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2.2 Diferentes perspectivas da relação universidade-empresa para a inovação

2.2.6 Uma análise das perspectivas da relação universidade-empresa para a inovação

Lundvall (2007) afirma que o cerne dos sistemas nacionais de inovação está na interação tanto das empresas entre si quanto das empresas com a infraestrutura de conhecimento existente em universidades e institutos de pesquisa tecnológica. Segundo ele, experiências bem-sucedidas na interação universidade- empresa em setores específicos (como o farmacêutico e da biotecnologia) e em um locus também específico (basicamente nos Estados Unidos) têm sido generalizadas como modelos para as relações entre a universidade e as empresas em geral. Essa generalização, no entanto, tem inspirado reformas nas universidades para torná-las “fontes imediatas de inovação”, dificultando o cumprimento de sua função primordial, que, segundo ele, é a educação. Para o autor, quando modelos como o da Hélice Tripla ou “Mode 2” se apresentam como soluções completas para a abordagem de sistema de inovação, contribuem para uma distorção do que considera ser verdadeiramente o sistema de inovação.

Também com uma visão crítica quanto à efetividade das relações indiscriminadas entre universidade-empresa para a inovação, Dosi, Llerena e Labini (2006) ponderam que parece haver um tipo de “frenesi das redes” que leva os dirigentes das universidades a tomarem decisões com propósitos apenas comerciais, cobrando dos pesquisadores acadêmicos competências em gestão de redes de relacionamento com empresas, captação de projetos e recursos privados, mercados e patentes, corrompendo o “ethos de pesquisa” da academia. Conforme os autores, esse estado de coisas é prejudicial para a pesquisa científica, um desperdício para a sociedade e também ruim para os negócios. Por outro lado, reconhecem que um direcionamento das pesquisas universitárias para atender às necessidades das empresas pode ser benéfico se for respeitada a condição de que a pesquisa seja empreendida no sentido de apontar para a compreensão dos

problemas, em vez de apenas se prestar para soluções de curto prazo. Essa visão também é compartilhada por Rosember e Nelson (1994):

Binding university research closer to industry, while respecting the condition that research be ‘basic’ in the sense of aiming for understanding rather than short-run practical payoff, can be to the enduring benefit of both. (ROSENBERG; NELSON, 1994, p. 347)

Segundo Renato Dagnino (2003), a função da universidade no processo de inovação não está relacionada à sua própria capacidade de desenvolver pesquisa internamente e então transferir para as empresas, e sim em preparar profissionais que possam conduzir as atividades dos centros de pesquisa e desenvolvimento das empresas.

Passou a ser aceita a ideia de que a pesquisa universitária deve interessar as empresas não porque seus resultados sejam diretamente aplicáveis, mas sim porque ela treina os pesquisadores capazes de conceber tecnologias, em seus centros de P&D, que as tornem competitivas. (DAGNINO, 2003, p. 301)

Oliveira e Velho (2009) fazem uma análise do impacto do processo de proteção e comercialização dos resultados da pesquisa acadêmica alertando para os benefícios e riscos de sua comercialização. Uma crítica sistematizada à estratégia de estabelecimento das relações universidade-empresa também pode ser observada em Dagnino (2007), quando descreve a trajetória da política de ciência e tecnologia - PCT no Brasil. O autor defende que, ao longo dos últimos anos, foram implementadas ações para aperfeiçoar os indicadores de inovação nacional sem que fosse percebido o erro de atribuir à academia uma responsabilidade que não se coaduna com sua finalidade, tal como o depósito de patentes. Segundo o autor:

O comportamento fetichizado associado às ações levadas a cabo em universidades brasileiras com vistas a aumentar o número de patentes de seus pesquisadores e, assim, aproximá-lo do número de artigos científicos publicados no País. (DAGNINO, 2007, p. 3)

Esse posicionamento crítico em relação à posse da propriedade intelectual pela academia parece estar baseado, em grande parte, na doutrina segundo a qual

a ciência acadêmica deve seguir um conjunto de normas sociais implícitas, chamadas por Robert King Merton (1973) de “ethos científico” ou CUDOS – um acrônimo dos termos que representam os princípios que a ciência precisaria observar para ser reconhecida pela sociedade (DAVIS; LARSEN; LOTZ, 2011).

Mencionados pela primeira vez em um artigo intitulado “A Note on Science and Democracy”, em 1942, os princípios chamados de mertonianos são:

a) Communism (Comunialismo): a produção do conhecimento científico deve obedecer a critérios da impessoalidade e da universalidade (nos anos 1950, Merton passou a usar Communalism por causa do macartismo);

b) Universalism (Universalismo): os avanços científicos são um produto da colaboração social e devem ser partilhados, constituindo um bem de toda a humanidade;

c) Disinterestedness (Desinteresse): a ação do cientista não deve ser movida por interesse próprio;

d) Organized Skepticism (Ceticismo): todas as ideias devem ser testadas e submetidas a rigoroso exame da comunidade científica correspondente (MERTON, 1973).

Para Etzkowitz e Leydesdorff (2000), a doutrina mertoniana do CUDOS foi construída no contexto histórico de meados do século passado:

Decades hence, Merton posited the normative structure of science in 1942 and strengthened the ideology of “pure science”. His emphasis on universalism and skepticism was a response to a particular historical situation, the need to defend science from corruption by the Nazi doctrine of a racial basis for science and from Lysenko’s attack on genetics in the Soviet Union. Merton’s formulation of a set of norms to protect the free space of science was accepted as the basis for an empirical sociology of science for many years. (ETZKOWITZ; LEYDESDORFF, 2000, p. 116)

Além do aspecto histórico do “ethos científico”, há também críticas à tendência dos criadores de políticas públicas em tentar a replicação de modelos

que foram bem-sucedidos em locais e momentos históricos específicos, levando a universidade a tentar exercer um papel além da educação.

Para Reddy (2011), embora historicamente possam ser verificados muitos exemplos de sucesso na relação entre a universidade e os usuários finais no setor agrícola, a cooperação universidade-empresa no setor industrial não tem os mesmos resultados. O autor faz, de fato, uma severa crítica aos estudos que procuram mostrar a importância da relação entre a universidade e as empresas para a inovação:

It is also clear that stronger university-industry cooperation is not a panacea for all the weaknesses of the industry. There are still no conclusive studies, other than anecdotal illustrations, that the university-industry cooperation or the measures to encourage such cooperation such as the establishment of science parks have led to significant economic benefits either regionally or nationally. (REDDY, 2011, p. 46)

Rodrigo Arocena e Judith Sutz (2017) concordam com essa opinião de Reddy (2011) e acrescentam que uma visão em perspectiva do papel da “universidade empreendedora” é altamente dependente da noção de desenvolvimento e do contexto socioeconômico em que se estabelece.

The point is just to suggest that commercialization of knowledge by universities is not an easy and quick way to strengthen industry worldwide. […] Fostering the entrepreneurial role of university, focused on the commercialization of knowledge, is frequently presented as a potentially fundamental contribution to catching up that should orient university reform. Our conjecture is that such trend is deepening inequality both in the South and in the North, though with more serious consequences in the South, while the possibilities that in such way universities act “as engines of economic development” are weak in underdevelopment. (AROCENA; SUTZ, 2017, p. 56)

Para os autores, o caminho não é seguir a ênfase que a abordagem da “universidade empreendedora” atribui à relação universidade-empresa, e sim o que chamam de “universidade do desenvolvimento” (developmental university), caracterizada pela prática conjunta de três missões: o ensino, a pesquisa e a cooperação com outras instituições e atores coletivos do Sistema Nacional de Inovação para que haja de fato um desenvolvimento inclusivo.

The Developmental University can be briefly defined by commitment to development as its third role. A more precise characterization can be proposed remembering that the Humboldtian project is not exactly defined by the adoption of research as a second role of universities, but by the joint practice of the fundamental missions of teaching and research. (AROCENA; SUTZ, 2017, p. 93)

Por outro lado, Etzkowitz, Mello e Almeida (2005) defendem não só a legitimidade, mas também a urgência de um “entrepreneurial ethos” na academia.

Segundo Etzkowitz e Leydesdorff (2000), não é surpresa que, como efeito dessas transformações, o papel da universidade na transferência de tecnologia e conhecimento seja objeto de tantos debates. Para os autores, o argumento de que os mecanismos da relação universidade-empresa para a transferência de tecnologia e a inovação desvirtuam a função principal da academia leva em consideração apenas a lógica do modelo linear de inovação (baseado principalmente em publicações científicas e patentes), e não as transformações institucionais capazes de promover relações mais estreitas entre academia e empresas, em um modelo no qual a pesquisa está ligada à utilização, por meio de uma série de processos intermediários, frequentemente estimulados pelo governo, em uma lógica de redes.

Um aspecto da importância das universidades para a inovação pode ser avaliado pela constatação de Hewitt-Dundas (2011), ao apontar que aproximadamente 10% dos novos produtos e inovações de processo não teriam ocorrido (ou ocorreriam com um atraso significativo) se pesquisas universitárias não tivessem sido acessadas pelas empresas.

Segundo Paranhos (2010), o relacionamento entre a academia e as empresas é relevante para ampliação da competitividade das empresas e de sua capacidade de geração de inovações, mas, para esse relacionamento ser profícuo “é necessário que os atores do sistema de inovação estejam preparados e possuam características que os permitam, não somente realizar a parceria, como tirar benefícios desta” (p. 288). Nesse sentido é importante lembrar Teece (1986), que alerta sobre o fado de a inovação, em si, não ser a garantia de sucesso empresarial, pois a vantagem estratégica apenas será alcançada se a empresa dispor em boa medida de regime de capacidade de apropriação: poder mobilizar um conjunto de

competências internas e externas que tornem difícil, para as outras empresas, entrar no novo mercado que a inovação está criando.

2.3 OS ESCRITÓRIOS DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA NA