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Em 3 de outubro de 2007, foi concedida liminar “para sustar os atos decorrentes da Portaria n. 1.267/07, do Ministro de Estado da Justiça, até ulterior deliberação”. No dia seguinte, foram comunicados, via fax, o Ministro da Justiça, Tarso Genro, e o Presidente da Comissão da

Anistia, Paulo Abrão.357

A decisão na ação originária, proposta em 1987 e que analisou e reconheceu a anistia política de Lamarca, é, mais uma vez, invocada e utilizada como fundamento da decisão, mas de uma maneira inédita até então: não para reafirmar direito já reconhecido, mas para limitar a amplitude do direito à anistia. A magistrada reconhece o seu teor e validade, mas minimiza seus efeitos. Afirma que os efeitos da coisa julgada não abarcam os motivos daquela primeira decisão

356 (p. 170, Processo 2007.51.01.022940-5). 357 (p. 204-208, Processo)

e, dessa forma, manifestação do Poder Judiciário, mais uma vez, reescreve a história para afirmar que:

O capitão Lamarca não foi atingido por atos de exceção consubstanciados em atos institucionais ou complementares, que foram expedidos no período delimitado acima, pelo Governo, nem foi abrangido pelo Decreto Legislativo n. 18/61 ou pelo Decreto-Lei 864/69. A sua exclusão das Forças Armadas decorreu de abandono do “4o. Regimento de Infantaria de Quitaúna, em 24.1.1969”, baseada em legislação ordinária, que inclusive propiciou a caracterização como crime de deserção (art. 163 do Código Penal Militar) e sua ulterior anistia com base na lei 6.683/79, por força de decisão judicial.358

Sobre os direitos decorrentes da anistia, a magistrada invoca jurisprudência do STF, “no sentido de que a exclusão do militar com base em legislação ordinária não tem abrigo no art. 8º do ADCT, a justificar as promoções ali mencionadas”, entendimento consolidado na Súmula 674. E sustenta que “o art. 8º do ADCT, portanto, somente alcança os militares punidos com base em atos institucionais ou complementares e os abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18/61 e pelo

Decreto-Lei n. 864/69”.359

Dessa forma, o reconhecimento da anistia feito anteriormente pelo Poder Judiciário “não acarretaria o simples enquadramento no art. 8º do ADCT” e o direito às promoções dependeria de que “a Comissão de Anistia demonstrasse de modo categórico, com suporte em provas contundentes, que ocorreu a incidência de ato de exceção, institucional ou complementar” ou, ainda, que “o Sr. Carlos Lamarca foi atingido pelo Decreto-Legislativo n 18/61 ou pelo Decreto-

Lei no 864/69”.360

E arremata afirmando que a decisão da Comissão de Anistia, ao invés de fundamentar sua decisão nesse particular, limita-se a aludir “à decisão judicial referida e à lei 10.559/02, como suficientes para a outorga da vantagem deferida administrativamente”.

Assim, além da renovação dos debates jurídicos sobre algumas questões já ocorridos no âmbito da primeira ação (1987), a decisão lança nova discussão, relativa ao alcance do direito à anistia face à sucessão de normas sobre o tema: afirma a tese da impossibilidade de legislação infraconstitucional (no caso, a Lei 10.559/2002) acrescer direitos à previsão constitucional, para reafirmar que “o art. 8º do ADCT, portanto, somente alcança os militares punidos com base em atos institucionais ou complementares e os abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18/61 e pelo

358

(p. 198, Processo 2007.51.01.022940-5).

359 (P. 198-199, Processo 2007.51.01.022940-5). 360 (p. 200, Processo 2007.51.01.022940-5).

Decreto-Lei nº 864/69”.361 A Lei 10.559/2002, regulamentadora do dispositivo constitucional, não poderia prever mais direitos do que o artigo 8º, do ADCT, CF/88.

Quanto à situação de risco a justificar a concessão da liminar, indica a grave lesão aos cofres públicos que pode advir do pagamento mensal fixado e dos valores retroativos. Registra, por fim, crítica à alocação de recursos públicos para o pagamento de indenizações, nas palavras

da magistrada “dissociadas do quadro socioeconômico do povo brasileiro”.362

Essa liminar seria alvo de recurso por parte da União Federal e de Maria Pavan, submetidos ao Tribunal Regional Federal.

A conexão dos processos na 21a. Vara, por prevenção363, somente viria a ocorrer em

janeiro de 2009.364 Quando chamados a contestar365 a ação popular, todos os réus já tinham

apresentado defesa na ação civil pública, renovando os argumentos apresentados na primeira oportunidade.

Em suas manifestações, a União, Ministro da Justiça366 e Presidente da Comissão de

Anistia são uniformes na defesa da validade da decisão proferida nos quatro processos.

O Presidente da Comissão de Anistia arguiu sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da ação. Quanto ao mérito, argumentou que “o ato pratico pelo réu lastreou-se em análise fundamentada da Comissão de Anistia” e em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que reconhece que a Lei 10.559/2002 ‘é mais benéfico do que o art. 8o do ADCT e demais diplomas

legais pertinentes à matéria (anistia política).367

361 (p. 199, Processo 2007.51.01.022940-5).)

362 “É altamente questionável a opção política de alocação de receitas para pagamento de valores incompatíveis com

a realidade nacional, em uma sociedade carente de saúde pública em padrões dignos, inclusive com incapacidade estatal de fornecer certos remédios sem ônus financeiro, deficiente na educação pública fundamental e de nível médio, bem como nos investimentos para saneamento básico, moradia popular e na área de segurança, sempre com a alegação de ausência de disponibilidade financeira. Todavia, é um Estado que prioriza seus escassos recursos para pagar indenizações dissociadas do quadro socioeconômico do povo brasileiro”. (p. 201, Processo)

363 Art. 103 e 106, CPC/0973.

364 Após transito em julgado do Agravo de Instrumento interposto pelo autor, a fim de que a reunião dos processos se

desse no âmbito da 14a. Vara Federal, onde a tramitação estaria mais adiantada.

Decisão do Agravo de 28.09.2008 (291, 293-295, dos autos); Despacho da vara determinando a expedição de ofício para a 14a. Vara Federal (p. 197).

365 A citação das autoridades rés foi feita via precatória, expedida a justiça federal do Distrito Federal. Apesar de ter

sido determinada em julho de 2007, somente foi cumprida em 2009, sendo a contestação apresentada em 29 de outubro de 2009 (p. 386- , Processo 2007.51.01.018466-5).

366 A contestação da Tarso Genro foi apresentada em 13 de agosto de 2010 e a do Presidente da Comissão de Anistia,

em outubro do mesmo ano (p. 571-579 e p. 702-709, respectivamente, do Processo 2007.51.01.018466-5).

367 Consta na contestação, transcrição dos seguintes precedentes:

“EMENTA: 1. Anistia: EC 26/85 e ADCT/88, art. 8: incidência da Súmula 674 (…) 2. Anistia: L. 10.559/02: os efeitos da superveniência da L. 10.559/02 - matéria estranha ao RE - hão de ser pleiteados junto à Administração e não serão prejudicados pela decisão agravada, restrita e inteligência de normas anteriores menos favoráveis” (STF -

Sobre os requerimentos de Maria (em seu nome próprio) e os de seus filhos, reiterou os fundamentos da decisão da Comissão, ressaltou que “o direito à anistia não se restringe apenas aos militantes políticos, ou aqueles que diretamente confrontaram o regime militar, mas a todos que, comprovadamente, sofreram perseguição por motivos exclusivamente políticos por parte do

Estado Brasileiro, como foi o caso”.368

Por fim, invocando os fundamentos do voto do Conselheiro relator na CA/MJ, afirmou que o direito à anistia política de Carlos Lamarca “foi, sem dúvida alguma, assegurado por sentença judicial, transitada em julgado. Não se trata de simples motivo da decisão judicial, mas de direito autônomo e principal por ela reconhecido” e que deve ser preservado em nome da segurança jurídica, sem prejuízo de novos direitos à reparação que venham a ser assegurados por

leis mais benéficas.369

Maria Pavan somente tomou conhecimento formal da ação popular através de citação

por oficial de justiça ocorrida em 06 de maio de 2010. Sua contestação370 foi apresentada em

junho desse mesmo ano. Cláudia e César, que não tinham participado formalmente da primeira ação, são chamados a compor o processo na qualidade de réus. Em setembro de 2011, apresentam

defesa371 uniforme à apresentada pela mãe, representados, igualmente, todos com os mesmos

advogados.372

As manifestações dos familiares nesse processo ganham um tom mais duro. Segundo eles, a ação seria “um exemplo e forma mais uma peça do jogo engendrado pelos setores resquiciosos da ditadura miliar, que renitem em não se curvar ao Estado Democrático de Direito”.

1a. Turma - RE-AgR 223174/RJ - rel. Min. Sepúlveda Pertenece - DJ de 20/04/2006, p. 335)

“EMENTA: Anistia: EC 26/85 e ADCT/88, art. 8: exclusão dos militares conforme legislação disciplinar comum, ainda que à base de imputação de faltas praticadas com motivação política: incidência da Súmula 674: inocorrência de perda de objeto do recurso extraordinário em razão de decisão administrativa do Ministério da Justiça em pedido diversos, fundado na L. 10.559/02”. (STF - 1a. Turma - AI-AgR 356977/RJ - rel. Min. Sepúlveda Pertence - DJ de 03/12/2004, p. 29)

368 (p. 707, Processo 2007.51.01.018466-5).

369 “É da índole das leis de anistia política, em regime democrático, se sucederem, buscando o ideal da anistia ampla,

geral e irrestrita. Não há retrocesso. O anistiado por uma primeira lei, salvo anulação de seu ato de anistia, será para sempre anistiado e não haverá lei posterior que posso negar seu status de anistiado político”, trecho do voto do Conselheiro Relator na Comissão de Anistia transcrito na contestação. (708, Processo 2007.51.01.018466-5).

370 (p. 613-636, Processo 2007.51.01.018466-5).

371 Contestação de Cláudia (p. 720-743, Processo 2007.51.01.018466-5); Contestação de César (p. 744-767, Processo

2007.51.01.018466-5).

372 Luiz Eduardo Grenhalgh, Suzana Angélica Paim Figueiredo, André Andrade Viz, Aline Gonçalves Braga, Diogo

A partir de “narrativa mendaz sobre os fatos que ensejaram o reconhecimento da anistia política de Lamarca”, a ação revelaria interesses reacionários, antidemocráticos e o “desígnio abjeto de tentar desqualificar o ato soberano, legítimo, legal e válido da Comissão de Anistia”.

São apresentadas diversas preliminares e requerida a extinção do processo sem julgamento do mérito. Questiona-se a argumentação genérica da ação, que não esclarece “em que consistiria a ilegalidade dos atos que concederam indenização”, limitando-se a transcrever trecho de “artigo veiculado na internet, indiscutivelmente produzido como parte da articulação dos militares, arapongas e torturados de militantes de esquerda durante a ditadura”.

Em defesa da regularidade do ato administrativo da CA/MJ, afirma a inaplicabilidade da

Súmula 674/STF aos pedidos feitos com base na Lei 10.559/2002, que é mais favorável373. Sobre

a sucessão de leis de anistia, registra:

Após vários anos do eclipse democrático que se abateu sobre a Nação brasileira, a sociedade buscando a reconciliação fez editar, primeiramente, a Lei 6.683/79 e depois as normas constitucionais da EC 26/85, o art. 8º do ADCT e as seguintes leis em sua regulamentação.

A anistia concedida através das diversas leis específicas - Lei 6.683/79, Emenda Constitucional n. 26/85, art. 8 º e seguintes do ADCT e finalmente a Lei 10.559/02 - forma um feixe de direitos concedidos aos perseguidos políticos pelo regime militar de 1964.

Tais normas vieram sob o influxo de princípios humanitários e, sobretudo, pela ideia de um Estado Democrático de Direito, que tem em suas bases assegurada a pluralidade de ideias, a liberdade, a dignidade humana e o expurgo de toda manifestação contrária e tais valores.

(…)

O capitão, e não ex-capitão, Carlos Lamarca não foi considerado desertor e como já julgado o disposto nos arts. 187 e 191 do Código penal não impedem a concessão das promoções.

E, como já se disse, tratando-se de anistia política, além de ser devido e legal o benefício, quando em vigor após lei que dê maior elastério, não se sujeita a preclusão, nem há ofensa à coisa julgada, já que as decisões judiciais não se fundaram na Lei 10.559/02. (…)

No caso, o reconhecimento do direito à anistia a Carlos Lamarca e sequentes promoções advindas de tal reconhecimento, cujos consectários são agora devidos à Contestante, além de exprimir a vontade da lei que o fundamentou e não se encontrar coberto pela coisa julgada, é daqueles sobre o qual não se opera preclusão ou prescrição alguma.

373 Conforme jurisprudência do STF: RE-AgR 223174/RJ e AI-AgR 356977/RJ, de relatoria do Min. Sepúlveda