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CAPÍTULO IV – A TENSÃO ABERTA E PERMANENTE ENTRE A DIVULGAÇÃO NOMINAL DA REMUNERAÇÃO DOS SERVIDORES

4.6. A aplicação dos cânones da hermenêutica constitucional – uma releitura

Constatada a deficiência com que o tema é tratado pela nossa Corte Constitucional, faz- se necessária uma releitura da compreensão da norma constitucional para solução de conflitos: o Neoconstitucionalismo. No caso em tela, como já visto, a interpretação equivocada do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Suspensão de Segurança nº 3.902 (9.6.2011), seguida da vigência da Lei nº 12.527/11 – LAI (16.5.2012), colocou em tensão o direito de acesso à informação administrativa e o direito à privacidade. Solucionar tal questão implica aprofundar-se nesta proposição.

Os cânones da interpretação constitucional são, segundo Uadi Lammêgo Bulos, fórmulas de persuasão que permitem a justificação de um posicionamento, de modo “isento, científico e fundamentado”.462 Convém advertir que, na presente dissertação, optou-se pela utilização da expressão “cânones de interpretação”, em vez de “princípios de interpretação”, uma vez que tais métodos de interpretação da Constituição são diretrizes com caráter heurístico, não possuindo qualquer carga normativa.

Se, de acordo com o neoconstitucionalismo, a Constituição é o centro do ordenamento jurídico, não há que se falar em interpretação jurídica sem parâmetros constitucionais. O neoconstitucionalismo visa exatamente trabalhar com ênfase, a partir da máxima efetividade da norma constitucional. O devido acatamento ao comando constitucional privilegia sua força normativa, impedindo que a Constituição de um país seja tão somente “a soma dos fatores reais que regem o poder nesse país”.463

Nesses termos, para a correta análise do conflito sobre o qual versa a presente dissertação – direito à informação versus direito à privacidade –, é possível aplicar os cânones de interpretação constitucional desenvolvidos por Konrad Hesse, na obra Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha.464 Tais cânones, segundo Konrad

462 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 8. ed. rev. e atual. de acordo com a Emenda

Constitucional n° 76/2013. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 459.

463 LASSALLE, Ferdinand. Que é uma Constituição? Edições e Publicações Brasil. São Paulo, 1933. E-

book. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/constituicaol.pdf>. Acesso em: 29 out. 2015.

464 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Porto

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Hesse465, são os da unidade da Constituição, da concordância prática, da exatidão funcional, do efeito integrador, da força normativa da Constituição e da interpretação conforme a Constituição. Parte da doutrina466 acrescenta a este rol os cânones da proporcionalidade e da máxima efetividade.

Vale registrar a advertência feita por Uadi Lammêgo Bulos467 de que:

(...) não existe critério matemático para levar o intérprete a dar relevância jurídica a alguns eventos e ignorar outros. Isso, entretanto, não descarta a enorme utilidade de todos os artifícios hermenêuticos, postos ao dispor do intérprete, para desvendar o significado das normas constitucionais.

O cânone da unidade da Constituição, também conhecido como cânone da unidade hierárquico-normativa da Constituição468, explicita que a interpretação deve ser feita tomando toda a Constituição como parâmetro e, nunca, apenas alguns de seus trechos. Evita-se, dessa maneira, que uma mesma hipótese, quando submetida à interpretação, alcance diferentes conclusões constitucionais, primando-se pela coerência do texto constitucional. Segundo Uadi Lammêgo Bulos, em tal cânone não se aceita a tese de “que existe hierarquia entre normas constitucionais originárias, isto é, a teoria das normas constitucionais inconstitucionais” (STF, Pleno, ADin 815-3/RS, Rei. Min. Moreira Alves, decisão de 20.3.1996, DJ, l, de 10.5.1996, p. 15131).469

O cânone da concordância prática ou harmonização significa que inexiste preferência de qualquer bem constitucional sobre o outro, razão pela qual eventuais tensões entre bens jurídicos devem ser solucionadas por meio de “uma redução proporcional, de modo que a aplicação de uma norma não implique a sacrifício ou extirpação total da outra norma.470 Embora grande parte da doutrina nacional sustente que esse princípio conduz à ponderação de bens constitucionais, Konrad Hesse repudia tal comparação, pois, para ele, a ponderação cai “sempre no perigo de abandonar a unidade da Constituição”.471

465 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Porto

Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1998, p.65-69.

466 Ver. FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. BULOS, Uadi Lammêgo.

Curso de Direito Constitucional.

467 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 8. ed. rev. e atual. de acordo com a Emenda

Constitucional n° 76/2013. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 453.

468 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 8. ed. rev. e atual. de acordo com a Emenda

Constitucional n° 76/2013. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 459.

469 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 8. ed. rev. e atual. de acordo com a Emenda

Constitucional n° 76/2013. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 459.

470 FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 3. ed. rev. ampl. e atual. até a EC

76/2010 e em consonância com a jurisprudência do STF. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 172.

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Em virtude dessa ressalva feita por Konrad Hesse, a concordância prática deve ser aplicada como pura decorrência do primeiro princípio – da unidade da Constituição. Devem ser traçados limites aos bens constitucionais em colisão, para que ambos alcancem uma eficácia ótima.

Segundo Uadi Lammêgo Bulos472, “a concordância prática também se irmana com a metódica normativo-estruturante de Friedrich Müller, em que o intérprete não pode segregar o programa normativo do pedaço de realidade social”.

Já o cânone denominado efeito integrador indica, nas palavras de Konrad Hesse, que:

(...) se para a Constituição é importante a produção e conservação da unidade política, então isso significa a necessidade de, na resolução de problemas jurídico- constitucionais, dar a preferência aqueles pontos de vista que produzem efeito criador e conservador da unidade. Naturalmente, esse resultado dado não pode então ser decisivo, se ele pudesse ser alcançado “em vias não precisamente constitucionais”, porque, com isso, o limite da interpretação constitucional será excedido.473

Sobressai dessa conceituação o fato de que o efeito integrador se relaciona com a própria unidade da Constituição, uma vez que sua aplicação está limitada aos pontos de vista que não são estranhos à Constituição.474

A exatidão funcional é o cânone de interpretação constitucional que exige dos órgãos responsáveis pela tarefa interpretativa o respeito ao sistema de repartição de competências previamente delineado pelo constituinte.

Dessa maneira, este cânone evita que, sob o pretexto de concretizar determinado preceito constitucional, ocorra a deturpação do sistema de divisão de competências entre os poderes constituídos. Por essa razão, José Joaquim Gomes Canotilho adverte que esse princípio tende “a ser considerado mais como um princípio autônomo de competência do que como um princípio de interpretação da Constituição”.475 Em razão de sua significação, é largamente utilizado para combater o ativismo judicial, impedindo que o Poder Judiciário atue em campos reservados aos Poderes Legislativo e Executivo.

Konrad Hesse aborda o cânone da força normativa da Constituição. Este significa que, na solução de problemas constitucionais, devem ser utilizados os argumentos que

472 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 8. ed. rev. e atual. de acordo com a Emenda

Constitucional n° 76/2013. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 460.

473 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Porto

Alegre. Sergio Antônio Fabris Editor, 1998, p. 68.

474 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Porto

Alegre. Sergio Antônio Fabris Editor, 1998, p. 68.

475 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra:

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proporcionem uma eficácia máxima. Diante da existência de vários pontos de vista, deverão ser identificados e utilizados aqueles que conferem “força de efeito ótima” à norma constitucional.

Há que se registrar o cânone da interpretação conforme a Constituição que, segundo os ensinamentos de Konrad Hesse, indica que não deve haver a declaração de nulidade de uma lei quando, entre as diversas interpretações possíveis, uma estiver em consonância com o texto constitucional. Ou seja, em razão da abertura semântica da norma, é possível a coexistência de múltiplas interpretações; havendo essa multiplicidade de interpretações, o aplicador poderá se deparar com algumas que guardam consonância com a Constituição e outras que não guardam. Nessas situações, não se exigirá a declaração de nulidade da norma, bastando que se afastem as interpretações eventualmente contrarias à Constituição.

É fundamental a advertência de que, na prática constitucional brasileira, esta interpretação conforme a Constituição tem se revelado não como um cânone interpretativo, mas, sim, como uma técnica de julgamento largamente utilizada pelo Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, vale citar o Recurso Extraordinário nº 389.808/PR, no qual a Suprema Corte interpretou a Lei nº 9.311/06, a Lei Complementar nº 105/01 e o Decreto nº 3.724/01 conforme a Constituição, apontando como interpretação violadora da norma constitucional a que implicasse afastamento do sigilo bancário do cidadão sem ordem judicial.

O cânone da proporcionalidade ou a máxima da proporcionalidade propicia a restrição de abusos, arbitrariedades, e excessos na atuação do poder público, sob a égide de três sub- regras: a da adequação; a da necessidade; e a da proporcionalidade em sentido estrito. Presente se achará a adequação se a medida em análise cumprir, ao menos em parte, os fins que almeja; haverá necessidade caso não se verifique outro meio igualmente efetivo e menos danoso a direitos fundamentais de se alcançar os objetivos pretendidos. Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito será respeitada caso, em uma ponderação de custo- benefício, os ônus oriundos da medida sejam menores que os benefícios os quais pretende produzir.

O cânone da máxima efetividade, ou máxima efetividade interpretativa, transcorre na hipótese de o intérprete-aplicador encontrar-se vinculado, verificando um cenário de dúvida sobre o exato sentido interpretativo das normas, a conferir-lhes a máxima efetividade interpretativa. Deste modo, são possíveis a obtenção de quatro aplicações concretas em sede de direitos fundamentais, no escólio de Paulo Otero: