” (GIL, 2008, p.109). May (2004) afirma ainda que “as entrevistas geram compreensões ricas das biografias, experiências, opiniões, valores, aspirações, atitudes e sentimentos das pessoas”.

Uma forma sistemática de investigar textos de entrevistas é denominada análise de conteúdo (WEBER, 1990; CÂMARA, 2013). Segundo Cervi (2019), a análise de conteúdo é uma das mais antigas técnicas aplicadas a objetos empíricos no campo das pesquisas sobre os fenômenos sociais. Para o autor, a chamada fase científica da análise de conteúdo surgiu logo no início do século XX, com o propósito de propiciar aos pesquisadores um maior rigor científico para interpretar textos de jornais.

Embora seja uma técnica centenária de pesquisa, a Análise de Conteúdo tem acompanhado as transformações tecnológicas e, no estágio atual, um ramo que mais se desenvolve é o da Análise de Conteúdo Automatizada, aquela que está diretamente ligada às capacidades de captura, organização, interpretação e análise apoiadas por dispositivos tecnológicos e por pacotes estatísticos. (CERVI, 2019, p.106)

Para Bardin (2011), análise de conteúdo trata-se de um conjunto de instrumentos metodológicos que se aplicam às comunicações em um esforço de interpretação, “por meio de uma hermenêutica controlada, baseada na dedução: a inferência” (BARDIN, 2011, p.15).

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens. (BARDIN, 2011, p.48)

A análise de conteúdo pode ter duas abordagens metodológicas não excludentes: a quantitativa e a qualitativa (WHITE; MARSH, 2006; SERAMIN; WALTER, 2017). Na abordagem quantitativa o elemento principal é a frequência com que as unidades de registro (palavra, tema, objeto, personagem, acontecimento ou documento) e de contexto ocorrem no conteúdo analisado (RIFFE; LACY; FICO, 2014; NEUENDORFP, 2017). Por outro lado, na abordagem qualitativa a análise acontece pela presença ou ausência de um conjunto de características de conteúdo num determinado fragmento de mensagem que é tomado em consideração (BARDIN, 2011).

Segundo Kuckartz (2014), foi Kracauer (1952) o primeiro a sugerir uma análise de conteúdo qualitativa que superasse as fraquezas da análise de conteúdo clássica, de abordagem puramente quantitativa, e integrasse etapas de interpretação no processo de análise. Ainda segundo Kuckartz (2014), na análise de conteúdo quantitativa os resultados incluem apenas parâmetros estatísticos, coeficientes e modelos, que são interpretados e apresentados. Após o processo de codificação, os dados verbais na análise quantitativa de conteúdo não são mais de interesse, mesmo como citações, porque a plausibilidade dos resultados da análise estatística não deve ser demonstrada usando passagens de texto selecionadas.

While the atomizing manner of quantitative analysis aims to convert the verbal data into precise categories (represented by numbers) and then to statistically evaluate the resulting data matrix, qualitative text analysis is interested in the text itself, notably based on the text in its entirety. (KUCKARTZ, 2014, p.65-66)

Na visão de Bardin (2011), a discussão em volta da abordagem quantitativa versus abordagem qualitativa marcou mudanças significativas na concepção da análise de conteúdo. Para a autora, o rigor da quantificação que marcou seu início deu lugar à compreensão de que a característica fundamental da análise de conteúdo “é a inferência (variáveis inferidas a partir de variáveis de inferência ao nível da mensagem), quer as modalidades de inferência se baseiem ou não em indicadores quantitativos” (BARDIN, 2011, p.146).

Para Bauer (2015), na análise de conteúdo quantitativa (que o autor chama de clássica), os resultados incluem apenas parâmetros numéricos, adequados a

uma análise estatística de coeficientes, deixando de fora, na preparação e apresentação dos resultados, as declarações dos entrevistados.

Embora a maior parte das análises clássicas de conteúdo culminem em descrições numéricas de algumas características do corpus do texto, considerável atenção está sendo dada aos "tipos", "qualidades", e "distinções" no texto, antes que qualquer quantificação seja feita. Deste modo, a análise de texto faz uma ponte entre um formalismo estatístico e a análise qualitativa dos materiais. (Bauer, 2015, p.190)

Um aspecto que deve ser considerado na elaboração da pesquisa que utiliza análise de conteúdo é, segundo Neuendorfp (2017), que as análises quantitativas dependem, de forma significativa, da solidez dos instrumentos de medição, enquanto as análises qualitativas dependem, em grande medida, da experiência que o pesquisador tem sobre o objeto de estudo.

In quantitative content analysis, the empirical process is independent of the particular scholar; in qualitative or critical message analyses, it is not. (NEUENDORFP, 2017, p.9)

Outra das dificuldades da análise de conteúdo de entrevistas deve-se a um paradoxo proposto em Bardin (2011): como inferir algo a propósito de uma realidade representativa de uma população de indivíduos, ou de um grupo social, a partir de entrevistas feitas com pessoas, em sua unicidade. Nas palavras de Bardin (2011, p.95), “como preservar a equação particular do indivíduo, enquanto se faz a síntese da totalidade dos dados verbais proveniente da amostra das pessoas interrogadas?”, questiona.

Segundo a autora, o pesquisador que lida com a análise de conteúdo de textos de entrevistas fica então sujeito a um dilema: ao proceder a uma análise de conteúdo clássica, juntando todas as entrevistas por meio de um quadro categorial, focado na repetição de frequência dos temas, deixará de lado uma parte específica, porém muito significativa das informações de cada entrevista individual. A autora propõe que, nesse caso, a análise de conteúdo seja realizada em dois níveis. O primeiro nível consiste num processo de decifração estrutural centrado em cada uma das entrevistas individualmente (pessoa por pessoa), observando as peculiaridades ou a lógica de cada entrevista específica. O segundo nível consiste

na análise transversal sintética ou temática, que permite a decifração estrutural sintética e temática do conjunto das entrevistas.

Quando se faz análise de entrevistas, raramente é possível estabelecer um quadro categorial único e homogêneo, devido à complexidade e à multidimensionalidade do material verbal. […] Há duas possibilidades: ou assumir um ponto de vista geral e homogêneo, ou analisar alguns aspectos específicos, e as duas completam-se. (BARDIN, 2011, p.120)

Como solução a essas dificuldades metodológicas, Kuckartz (2014) sugere uma outra abordagem para o processo de análise de conteúdo de entrevistas: o método temático de análise qualitativa de texto.

In principle, this process allows for the thematic analysis of guideline oriented, problem-centred, and focused interviews as well as many types of data, such as focus groups or other forms of interviews, including episodic or narrative interviews. (KUCKARTZ, 2014, p.70)

O autor usa o termo “análise qualitativa temática de texto” ao se referir à “análise de conteúdo” porque, segundo ele, o termo “análise qualitativa de conteúdo”, embora amplamente utilizado, é visto com muita resistência pelos pesquisadores, que consideram o método de análise de conteúdo associado ao paradigma quantitativo.

A análise qualitativa temática de texto é a abordagem metodológica escolhida neste trabalho para tratar as entrevistas realizadas com os gestores dos NITs e Polos de Inovação dos Institutos Federais selecionados para o estudo de casos múltiplos. Como parte dessa escolha metodológica, a seguir apresenta-se a trajetória que levou à estruturação do roteiro das entrevistas.