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Em 7 de maio de 2015, foi proferida sentença388 única para a ação popular e a ação civil

pública, julgadas procedentes para declarar a nulidade das portarias e, também, o ressarcimento ao erário dos valores desembolsados pela União. A obrigação de devolução dos valores pagos foi atribuída, inicialmente, aos beneficiários da anistia e, subsidiariamente, ao Ministro da Justiça.

Delimita a controvérsia à análise da juridicidade das quatro portarias do Ministro da Justiça e afirma, de plano, que o art. 8o. Do ADCT, “fundamento de validade da Lei 10.559/02”, não é aplicável a Carlos Lamarca.

A sentença invoca as razões de decidir usadas no “brilhante voto condutor” proferido pelo Desembargador Federal Luiz Paulo da Silva Araújo Filho, no julgamento do Agravo de

Instrumento interposto em face da liminar.389 Além disso, alude aos fundamentos adotados pela

juíza Cláudia Bastos Neiva que concedeu a liminar nos autos da ação civil pública. E transcreve

longos trechos de ambas.390

Às razões das decisões anteriores, acrescenta reflexões conceituais a respeito do instituto da anistia, para afirmar que se trata de “opção política destinada a remediar os efeitos de certos e determinados atos concretos, causadores de dano aos respectivos destinatários, respeitada sempre, a limitação de incidência às hipóteses expressamente previstas”.

386 (ARE 799.908 RG, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 1o.-5-2014, P DJE de 4-6-2014, com repercussão geral).

387 Segundo a União, “conquanto a peticionária sustente que o recurso extraordinário e o núcleo do referido aresto

objeto de repercussão geral não é o direito à promoção, mas sim a promoção a quadro diverso daquele em que o anistiado estava quando do afetado pelo ato de exceção”. (p. 1301, Processo n. 0026424-20.2005.403.6100)

Manifestação firmada pelo advogado da União Emilio Carlos Brasil Diaz.

388 Sentença de 66 páginas, de lavra do Juiz Federal Substituto no exercício da titularidade Guilherme Corrêa de

Araújo, publicada em 07/05/2015 (p. 813-829-verso, Processo 2007.51.01.018466-5).

389

Agravo de Instrumento n. 2007.02.01.014356-9.

390 Os trechos das decisões transcritos no corpo da sentença são os mesmos já transcritos acima nos tópicos próprios

A decisão está construída sobre o argumento de que “a anistia dos arts. 8º e 9º do ADCT tem índole político-institucional e, por essa mesma natureza, sua competência de concessão

legislativa é exclusiva do poder constituinte originário”391

. Por ser medida excepcional, não pode o legislador infraconstitucional ampliar os benefícios para além daqueles expressamente previstos no texto constitucional.

Dessa forma, refuta o argumento da família de que “o STF teria reconhecido a possibilidade da Lei 10.559/02 ser mais benéfica aos anistiados, a ponto de extrapolar e incidir sobre hipóteses diversas das que o constituinte originário admitiu”.

Segundo a decisão, a interpretação dada pelo STF ao art. 8º do ADCT/88 reconhece que a anistia “só se aplica aos militares punidos por atos de exceção, institucionais ou complementares, e não aos expulsos, disciplinarmente, com base em legislação comum, ainda que por motivação política” e esse entendimento estaria consolidado na Súmula 674. O art. 2º., XI, da Lei 10.559/02 não se aplicaria aos militares, mas somente aos trabalhadores do setor privado e dirigentes sindicais:

(…)não há de se aplicar a anistia aos militares que, de uma forma ou de outra, tenham sido prejudicados por suas opções políticas, tal como invocado no voto do I. Relator da Comissão de Anistia quando se socorre da hipótese do art. 2o., XI, da Lei 10.559/02, cuja incidência, em prol da prevalência da hierarquia constitucional, se restringe aos “trabalhadores do setor privado, dirigentes e representantes sindicais”, conforme autorizado pelo §2º, do art. 8º, do ADCT/88.

A sentença faz, portanto, uma interpretação restritiva do art. 8º do ADCT, segundo a qual a motivação política não seria o critério determinante, mas sim a forma como tenha se dado o afastamento do militar de suas funções, se por aplicação da legislação disciplinar ou por ato institucional, de exceção ou disciplinar. Nesse sentido, cita manifestação do Ministro Sepúlveda Pertence por ocasião do julgamento do RE 123.511 pelo STF, em que reconhece a “iniquidade” na diferenciação entre militares expulsos por motivação política, mas baseado na legislação disciplinar, daqueles expulsos por atos institucionais, mas registra que essa “iniquidade” foi “decisão consciente e inequívoca do Constituinte”.

Segundo a decisão, a possibilidade de um regime mais benéfico previsto na Lei 10.559/02, como a isenção de imposto de renda sobre as reparações “não significa que ao legislador ordinário tenha sido autorizado alargar as hipóteses de cabimento da anistia, o que

391 Trecho da ementa do acórdão proferido na ADI n. 2.638/PR, citada nas duas decisões anteriores, da liminar e do

representa verdadeira quebra da hierarquia normativa da Constituição”. Nessa linha, apresenta precedentes do TRF2 que afirmam que alguns atos, mesmo com motivação política, não estariam abarcados pela anistia. E mais: essa intepretação retoma a premissa de que a concessão da anistia seria ato do constituinte originário, cuja vontade não poderia ser substituída pelo legislador infraconstitucional, nem pelo intérprete, ainda que orientada pela garantia de mais direitos.

Em resumo, é até possível cogitar que a lei dê concretude aos benefícios decorrentes da anistia, mas dessa conjectura não se extrai ser possível ao legislador ordinário alargar as hipóteses de cabimento dessa importante – mas restrita aos respectivos termos - medida de pacificação social.

Assim, não sendo possível ao Judiciário alterar a vontade do constituinte para outorga de direitos desprovidos de fundamento legal, como se vê do último julgado acima transcrito, da mesma forma descabe ao Executivo fazê-lo, razão pela qual há evidente nulidade, por falta de amparo legal, na portaria questionada.

De se notar, por fim, que a coisa julgada formada no procedimento 87.0010726-3, que tramitou perante o MM. Juízo da 7ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo, não tem o condão de excepcionar o falecido ex-militar da regra restritiva de outorga de direitos aos anistiados prevista nos mencionados diplomas restauradores.

Da leitura da bem lançada sentença e do v. acórdão que a confirmou (fls. 627/655 – procedimento 2007.5101022940-5), vê-se que a parte dispositiva do julgado (única que, a teor do art. 469 do CPC, reveste-se da qualidade de imutabilidade) limita-se a assegurar a integração do período de afastamento do de cujus, ficando este compreendido entre a sua exclusão das Forças Armadas e a edição da referida Lei, para fins de majoração da pensão que, antes mesmo daquela demanda, já fora deferida à ex- esposa, conforme título de pensão militar acostado à fl. 181 do mencionado procedimento, datado de 27/02/1980.

Após fixar que a legislação de anistia não se aplica ao caso Lamarca, afirma que tampouco estão presentes os requisitos previstos na legislação militar para concessão de promoção e correlata pensão post mortem.

Quanto às portarias de Maria, Cláudia e César, a decisão, à luz da interpretação restritiva das hipóteses de anistia adotada, registra que a ocorrência de danos e/ou sofrimento decorrente das opções políticas não seria determinante para o reconhecimento desse direito, restrito às hipóteses expressamente previstas na Constituição. Dessa forma, entendeu que os fundamentos adotados pela Comissão de Anistia para deferir o requerimento deles careceria de amparo legal.

Registra, ao final, da decisão: “não se está aqui a julgar condutas, o que é reservado à História, mas, apenas, a subsunção da norma ao fato, verdadeiro e único papel do Estado Juiz”.

Os familiares opuseram embargos de declaração392 questionando, a compatibilidade da

sentença com o teor da decisão proferida na Ação Rescisória, indicada como fatos novos que

guardam relação direta com o objeto das ações popular e civil pública. Os embargos foram rejeitados.393

A decisão foi recebida com grande entusiasmo pelo Clube Militar, que publicou em sua página eletrônica nota intitulada “Lamarca: uma sentença reparadora”, assinada pelo presidente da entidade general, Gilberto Rodrigues Pimentel:

Enfim um momento de luz!

O Poder Judiciário se pronunciou por sentença, buscando pôr fim a um dos maiores equívocos contemporâneo em declarando a nulidade das nefastas e irresponsáveis Portaria de 2007 do Ministro da Justiça do governo petista, que, em rasa definição, transformavam o terrorista Carlos Lamarca de desertor e criminoso em injustiçado, concedendo-lhe ilegais e imerecidos benefícios.

O Clube Naval, o Clube Militar e o Clube da Aeronáutica impetraram uma ação civil pública para anular a anistia política de Lamarca e sua promoção post mortem a coronel. Intentaram, ainda, anular a reparação econômica de R$ 902.715,97 à viúva Maria Pavan Lamarca, bem como anular as portarias suplementares que indenizaram a viúva e a filha, cada uma em R$ 100 mil. É bom que se diga que, de objeto idêntico foi proposta uma ação popular, redundando, posteriormente, na reunião judicial de ambas.

A sentença redentora de 30 de abril de 2015, ainda, determinar o ressarcimento do erário público dos valores que aquelas portarias eivadas de ideologia e sectarismo possam ter provocado.

O Clube Militar sempre se opôs às injustas e exorbitantes indenizações, que tenham sido acintosamente concedidas com vieses revanchistas, ideológicos e, portanto, ilegais, extorquindo a Nação, enquanto a vilipendiam irresponsavelmente.

Como já dissemos de outra feita, não podemos pactuar com quem, passo a passo, dissimuladamente, quer nos levar, como certos vizinhos, a sendas incompatíveis com nossa tradição.

Se, ainda, não é suficientemente esclarecedor, poderíamos, nos valer da sentença prolatada pelo juiz em 30 de abril passado: “Registre-se, por fim, que não se está aqui a julgar a condutas, o que é reservado à História, mas, apenas, a subsunção da norma ao fato, verdadeiro e único papel do Estado Juiz”.

A notícia foi veiculada em outros meios de comunicação difundidos entre os militares. Foi o caso do blog Alerta Total que anunciou a sentença como “mais uma vitória da verdade e da justiça contra os que julgam possível transformar traidores e assassinos em heróis e, ainda, distribuir dinheiro que não lhes pertence a fim de premiar quem não merece”. Transcreve alguns trechos da sentença e, ao final, registra: “é de todo interesse dos Clubes Militares que essa decisão histórica chegue ao conhecimento do maior número de companheiros de armas, da ativa e

na inatividade, motivo pelo qual solicitamos que assim procedam”.394

Por outro lado, a Comissão de Anistia manifestou preocupação com a “relativização do direto à reparação”. Em nota oficial, assinada por seu presidente, expressou sua “contrariedade e

393 (p. 846-847, Processo 2007.51.01.018466-5).

grave preocupação com a judicialização do direito à anistia e a reparação integral (moral, simbólica e econômica). Reiterou que a anistia política de Carlos Lamarca, seus dois filhos e esposa constitui “ato oficial do Estado brasileiro, após rigoroso processo administrativo que também levou em conta decisões judiciais”, com amparo na Constituição e na lei.

Fez uma análise sobre o direito à reparação e o impacto dessa decisão nos esforços institucionais de desenvolvimento de uma política pública de reparação integral.

O Direito brasileiro prevê o direito à reparação à todos aqueles que foram atingidos por atos de exceção, na plena abrangência do termo, compreendidos como restrições ao exercício de direitos fundamentais por força do arbítrio autoritário do Estado ditatorial. A história factual é notoriamente conhecida em torno dos atos de exceção sofridos pela família Lamarca: perseguições políticas sistemáticas, compelimento à clandestinidade, limitação ao direito de identidade, privação de liberdade públicas, difamação e constrangimentos públicos, desrespeito ao direito de resistências contra a opressão, obstáculos sucessivos ao direito a um projeto de vida sem impedimentos por práticas de abuso de poder ou atos institucionais de arbítrio, entre outros.

Por esse motivo, a Comissão de Anistia expressa sua contrariedade e grave preocupação com a judicialização do direito à anistia e à reparação integral (moral, simbólica e econômica). A decisão proferida no caso em concreto coloca em risco o esforço de reconciliação e o progressivo tratamento construído ao largo de 30 anos, por parte dos sucessivos governos democráticos, dos legados autoritários da ditadura militar e das demais questões ainda pendentes da transição democrática.

Neste contexto, qualquer “relativização” do direito à reparação e do direito à anistia ampla, geral e irrestrita para os perseguidos e seus familiares, fere o princípio basilar da responsabilidade do Estado de Direito em indenizar a terceiros prejuízos que ele deu causa e também a compreensão legal da anistia como ato político que se exaure com a decisão do Estado expressa em portaria ministerial. (…)

Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça.

Por fim, presta solidariedade à família Lamarca “por mais esta atribulação impingida à família anistiada e em virtude da importância histórica do caso”.

Mais uma vez, o caso Lamarca, mais uma vez, voltou à manchete dos jornais.

Juiz anula anistia de Lamarca e quer que família devolva dinheiro da indenização (Sul 21, 12 de maio de 2015)395

Comissão de Anistia questiona decisão judicial sobre indenização à família de Lamarca

(EBC, 13 de maio de 2015)396

Juiz anula anistia de Carlos Lamarca e pede ressarcimento aos cofres públicos (Revista Consultor Jurídico, 17 de maio de 2015)

395 http://www.sul21.com.br/jornal/juiz-anula-anistia-de-lamarca-equer-que-familia-devolva-dinheiro-da-

indenizacao/)em 12/5/2015

396 http://www.ebc.com.br/cidadania/2015/05/comissao-de-anistia-questiona-decisao-judicial-sobre-indenizacao-

Diante da sentença, foi apresentado recurso de apelação de Maria, César e Cláudia,397

pela União398 e pelo Ministro da Justiça, Tarso Genro399, renovando os argumentos discutidos até

então e submetendo o caso à apreciação do Tribunal.400

O processo enviado para o Tribunal Regional Federal da 2a. Região em janeiro de 2016, onde aguarda julgamento desde então. Em 10 de novembro de 2017, foi protocolizada petição do Ministério Público Federal requerendo a inclusão do processo em pauta de julgamento.

Quanto à execução da decisão no processo de 1987, há uma controvérsia pendente de apreciação no âmbito do TRF da 3a. Diante da decisão favorável aos embargos à execução interpostos pela União, Maria Pavan interpôs sucessivos recursos. À época da manifestação referida acima, encontravam-se pendentes de julgamento os recursos especial e extraordinário. E a controvérsia estabelecida dizia respeito ao retorno do processo ao início da execução, a partir da substituição da decisão originaria a ser executada (como pretendia Maria Pavan) ou prosseguimento dos recursos (como pretendia a União).

Os dois processos aguardam pronunciamento do poder judiciário.

6.7 “COMO SE VIVO FOSSE”, LAMARCA CONTINUA OCUPANDO AS

MANCHETES DE JORNAIS

Em agosto de 2017, ganhou as manchetes dos jornais notícia de que um dos fundadores

do Movimento Endireita Brasil, o secretário estadual do Meio Ambiente, Ricardo Salles,401

determinou “a retirada do busto do guerrilheiro de esquerda Carlos Lamarca (1937-1971) do Parque Estadual do Rio Turvo, inaugurado em 2008 em Cajati, município do Vale do Ribeira, a 240 km da capital paulista”

Secretário do Meio Ambiente manda retirar busto de Lamarca de parque estadual (…) Ex-capitão do Exército Brasileiro, Lamarca liderou a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização de luta armada que combateu a ditadura militar

397 (p. 848-879, Processo 2007.51.01.018466-5) 398 (p. 903-9016, Processo 2007.51.01.018466-5) 399

(p. 888-902, Processo 2007.51.01.018466-5)

400 As contrarrazões do autor à apelação de Maria Pavan (p.881-886) e ao recurso da União (p.919-925)

401 Segundo informações veiculadas na notícia do Estadão: “Advogado filiado ao PP, Salles foi secretário particular

do governador Geraldo Alckmin (PSDB) entre 2013 e 2014. No ano passado, foi nomeado pelo tucano secretário do Meio Ambiente do Estado. Ele e seu secretário-adjunto, Antônio Velloso Carneiro, fundaram em 2006 o Movimento Endireita Brasil, que prega o Estado mínimo”. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,secretario- do-meio-ambiente-manda-retirar-busto-de-lamarca-de-parque-estadual,70001932171

(1964-1985). Ele foi condenado pelo Superior Tribunal Militar como desertor e caçado pelo regime. Comandou assaltos a bancos e o sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher no Rio, em 1970, em troca da libertação de 70 presos políticos.

Entre 1969 e 1970, o guerrilheiro fez treinamento em grutas que hoje ficam dentro do Parque Estadual Rio Turvo; Em nota, Salles chamou-o de 'desertor e responsável pela morte de inúmeras pessoas'

"Narrar fatos é uma coisa. Erguer bustos com dinheiro público e em parque público é bem diferente. Carlos Lamarca foi um guerrilheiro, desertor e responsável pela morte de inúmeras pessoas. A presença desse busto no local inadmissível", justificou Salles, por meio de nota enviada ao Estado.

(Fabio Leite, O Estado de São Paulo 10 agosto 2017)

A retirada do busto repercutiu em outros meios de comunicação que qualificaram o ato de “crime contra o patrimônio cultural quando determina a retirada do busto e do painel com fotos e informações sobre o comandante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR)”. Em agosto de 2017, matéria veiculada no Brasil 247 abordou o caso:

Quem lembrar e quem esquecer

Em 22 de setembro de 1971, depois de coberta uma sepultura sem nome no Campo Santo de Salvador, o diretor da Censura Federal enviou um comunicado a todos os meios de comunicação: "Por determinação do presidente da República, qualquer publicação sobre Carlos Lamarca fica encerrada a partir da presente, em todo o país. Esclareço que qualquer referência favorecerá a criação do mito ou deturpação, propiciando imagem de mártir que prejudicará interesses da segurança nacional". Hoje, quase 50 anos depois, há ainda quem cultive a ideologia tacanha da ditadura militar e tente condenar ao anonimato aqueles que deram suas vidas para defender a liberdade, a democracia e a justiça social. Refiro-me ao secretário do Meio Ambiente de Alckmin, o fascista Ricardo Salles, que mandou retirar o busto de Carlos Lamarca do Parque Estadual do Rio Turvo, onde se encontrava, no município de Cajataí, no Vale do Ribeira. Naquela região, Lamarca e mais 14 companheiros (de um total de 16) conseguiram escapar da maior mobilização já feita pelo 2º Exército, um cerco formado por 2,5 mil soldados, helicópteros e até um avião B-26 da FAB, que lançava bombas de Napalm em áreas que eles consideravam suspeitas.

A narrativa produzida na democracia a respeito do passado continua em disputa: transcorridos quase 50 anos da saída de Lamarca do Quartel de Quitaúna e de sua morte no sertão da Bahia, esses fatos continuam ocupando as manchetes de jornais e páginas e mais páginas de processos, oscilando entre a narrativa de traidor ou herói.

7 REFLEXÕES SOBRE A PARTICIPAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA

TRANSIÇÃO BRASILEIRA: ECOS DA REPRESSÃO JUDICIAL?

Nas duas primeiras décadas do caso, observa-se um itinerário de expansão do direito à reparação, tanto na esfera judicial quanto administrativa, que encontra paralelo no desenvolvimento do marco normativo e da política pública de reparação no Brasil. Da concessão judicial da anistia política à decisão da Comissão de Anistia, com o reconhecimento público da legitimidade do direito de opor resistência ao regime autoritário, restauração simbólica de sua dignidade, afastando, em ato oficial a narrativa da traição e terrorismo.

Ao anular a anistia política de Lamarca e de seus familiares, desfazendo grande parte das conquistas alcançadas nos vintes anos anteriores, que narrativa o poder judiciário afirma a respeito do passado autoritário?