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Em 2007, a insatisfação dos militares, evidenciada desde 1996 quando da decisão da CEMDP, chegou ao Judiciário. A decisão da Comissão de Anistia foi proferida em 13 de junho de 2007 e as Portarias, publicadas no dia 12 do mês seguinte. Alguns dias despois, mais exatamente em 16 de julho, foi ajuizada a primeira ação que questionava a legalidade da decisão e pedindo a anulação das quatro portarias que reconheciam a anistia política à família Lamarca. Pouco tempo depois seria ajuizada outra ação com objeto similar, pretendendo a declaração de nulidade da portaria referente a Carlos Lamarca.

A primeira, uma ação popular324 movida em nome do advogado João Henrique

Nascimento de Freitas325 originariamente326 contra o Presidente da Comissão de Anistia e o

Ministro da Justiça, distribuída para a 21a. Vara Federal do Rio de Janeiro.327 E a segunda, uma

ação ordinária ajuizada pelos Clubes Naval, Militar e da Aeronáutica originariamente328 contra a

União, o Ministro de Estado da Justiça, o Presidente da Comissão de Anistia distribuída para a

14a. Vara Federal,329 também do Rio.

Durante mais de um ano esses processos correram separadamente, até que, em janeiro de 2009, foram reunidas, por conexão, na 21a. Vara.

junto ao TCU, Marinus Eduardo de Vries Marsico. Ofício n. 596/2007/CA-Presidência - resposta. (p. 1996 e seguintes, Requerimento da Anistia n. 2006.01.55584)

324 Regulamentação normativa: Art. 5o, LXXIII, da CF-88, e Lei n. 4.717/65.

325 João Henrique Nascimento de Freitas, advogado inscrito na Ordem dos Advogados Seccional do Rio de Janeiro,

com atuação, dentre outras áreas, em direito militar. Segundo informações constantes em seu perfil público da plataforma Linkedin, é assessor Jurídico do Círculo Militar da Praia Vermelha, Rio de Janeiro (http://www.circulomilitar.org/), desde setembro de 2010; foi Chefe de Gabinete e Assessor Jurídico Parlamentar do Deputado Flávio Bolsonaro, na Assembleia Estadual do Rio de Janeiro, entre junho de 2005 e maio de 2012.

Flávio Bolsonaro é político filiado ao Partido Social Cristão (PSC). É filho de Jair Bolsonaro, ambos possuem forte relação com os militares e policiais, conforme registro de suas atividades parlamentes na página oficial “www.flaviobolsonaro.com”. Segundo descrição constante em sua página oficial na internet: “É irmão do Deputado Federal Eduardo Bolsonaro e do Vereador Carlos Bolsonaro, com os quais comunga os ideais e pensamento político de seu pai, Deputado Federal Jair Bolsonaro, resumidamente representados pela defesa da família; dos valores cristãos; do valor e importância do trabalho e do mérito como mais justos critérios de progresso social e distribuição de renda; da ética; da propriedade; do respeito aos direitos dos cidadãos cumpridores das leis – dentre outros.”

326 Depois, foi determinada emenda da inicial a fim de que fossem indicados para compor o feito Maria< Cláudia e

César Pavan Lamarca, como litisconsortes necessários, porquanto beneficiários diretos das Portarias questionadas.

327 Processo n. 2007.51.01.018466-5. Petição inicial da “ação popular com medida liminar ad cautelam pro

societae”: p. 2-22 dos autos.

328 De igual modo, posteriormente foi determinada emenda da inicial a fim de que fosse indicada a compor o feito

Maria Pavan Lamarca, como litisconsorte necessária, porquanto beneficiária direta do ato administrativo questionado.

O autor da ação popular, fazendo uso de matéria veiculada em blog de notícias, inicia sua petição afirmando que “a indenização ao “general” Carlos Lamarca” teria sido usada “pelos radicais do governo Lula”, “como um balão de ensaio para testar o volume e a intensidade da reação militar a um tema que é tabu”.

Argumenta que a promoção de Lamarca ao posto de coronel e a fixação de pensão equivalente à patente de General-de-Brigada seriam atos ilegais, imorais e arbitrários. Assim “conceder indenizações vultosas para toda a família do ex-capitão Carlos Lamarca, bem como promovê-lo e determinar pagamento de pensão” constituiria “ato lesivo à sociedade, pois afronta

diretamente o patrimônio público e os princípios basilares do Estado Democrático de Direito”.330

Em suas razões, o autor considera que a Comissão de Anistia teria agido com “desvio de finalidade”, “falta de ética e responsabilidade na decisão’, estimulando e fazendo apologia “a uma total inversão de valores éticos vividos nos tempos atuais”, promovendo o “enriquecimento

ilícito sem causa por parte de indenizações pagas a anistiado, a exemplo de Lamarca”331

; e concedendo “uma recompensa a quem queria instaurar uma ditadura socialista no Brasil”, um

forma de “prestigiarmos criminosos do passado”332

.

A Comissão de Anistia se mostra um verdadeiro “Tribunal de Exceção”, pois no caso da família Lamarca “decidiu ao arrepio dos princípios básicos de direito constitucional-processual,

tal como imparcialidade e todos os demais princípios relacionados ao devido processo legal”.333

Reconhece como imutável o reconhecimento judicial da anistia ao “ex-militar Lamarca”, ao mesmo tempo em que afirma que “o ato administrativo proferido pela Comissão de Anistia do

Ministério da Justiça está eivado de pura ilegalidade, razão pela qual deve ser invalidado”.334

O fundamento central da ação é a existência de “decisão judicial que nega a promoção

post mortem ao guerrilheiro Carlos Lamarca”, de maneira que a Comissão, através da sua

decisão, teria incorrido em descumprimento de ordem judicial335 e, assim, em ato de improbidade

330 P. 6, Processo 2007.51.01.018466-5. 331

“Chega a afrontar um país de miseráveis, como o Brasil, por um enriquecimento ilícito sem causa por parte de indenizações pagas a anistiados, a exemplo do caso Lamarca” (p. 7, Processo 2007.51.01.018466-5).

332 “Não há como propagar bons exemplos de ética e coerência se, além de prestigiarmos criminosos do passado, pois

estes serão encarados pelas futuras gerações como mártires que apontam o caminho equivocado para se alcançar a verdadeira DEMOCRACIA e o tão almejada ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, premiarmos pessoas sob o manto de uma “pseudo-legalidade” com verba do patrimônio público”. (p. 7, Processo 2007.51.01.018466-5).

333 (p. 20, Processo 2007.51.01.018466-5).

334 Destaques no original. (p. 7, Processo 2007.51.01.018466-5). 335

“Depreende-se, assim, que por DECISÃO JUDICIAL a Autora, Maria Pavan Lamarca, obteve sucesso em sua empreitada tão somente no que concerne aos pagamentos dos atrasados, nos moldes da sentença, sendo certo que o pedido de promoção NÃO PROSPEROU, inexistindo qualquer razão para que a Comissão de Anistia, de maneira

administrativa.336 Assim, a decisão da Comissão de Anistia “atenta contra o Poder Judiciário na sua dignidade, no seu prestígio, desrespeita e macula os valores da honestidade e lealdade às instituições, derivações diretas do princípio da moralidade”.

Além disso, sustenta que Maria Pavan teria agido com “má-fé explícita” ao ingressar com o Requerimento de Anistia, “após indeferimento na via judicial”, e com o objetivo de “burlar as decisões judiciais dos tribunais superiores” que haviam negado o direito às promoções de Lamarca no processo ajuizado em 1987. Caracteriza o requerimento de Maria como uma aventura administrativa.

Ademais, faz referência aos seguintes fundamentos: a viúva e família de Lamarca “não deixou de ser amparada pela União Federal, mais precisamente pelo Exército Brasileiro, que na maior brevidade a implantou como pensionista do ex-Capitão Carlos Lamarca, seguindo os

ditames legais”;337

a Comissão de Anistia seria incompetente para decidir sobre a promoção de

qualquer militar338; a tramitação dos processos administrativos estaria marcados pela ocorrência

de graves vícios.

Ao final, pede339 que sejam suspensos liminarmente a promoção, o pagamento das

indenizações e a implantação de Maria Pavan na folha de pagamento e, como, tutela definitiva,

arbitrária, procedesse de maneira contrária”. (p. 14, Processo 2007.51.01.018466-5).

336 Nos termos do art. 4 e 11, I, II, a, da Lei 8.429/92. (p. 15-16, do Processo 2007.51.01.018466-5). 337 P. 15, Processo 2007.51.01.018466-5).

338

“Ocorre que aquela Comissão não tem poderes constitucionais para promover um ex-militar condenado pelo crime de deserção, ainda que anistiado

339 Os pedidos formulados foram: “1. Seja recebida e processada a presente Ação Popular com o rito especial e

prioritário previsto na legislação em vigor, para se conceder TTUELA LIMINAR, consoante disposto no art. 5o., parágrafo 4o., da Lei 4.717/65, a fim de que: a. Suspenda-se a promoção do ex-capitão Carlos Lamarca ao posto de coronel até a apreciação do mérito, declarando a sua permanência na patente da capitão, por ser medida de segurança, haja vista a existência de normas e decisão judicial que impossibilitam a validade desse ato administrativo de promoção; b. Suspenda-se o pagamento da indenização de R$ 100 mil (cem mil reais) para Maria Pavan Lamarca e para seus dois filhos, totalizando R$ 300 mil (trezentos mil reais) dos cofres públicos, até o julgamento do mérito da presente, pro seu medida de segurança, sob pena de pagar multa diária no valor de R$ 1.000 (mil reais), corrigidos até a data do efetivo cumprimento; c. Suspenda-se, até a apreciação do mérito, o ato de implantação da pensionista na folha de pagamento da União com os proventos de General-de-Brigada, por ser medida de segurança, sob pena de pagar multa diária no valor de R$ 1.000 (mil reais), corrigidos até a data do efetivo cumprimento, determinando sua permanência como pensionista de capitão, situação consolidada conforme decisão judicial (…) 7. A invalidação total dos pleitos administrativos protocolados na Comissão de Anistia pela pensionista Maria Pavan Lamarca, tendo em vista que já houve decisão judicial transitada em julgado negando-lhe o mesmo objeto; 8. A invalidade do ato da Comissão de Anistia, o qual determina o pagamento da indenização de R$ 100 mil (cem mil reais) para Maria Pavan Lamarca e para seus dois filhos, totalizando R$ 300 mil (trezentos mil reais) dos cofres públicos; 9. A invalidação do ato administrativo da Comissão de Anistia, o qual determina o pagamento de pensão equivalente ao posto de General-de-Brigada para a viúva Maria Pavan Lamarca; (…) 11. Ao final, sejam julgados procedentes os pedidos formulados em sua integralidade, a fim de invalidar o ato da Comissão de Anistia e, por fim, sejam devolvidos ao Erário quaisquer verbas auferidas pelos beneficiários em questão, tudo de acordo com art. 11 da Lei 4.717/65”. (p. 20-22, Processo 2007.51.01.018466-5).

pede que seja reconhecida a invalidade dos atos da Comissão no caso e determinado o ressarcimento ao erário de quaisquer verbas pagas aos beneficiários.

Apesar de a fundamentação da ação centrar-se, essencialmente, nos questionamentos quanto à concessão das promoções a Lamarca e na alteração da pensão paga à viúva, os pedidos abarcam a nulidade das portarias de toda a família. Instrui a ação, além dos documentos pessoais do autor e legislação, “documentação veiculada na imprensa que corrobora com os fatos alegados”.

Dias depois, é feita emenda inicial, a fim de que Maria, Cláudia e César Pavan sejam incluídos no polo passivo da ação, por serem beneficiários diretos das Portarias impugnadas.

Reitera, mais uma vez, os pedidos liminares.340

Em setembro de 2007, entram em cena os Clubes Militar, Naval e da Aeronáutica. Ajuizaram na justiça federal do Rio de Janeiro outra ação questionando a decisão da Comissão de Anistia no caso Lamarca. Trata-se de uma “ação de rito ordinário contra a União Federal,

declaratória de nulidade”, com objeto mais estreito do que a primeira ação:341

insurge-se contra a concessão das promoções post mortem a Carlos Lamarca e pede a nulidade da portaria que reconheceu sua anistia.

Apesar de serem associações privadas, os clubes se apresentam como defensoras dos

valores das Forças Armadas. Desse modo, em petição breve,342 justificam o seu “legítimo

interesse” para a propositura da ação nos objetivos constantes em seus Estatutos, especialmente, a “preservação do Patrimônio Moral e dos valores Éticos que perlustram a nossa História, bem como o conteúdo de nossa tradição Cívica”, além do respeito aos princípios da “Hierarquia, da Ordem Constituída” e também das “Instituições e dos Poderes que perfazem em conjunto a Pátria Brasileira”.343

Posteriormente, em petição de p. 87-88 dos autos, ´foi apresentada emenda à inicial para que o item 9 do pedido fosse recebido com a seguinte redação: “9. A invalidação do ato administrativo da Comissão de Anistia que promoveu o ex-capitão Carlos Lamarca ao posto de coronel, pele evidente impossibilidade legal e pela decisão proferida em 1a. Instância mencionada no item 29 da exordial, bem como a invalidação do ato que determinou o pagamento de pensão equivalente ao posto de General-de-Brigada à sua viúva”.

340

Após o protocolo da petição inicial, seriam apresentadas oito petições do autor, antes da citação dos réus, entre pedidos de emendas e reiterações da tutela liminar.

341 Nesse sentido, apesar de a petição fazer referência às Portarias n. 1268 e 1268 referentes, respectivamente, a

Maria e Cláudia, a ação pede a nulidade somente da portaria 1267, referente à anistia post mortem de Lamarca.

342

Petição inicial (p. 2-11 Processo 2007.51.01.022940-5), assinada pelo advogado Emilio Antônio Souza Aguiar Nina Ribeiro, OAB/RJ n. 11.147, protocolada em: 11.09.2007 e autuada em 12.09.2007.

As manifestações públicas de integrantes das forças armadas por ocasião do julgamento do caso na Comissão anunciaram previamente os fundamentos que seriam utilizados para questionar a decisão da Comissão de Anistia: a existência de decisão judicial definitiva indeferindo o direito às promoções; a incompatibilidade da concessão da promoção com as

previsões da legislação militar que regulamenta as promoções post mortem344. Sustenta a

incompetência da Comissão de Anistia para conceder promoções a militares post mortem, seja a Lamarca ou a qualquer outro.

A ação está ancorada em uma narrativa dos fatos, relacionados à vida de Lamarca e a sua trajetória em vida, que resgata os processos instaurados contra ele perante a Justiça Militar em 1969 e 1970:

O Ex Capitão Carlos Lamarca se afastou voluntariamente do Exército a fim de participar ativamente da Guerra Revolucionária destinada a implantar no Brasil a chamada Ditadura do Proletariado Comunista. O seu Termo de Deserção (doc. Anexo) tem a data de 13 de fevereiro de 1969. Além disso roubou armas do Exército para alimentar a insurreição armada, participou do extermínio de muitos e assassinou, com requintes de tortura e perversidade o Tenente Alberto Mendes Júnior que teve o crânio esfacelado a coronhadas por ordem de Lamarca, tão só por ter aquele oferecido para trocar de lugar com os seus subordinados que tinham sido emboscados e presos pela tropa de Lamarca. (Confiram-se os Processos 146/70 e 101/69, com as respectivas condenações, com VV. Arestos transitados em julgado no Superior Tribunal Militar).345

Pela primeira vez, desde o início dos trâmites administrativos e judiciais instaurados desde o retorno de Maria Pavan do exílio, foram apresentadas cópias de partes dos processos instaurados contra Lamarca durante a ditadura: processos n. 101/69 e 146/70. A alusão a esses fatos e às condenações nos processos referidos pretende reforçar o argumento da inaplicabilidade da legislação de anistia a Carlos Lamarca.

Além desses, instruem a ação346 os documentos das pessoas jurídicas autoras;347 registro

de debates ocorridos no Senado Federal sobre o caso na sessão do dia 14.06.2007 e artigo de

autoria de Ives Gandra Martins intitulado “Indenizações Milionária e inconstitucionais”.348

344

Legislação referida na ação: Lei 5821, de 10 de novembro de 1972, regulamentada pelo Decreto 3998, de 5 de novembro de 2001, alterado pelo Decreto 5200, de 30 de agosto de 2004, pelo Decreto 5335, de 12 de janeiro de 2005 e pela Portaria 564-CMT EX de 6 de setembro de 2004. Decreto 3998/2001: “Art. 54. Será promovido ‘post mortem’, de acordo com o parágrafo 1 do art. 30 da Lei 5821 de 1972, o oficial que ao falecer satisfazia as condições de acesso e integrava a faixa dos oficiais que concorriam à promoção pelos critérios de antiguidade ou de merecimento”.

345 (p. 8-9, Processo 2007.51.01.022940-5).

346 Os anexos da inicial encontram-se às p. 12-154, dos autos. 347

Estatuto, ata de posse da diretoria, CNPJ.

348 Quanto ao artigo, não há indicação de data de disponibilização ou fonte. Nele, Ives Gandra sustenta que o art. 8o.

Posteriormente, em março de 2010, o autor apresentou matéria de revista “Istoé” sobre a anistia de João Cândido e alegou que ela ratificaria “a total falta de critério e de análise nos procedimentos indenizatórios dos anistiados políticos pela Comissão de Anistia do governo federal”.349

O processo n. 146/70 versa sobre fatos relativos ao campo de treinamento instaurado pela VPR no Vale do Ribeira e os fatos que se seguiram à ação dos órgãos da repressão na região, incluído a morte do Tenente Alberto Mendes Júnior. Desse processo, constam: a denúncia da Procuradoria Militar, o Laudo Cadavérico do Tenente Alberto Mendes júnior, a sentença proferida pela 2a. Auditoria Militar da 2a. CJM/SP e acórdão do Superior Tribunal Militar.

Já o processo n. 101/69 versa sobre a saída do capitão Carlos Lamarca do Quartel de Quitaúna em 24 de janeiro de 1969, envolvendo os fatos que a antecederam e também alguns acontecimentos posteriores. A denúncia enumera diversas condutas reputadas como criminosas, a exemplo de: aliciamento de militares, roubo de armas e munições do quartel, incitação à indisciplina, subversão da ordem.

Na denúncia e na sentença, há referência ao fato de que Lamarca e os três militares que o acompanharam na fuga do quartel foram considerados desertores. Além da denúncia, constam

sentença da 2a. Auditoria Militar da 2a. CJM/SP350 e acórdão do STM,351 Boletim do 4o. RI

contendo “Publicação Inventário, Parte Acusatória, Termo de Deserção e Exclusão do Desertor”. Segundo os Clubes Militar, Naval e da Aeronáutica a promoção post mortem de Lamarca seria “esdrúxula”, “sem qualquer lastro ou fundamento Ético e muito menos de valor jurídico legal, ou administrativo em que se fundamente”, diante também da “evidência das condenações demonstradas”.

indenizações milionárias, à custa do dinheiro dos contribuintes” e defende a tese de que aquele que, durante a ditadura, não ficou impedido de exercer profissão ou ofício remunerado, “não pode pleitear senão a diferença entre o que efetivamente percebeu e o que poderia ter percebido, se tivesse permanecido no cargo que ocupava e do qual foi excluído pelo regime de exceção”. Sustenta que, do contrário, “se um militar que tenha sido afastado, vier a receber, pelo período de inatividade, a remuneração a que faria jus na ativa, além daquilo que efetivamente ganhou com trabalho desenvolvido em outros ofícios, durante o período de afastamento, estará, em verdade, recebendo não uma “reparação”, mas um tratamento privilegiadíssimo”.

349 P.425-248, Processo 2007.51.01.018466-5).

350 Nesse processo, a sentença foi proferida em 3 de junho de 1970, e dedica dez páginas a analisar as condutas

imputadas a Lamarca e para fixar as condenações correspondentes.

351 Neste processo o acórdão do STM tampouco se refere a Lamarca, porquanto figuram como apelantes José

Registrado sob o n. 2007.51.01.022940-5, o processo foi distribuído para a 14a. Vara

Federal e obteve rápido processamento. Poucos dias após o protocolo, foi proferido despacho,352

através do qual reconheceu o caráter coletivo da causa, determinando sua conversão de ação ordinária em ação civil pública. Além disso, reconheceu a legitimidade do Clube Militar, pois entende que seu Estatuto traria entre as finalidades “preservar as tradições e zelar por seu prestígio no seio das Forças Armadas e da sociedade brasileira” e ”colaborar com as Forças Armadas na preservação da memória de seus feitos e na defesa de seus prestígio e conceito

perante a nação”.353

Ao mesmo tempo, excluiu do polo ativo os Clubes Naval e da Aeronáutica. Por fim, o primeiro despacho determinou a inclusão de Maria Pavan Lamarca, “beneficiária direta da Portaria n. 1.267/07” e a notificação da União, com urgência, a fim de que

se pronunciasse sobre a liminar, no prazo e 72 horas.354

As manifestações da União Federal, como ré nessas duas ações, apresentam contornos diferentes do que vinha sendo sua participação no debate judicial até então. Ela sai em defesa da anistia de Carlos Lamarca e da legalidade dos atos da Comissão de Anistia.

Em 24 de setembro de 2007, a União apresentou nos autos da (segunda) ação, em caráter

de urgência, as informações prestadas pelo Ministro da Justiça355, através da qual questiona a

conversão de ação ordinária em ação civil pública e elenca uma série de fundamentos, de natureza formal, que impediriam o processamento da ação. Baseada neles, requer a extinção do processo sem julgamento do mérito.

Questiona o juízo a respeito da inexistência de qualquer pedido liminar na petição inicial e, ainda que houvesse, apresenta as razões para que não fosse acolhido: ausência dos requisitos exigidos na lei processual, perigo da demora (sequer alegado na petição inicial) e fumaça do bom direito.

Articula a ausência de fundamento jurídico da ação a partir dos seguintes argumentos: “a Súmula 674 do STF não se aplica aos pedidos feitos com base na Lei 10559/2002, mais favorável”, conforme jurisprudência do próprio STF; por outro lado, “Carlos Lamarca foi

352 Despacho preferido pela juíza Cláudia Bastos Neiva, em 18 de setembro de 2007 (p. 157-159, Processo

2007.51.01.022940-5)

353

(p. 158, Processo 2007.51.01.022940-5)

354 Na petição inicial (p. 11) não consta pedido liminar. A ausência de pedido expresso da parte autora para