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A arquitetura do sistema financeiro internacional

CAPÍTULO III: GOVERNANÇA GLOBAL DO SISTEMA FINANCEIRO,

3.1. A arquitetura do sistema financeiro internacional

A depender dos critérios analíticos e normativos utilizados, é possível descrever e analisar a chamada “arquitetura financeira internacional” sob múltiplos enfoques. Importa, para tanto, o peso e a relevância a serem dados aos seus atributos-chave, como a forma de constituição do órgão; o relacionamento entre os membros; os critérios de deliberação; a sua composição e a natureza predominantemente política ou técnica de seus membros; a estrutura institucional; a divisão funcional entre eles; o produto de suas deliberações; sua relação com os Estados nacionais, etc.

A literatura já aborda exaustivamente os atributos institucionais e normativos da arquitetura financeira internacional, de modo que uma revisão dessa miríade de representações não é essencial ao presente trabalho. Lastra (2006, p. 449), por exemplo, enfatiza dois aspectos da arquitetura financeira internacional no seu estudo sobre os atributos legais do sistema monetário internacional: os processos de fabricação de normas (rule making) e a natureza destas (soft law); e o marco institucional de gerenciamento de crises. Para a autora, o elemento comum a esses dois aspetos – o normativo e o institucional – reside na sua finalidade: a de assegurar a estabilidade financeira (2006, p. 450).

Para permitir a compreensão do cenário institucional da arquitetura financeira internacional, apresenta-se, de maneira concisa, a tipologia empreendida por Brummer (2012), por oferecer um panorama do seu quadro regulatório e institucional suficiente para o detalhamento das iniciativas referentes aos regimes especiais de intervenção e falência de instituições financeiras na subseção seguinte108. Em cada uma dessas, e em outras

108 Recomenda-se também o estudo de Eric Pan, que desdobra a arquitetura financeira internacional em cinco categorias, de acordo com suas características, funções e produtos regulatórios. São eles: : (i) as organizações internacionais, como o FMI, a OMC e o Banco Mundial; (ii) os grupos de contato entre Estados nacionais, como

108 representações, certamente será possível encontrar generalizações e incompletudes, dada a constelação de órgãos que se ocupam da regulação das finanças internacionais, tornando complexa a tarefa de traçar todas as relações interinstitucionais existentes e seus respectivos subprodutos, sejam eles formais ou informais sob a perspectiva do direito internacional público109.

Brummer (2011, p. 273) enxerga uma “divisão de trabalho” entre as autoridades

internacionais e nacionais que operam no espectro da regulação dos sistemas financeiros. Aos reguladores nacionais, caberia a formulação de regras domésticas inspiradas nos parâmetros normativos internacionais e a participação nos órgãos internacionais fixadores dos standards. Os formuladores dos standards internacionais serviriam como fóruns “interagência” ou, como comumente referido na literatura, transgovernmentais110. As instituições financeiras internacionais – FMI e Banco Mundial – seriam responsáveis por monitorar o progresso do cumprimento dos standards e prescrever melhores práticas aos governos (Brummer, 2011, p. 237). Quatro categorias de atores são reconhecidas: (i) as autoridades nacionais, com atribuições já mencionadas; (ii) os definidores da agenda (“agenda-setters”), instituições que definem os objetivos estratégicos amplos para o sistema financeiro internacional, especificamente o G-20 e o FSB; (iii) as organizações que elaboram os standards (“standard-

setters”), que implementam a agenda dos órgãos anteriores através da elaboração de padrões

regulatórios a serem observados pelas agências regulatórias nacionais, como o Comitê da Basileia, a IOSCO, etc.; e (iv) as instituições financeiras internacionais, únicas cujos documentos constitutivos são reconhecidos como sendo de hard law e cujas funções também foram delineadas anteriormente.

Reitere-se que o aspecto fundamental do funcionamento dessa arquitetura, como bem assinala Lastra (2006), diz respeito ao uso da soft law, que nesse caso fala a respeito tanto (i)

o G-20 e o G-8,; (iii) as redes transgovernamentais, como o FSB, o Comitê da Basileia e a Organização Internacional de Comissões de Valores Mobiliários – IOSCO; (iv) as redes bilaterais e regionais, como o Financial

Market Regulatory Dialogue (“FMRD”), dos EUA; e (v) os órgãos privados de elaboração de padrões, como a International Swaps and Derivatives Association, Inc. – ISDA e o International Accounting Standards Board –

IASB. Cf. Pan (2010).

109 Para uma reflexão sobre o papel do direito internacional público na estruturação e legitimidade da governança global do sistema financeiro, ver: Pinheiro (2011).

110 Uma das representações da governança global mais discutidas na atualidade, que envolve traços institucionais e relacionais, é a de Anne-Marie Slaughter. A jurista disseminou o conceito de “redes transgovernmentais”, consistentes em relações entre representantes de órgãos públicos governamentais abaixo do chefe de Estado e atuando de modo diferente da diplomacia tradicional, por meio de relações pessoais, troca de informações e

construção de relações de confiança (“peer-to-peer”) (Slaughter, 2004). Para uma visão “realista’ das redes

transgovernamentais e críticas à sua capacidade de gerar uma regulação fruto de um consenso genuíno de seus participantes, cf. VERDIER (2009).

109 do status jurídico das instituições que a compõem, em geral redes informais (não constituídas por mecanismos de hard law) de caráter público, privado ou público-privado (ou híbrido) e (ii) do produto de suas funções regulatórias, nomeadamente padrões, recomendações, princípios, diretrizes, declarações, comunicados e outros recursos que não são diretamente vinculantes nem sujeitas às formalidades do direito internacional público (Ferran & Alexander, 2010, p. 5)111.

Algumas reflexões teóricas sobre a regulação financeira internacional têm advertido, contudo, para a inaplicabilidade, à arquitetura do sistema financeiro internacional, das conclusões normativas das teorias tradicionais de soft law, especialmente as positivistas, que enxergam nessa ferramenta normativa uma capacidade inferior de imposição do cumprimento das obrigações estabelecidas em nível internacional com relação às alternativas de hard law (Schaffer & Pollack, 2012). Nesse sentido, o argumento principal é o de que a regulação

financeira internacional oferece um “pool de compliance” capaz de gerar alto nível de aderência

tanto entre os Estados como os atores privados, através de autodisciplina pela preocupação com a imagem e reputação, disciplina de mercado, sanções institucionais, “name and shame”, sanções econômico-financeiras e penalidades em virtude da associação (Brummer, 2011).

Cabe, por fim, esclarecer o uso do termo “regulação financeira internacional”, uma das possíveis traduções do termo “international financial law”, amplamente utilizado pelos teóricos estrangeiros desse domínio da governança global. A expressão “direito financeiro internacional” não é utilizada no Brasil para se referir ao espaço de normatização e disciplina

de condutas do sistema financeiro acima dos sistemas domésticos, razão pela qual prefere-se o

uso do termo mais consolidado, “regulação financeira internacional”.

111Giovanoli (2000) aponta que, com raras exceções (como os “Articles of Agreement” do FMI), a maioria dos standards, regras, princípios, diretrizes, códigos de conduta, melhores práticas e outros arranjos que governam as

110

Diagrama 2 – Visão geral da arquitetura do sistema financeiro internacional

Fonte: Elaboração própria, a partir de Brummer (2011).