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CAPÍTULO II – O DIREITO FUNDAMENTAL À PRIVACIDADE

2.3. O direito à vida privada como decorrência da personalidade

Como é cediço, todos os direitos gravitam em torno do direito à vida. A vida privada, como direito, decorre da personalidade, constituindo-se em importante referencial, dada a preocupação constitucional em se assegurar maior proteção e efetividade às garantias

204 PINHEIRO, José Alexandre Guimarães de Sousa. Privacy e Proteção de dados pessoais: a construção

dogmática do direito à identidade informacional. Vol. 2. Tese (Doutorado em Ciências Jurídico- Políticas) –Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito, Lisboa, 2011, p. 543-544.

205 Os censos de 1933 e de 1939 foram utilizados na Alemanha com fins discriminatórios, para seleção e

extermínio de pessoas. Afirmou o Tribunal que o direito geral de personalidade garante ao indivíduo proteção contra a coleta, armazenamento, uso e transmissão ilimitados de dados pessoais, admitindo-se limitações fundadas na lei e na Constituição.

206 PINHEIRO, José Alexandre Guimarães de Sousa. Privacy e Proteção de dados pessoais: a construção

dogmática do direito à identidade informacional. Vol. 2. Tese (Doutorado em Ciências Jurídico- Políticas) –Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito, Lisboa, 2011, p. 544.

207 PINHEIRO, José Alexandre Guimarães de Sousa. Privacy e Proteção de dados pessoais: a construção

dogmática do direito à identidade informacional. Vol. 1. Tese (Doutorado em Ciências Jurídico- Políticas) –Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito, Lisboa, 2011, p. 910-911.

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individuais. A Constituição atribui especial consideração jurídica, reconhecendo o direito à vida privada como um mister basilar da indispensável convivência social entre os seres humanos.

A Constituição brasileira, em seu art. 5º, caput, garante a inviolabilidade do direito à vida, e esta vida, na acepção de José Afonso da Silva, agrega-se de elementos materiais (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais), constituindo-se em fonte primária de todos os outros bens jurídicos.208 Desse modo, a vida do indivíduo é uma intimidade consigo, traduzida em uma consciência de saber-se, dar-se conta, tomar uma posição sobre si mesmo. Em seu teor conceitual, a vida do indivíduo abrange o direito à dignidade da pessoa humana, o direito à integridade físico-corporal, o direito ao respeito, o direito à integridade moral, o direito à privacidade e o direito à existência.

O direito à vida privada, como espécie dos direitos da personalidade, demanda a compreensão do que se traduz por direitos da personalidade.

A personalidade tem sido entendida como a aptidão da pessoa para ser sujeito de direitos e assumir obrigações no âmbito jurídico. A pessoa, ao adquirir direitos e assumir obrigações, passa a responder por todos os atos e fatos correlatos à sua vida.

A personalidade, como conjunto de caracteres próprios da pessoa física e jurídica, não se reveste de direito, mas de objeto do direito. São atributos da pessoa, como a honra, o nome, a liberdade e a intimidade. Assim, os direitos da personalidade se integram à própria noção de pessoa, como a vida, a honra, a integridade física, a imagem, a privacidade, representando esses direitos verdadeiras muralhas antepostas pelo direito como defesa da pessoa frente a invasões de qualquer outro componente da sociedade.209

Portanto, os direitos da personalidade são, via de regra, indisponíveis; igualmente inatos, ou seja, originários da pessoa e dela não podem ser retirados; intransmissíveis; imprescritíveis, não se exaurindo pelo uso ou inércia; impenhoráveis; vitalícios; irrenunciáveis e ilimitados, não se concebendo um número fechado de direitos inerentes ao cidadão.

208 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37. ed. rev. e atual. até a Emenda

Constitucional n. 76, de 28.11.2013. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 200.

209 AMORIM, José Roberto Neves. Direito sobre a história da própria vida. Revista dos Tribunais, São

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O desenvolvimento da personalidade implica ações individuais que podem ocorrer dentro de conjunturas sociais. A avaliação da ação pessoal depende de um contexto onde ela é desenvolvida, as suas finalidades e as suas consequências. A existência de um público não almejado traz ao indivíduo um efeito de intimidação com limitação do conteúdo de exposição pessoal. Assim, o desenvolvimento da personalidade se constata por ações e renúncias assumidas, fazendo ambas parte da extensão com que o meio pode distinguir um indivíduo em sua esfera privada, o que se traduz num legítimo direito fundamental. Ao Estado só é permitida a penetração na esfera privada com o preenchimento de pressupostos legais, sendo possível distinguir entre o incômodo da intervenção causado por entidades públicas, conforme a intensidade da pesquisa. A intervenção pode ter como objeto a ciência de um modo de vida pessoal do indivíduo.210

Conforme Carlos Alberto Bittar, em face dos direitos da personalidade, a pessoa é ao mesmo tempo sujeito e objeto de direitos, remanescendo a coletividade, em sua generalidade, como sujeito passivo. Trata-se de direitos oponíveis erga omnes, portando, devem ser respeitados pelos integrantes da coletividade, impondo-se a todos a observância e o respeito a cada pessoa, em seus atributos físicos, psíquicos e projeções sociais, sob pena de sanção legal.211 Deste modo, os direitos da personalidade são essenciais às pessoas humanas e garantidores de todo o âmbito individual. Assim, reafirmam-se como personalíssimos, vitalícios e intransmissíveis, em regra, necessários e oponíveis erga omnes. Possuem posição singular no âmbito dos direitos privados por protegerem valores inatos ou originários da pessoa humana e também da pessoa jurídica, como a vida, a honra, a identidade, o segredo e a liberdade.

Portanto, o direito à privacidade é dotado de caráter dúplice, conforme Edilsom Pereira de Farias, pois, além de ser um direito fundamental com reconhecida proteção pelo ordenamento jurídico, constituiu-se, ao mesmo tempo, um dos direitos da personalidade, essenciais à pessoa humana. Desta maneira, na acepção do autor, os direitos da personalidade reportam-se ao âmbito do direito civil, e foram assim perfilados, ou seja, no âmbito do direito privado, o que implicaria tensão entre os particulares. Sua esfera de atuação se estende às relações inter privato. Somente quando esses direitos da personalidade são recepcionados pela

210 PINHEIRO, José Alexandre Guimarães de Sousa. Privacy e Proteção de dados pessoais: a construção

dogmática do direito à identidade informacional. Vol. 2. Tese (Doutorado em Ciências Jurídico- Políticas) –Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito, Lisboa, 2011, p. 551-552.

211 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 8. ed., rev. aum. e mod. por Eduardo S. B. Bittar.

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Constituição, como direitos fundamentais, é que sua exigibilidade frente aos poderes públicos começa a ser reconhecida.212

Desta forma, compreende-se que ambos os direitos (fundamental e da personalidade) possuem semelhança de conteúdo, resultando em afirmação e proteção da dignidade da pessoa humana. Desta maneira, os direitos fundamentais como gênero têm a particularidade de tutelar o indivíduo de forma geral em face do Estado no polo passivo da contenda. Tutelam as liberdades públicas, já que os direitos da personalidade, como espécie dos direitos fundamentais, teriam como objetivo tutelar o indivíduo no seu âmbito privado, quando houver controvérsia com outro particular, de forma mais específica.

Assevera José Alexandre Guimarães de Sousa Pinheiro que, por meio do direito da personalidade, da proteção da vida privada, do direito à autodeterminação informacional e da proteção de dados pessoais, desenvolveram-se construções jurídicas de que a pessoa é sujeito, é titular de dados pessoais. Assim, a informational privacy e a proteção de dados visam a luta contra o conceito de “pessoa objeto” e consequências dessa concepção. Desta maneira, entre o conhecimento total, perfeito e possível de uma máquina e o conhecimento integral de um perfil pessoal, existe grande diferença, pois a máquina não dispõe de personalidade e não lhe são impostos problemas de tutela da dignidade.213

Conforme ainda o autor, a jurisprudência dos interesses é utilizada como fator de limitação da área relativamente protegida da personalidade. Deste modo, a ponderação de interesses verifica a justificação da intervenção pública, desde que presentes bens jurídicos de caráter mais elevado. A área máxima de proteção de intromissões públicas está limitada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, a partir da qual se delimita uma área cerne pessoal. Esta área aponta um perímetro inviolável à intervenção, que se verifica também como padrão de limitação de outras áreas pessoais. Desta maneira, as intervenções e pesquisas devem comportar-se de acordo com um princípio de maior limitação possível. Assevera o autor que existe uma área intangível da vida individual, livre de intervenções, que se destina a garantir o livre desenvolvimento da personalidade, como manifestação da dignidade da pessoa humana,

212 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem

versus a liberdade de expressão e informação. Sérgio Fabris Editor: Porto Alegre, 1996, p. 105-106.

213 PINHEIRO, José Alexandre Guimarães de Sousa. Privacy e Proteção de dados pessoais: a construção

dogmática do direito à identidade informacional. Vol. 1. Tese (Doutorado em Ciências Jurídico- Políticas) –Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito, Lisboa, 2011, p.136.

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justificando-se a interferência do poder público na esfera privada, desde que respeitado o princípio da proporcionalidade.214