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4.3 COMISSÃO DE ANISTIA: “O RECONHECIMENTO QUE FALTAVA”

4.3.2 A anistia política de Maria Pavan Lamarca

Em janeiro de 1969 após uma longa viagem, cheguei a Havana, Cuba, com meus dois filhos menores, César e Cláudia. Percebi que minha vida iniciava uma transformação irreversível que nos marcou para sempre.

Maria Pavan Lamarca250

Em seu requerimento,251 Maria Pavan narra a trajetória de sua família desde a saída do

Brasil em 24 de janeiro de 1969, os 10 anos de exílio em Cuba, seu sofrimento ao receber a

246 Art. 50. São direitos dos militares; (....) 11 - a percepção de remuneração correspondente ao grau hierárquico

superior ou melhoria da mesma quando, ao ser transferido para a inatividade, contar mais de 30 (trinta) anos de serviço.

247

(P. 129-130, Parte IV).

248 Anexo 12 do Requerimento de Anistia: Carta ao Ministro do Exército, 13/11/92, requerendo a concessão do

benefício de Anistia e indeferido, sob o fundamento de “falta de amparo legal”. (p. 503, Parte IV)

249 Nos termos da Lei de 2002, a fixação dos efeitos financeiros deve retroagir em 5 anos da data do primeiro

requerimento de anistia apresentado ao Estado brasileiro, tendo como limite a data de promulgação da Constituição (5.10.1988).

notícia da morte de seu “companheiro de toda uma vida”,252

o sofrimento dos filhos,253 os

esforços para sobreviver em Havana, o retorno ao Brasil254 e as dificuldades enfrentadas no

processo de adaptação.

Afirmou sua condição de perseguida política, sob o fundamento central de que pelos atos políticos de seu marido, teve que “cumprir exílio obrigatório, porque também poderia ser presa e torturada, como foram familiares de outros militantes (por exemplo os familiares de Virgílio Gomes da Silva e Antônio Raimundo de Lucena)”.

Pelo fato de ser militar, um Capitão do Exército, ele sabia que os órgãos da repressão fariam uma perseguição feroz e que utilizariam todos os meios para capturá-lo, o que significada que sua família estaria exposta a todo tipo de represália. A ida para o exílio foi a única maneira que meu esposo encontrou para que pudéssemos ter nossas vidas preservadas.255

Após a morte do marido, tentou retornar ao Brasil reiteradas vezes, o que foi negado pelas autoridades locais “por motivos de segurança”. Somente retornou ao Brasil quando as condições políticas permitiram.

251 O requerimento de anistia tombado sob o número 2006.01.55579, formulado por Maria Pavan, em seu próprio

nome e com fundamentos diversos do requerimento post mortem feito em nome de Carlos Lamarca: “enquanto no Requerimento 2006.01.55579, a Sra. Maria Pavan Lamarca pleiteou em nome próprio, argumentando perseguição política sofrida diversa da de seu marido, no Requerimento de Anistia 2006.01.55578 pleiteia na condição de viúva e dependente de Carlos Lamarca, direito assegurado pelo art. 13 da Lei 10.559, de 2002”.

252 “O convívio com meu marido Carlos Lamarca terminou em uma despedida no aeroporto, quando partimos rumo à

Itália primeiramente; nunca mais o vi vivo. Em 17 de setembro de 1971 ele falecia, após ser executado sumariamente pelos órgãos de repressão. Eu não podia acreditar, era para mim irreal, foi um golpe irreparável em minha vida e dos meus filhos. Conheci Carlos Lamarca ainda muito nova, meu amor foi a primeira vista, com sua morte tinha perdido meu único companheiro”. “Não me recuperava da perda do meu marido e se seguiu uma fase de doenças, sentia saudades dos parentes, da terra, de tudo relacionado ao Brasil. A solidão e o isolamento cobraram um alto preço, a ponto de ser internada por depressão profunda, e isso teve impacto em meus filhos, me recuperei após longos meses, mas durante esse período de ausência eles permaneceram com estranhos a suas vidas, até o meu retorno”. “Por vezes tive conhecimento de que brasileiros no exterior tinham se suicidado e isso me preocupava seriamente, manter a saúde mental era um desafio”. (p. 8, 9 e 11, Maria Pavan Lamarca - 2006.01.55579_1_.pdf; p. 4, 5 e 6 do processo físico)

253 “Após a morte de meu marido, meu filho César permaneceu calado e isolado por um período, um dia chorou e

afirmo, nunca mais foi aquele menino doce e sorridente. Minha filha Cláudia sempre foi mais tímida, mas um pouco de sua alegria tinha sido roubada, era ela mais apegada ao pai, tinham brincadeiras entre eles que até hoje são lembradas por ela. O olhar dele está todo nos olhos dela”. (p. 9, Maria Pavan Lamarca - 2006.01.55579_1_.pdf; p. 5 do processo físico)

254 “Quem nos recebeu, fez questão de que os órgãos de imprensa divulgassem a nossa chegada ao Brasil, e foi

curiosamente acertada tal decisão. A chegada foi muito tumultuada, tive que depor na Polícia Federal em São Paulo, inclusive minha filha ainda menor de idade. Materialmente tudo me faltava, inclusive uma residência”. p. 13, Maria Pavan Lamarca - 2006.01.55579_1_.pdf; p. 7 do processo físico)

Alguns dos documentos que instruem o Requerimento foram obtidos através de consulta

ao acervo do Arquivo Nacional, realizada no ano de 2006256 e a documentação revela detalhados

registros de monitoramento seu e de seus filhos, desde a emissão de passaporte em dezembro de 1968 até o seu retorno ao Brasil em 1979.

A decisão da Comissão pelo deferimento foi unânime, nos termos do voto do

Conselheiro Relator, Vanderlei de Oliveira.257

17. Assim, é cristalina e indiscutível a atuação dos órgãos de repressão da época aos militantes políticos, no caso ao anistiando falecido, conhecido popularmente como “Capitão Lamarca".

18. Todos os esclarecimentos e fundamentos trazidos à baila são importantes para configurar a inquestionável afirmação da requerente quanto a sua consequente perseguição política sofrida, sendo compelida ao exílio, por se tratar além de esposa de um militante político, mas por, especialmente, ter no esteio social o sobrenome “Lamarca”, que lhe atribuiu popularmente de forma notória todo histórico político exercido pelo esposo falecido e a compeliu ao exílio, para manter-se em segurança. 19. É evidente também que nasceu no seio das autoridades militares repressoras da época o intuito de capturar o líder subversivo, assim intitulado na apresentação histórica do país, empregando a prática conhecida nos meios repressores, qual seja, valer-se de familiares, pessoas próximas ou daquelas possuidoras de ligações íntimas com o militante político para intimidação e sua respectiva localização, ocasionando, de maneira inquestionável, o exílio da requerente.

Reconhece que o exílio em Cuba se deu em razão de motivação política, que impedia a permanência de sua família no Brasil

21. É uma presunção fática que a requerente ficou impossibilitada de retornar ao Brasil por ser esposa do Capitão Lamarca, correndo risco de vida pelo sentimento de absoluta discórdia e perseguição que se instaurou com O governo militar pela atuação incisiva do anistiando na Vanguarda Popular Revolucionária.

22. Assiste razão a requerente quando assevera que foi aconselhado a não retornar ao Brasil, com os filhos, eis que seriam mortos pelos órgãos de repressão, fatos que se confirmam, precisamente pela lógica de presunção que se estabelece essencialmente pela atuação política de Carlos Lamarca, comprovada pelos vastos registros públicos, jornalísticos e históricos existentes.

23. Assim, ante a militância exercida por Carlos Lamarca, não é de maior esforço entender a consequente perseguição política da requerente e de seus familiares, além de correrem risco de vida se continuassem em solo brasileiro. órgãos de repressão da época em razão de atividades desenvolvidas pelo marido, conforme registros em seu nome no Arquivo Nacional, às fls. 58.

24. Fica evidenciado também, que a fuga de seus familiares com destino ao exterior em 24.01.1969 foi programada com o objetivo de garantir a segurança daqueles, pois ocorreu no dia anterior à fuga do quartel, ação que representou sua efetiva inclusão na clandestinidade, fato com vasta comprovação extraída de registres jornalísticos e públicos.

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Certidão de dados existentes nos fundos CNI/CGI/CSN, emitida pelo Arquivo Nacional - Coordenação Regional do DF.

Dessa forma, registra que: “muito embora a requerente Maria Pavan Lamarca não tenha exercido militância política, passou a ser alvo dos órgãos de repressão da época em razão de atividades desenvolvidas pelo marido”, estando enquadrada na previsão do art. Art. 2º, I, da Lei

10.559/2002.258