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CAPÍTULO II: A ATUAÇÃO DO BANCO CENTRAL DO BRASIL EM TRÊS

2.1. Primeiro momento: crise bancária pós-estabilização monetária

2.1.2. Banco Nacional e o PROER

A intervenção no banco Econômico, à época o sétimo no ranking dos privados, por ativos (Vidotto, 2002, p. 112), inaugurou um clima de insegurança e apreensão com relação à saúde das demais instituições financeiras, levando o governo a editar a Resolução n° 2.208, que instituiu o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (PROER). Essa medida inaugural, que segundo Vidotto (2002, p. 115), adquiriu feições de uma carta de intenções, anunciou uma linha especial de assistência financeira para financiar gastos com a reorganização administrativa, operacional e/ou societária de instituições financeiras, dentre outras medidas.

Materializado por meio de sucessivos instrumentos legais, desde medidas provisórias até circulares do Bacen, o PROER, em seu conjunto, tinha como objetivo agilizar os

59 De acordo com matéria jornalística disponível em:

<http://www.jb.com.br/economia/noticias/2013/05/14/banco-economico-deve-r-18-bilhoes-ao-banco-central/>. Último acesso em 08.01.2014.

67 instrumentos de saneamento de instituições financeiras em dificuldade por meio da facilitação da compra, por instituições sólidas, de bancos de menor porte em situação de iliquidez ou insolvência, privilegiando-se assim a chamada “solução de mercado”. Por meio desse tipo de intervenção, a autoridade monetária injetaria ou seria garantidora de recursos utilizados pelos próprios agentes privados na aquisição ou capitalização de instituições deficientes. Para tanto, separava-se o banco a ser adquirido em duas partes: o “banco ruim” e o “banco bom”, sendo que o primeiro, formado por passivos e ativos problemáticos, ficava sob a administração direta do Bacen, que buscaria cumprir com as obrigações assumidas utilizando-se dos recursos da

venda do “banco bom”, repassado à instituição adquirente por meio de contrato de compra e

venda, e não por uma reorganização societária60.

Dentre as medidas mais importantes está a MP n° 1.179/95, posteriormente convertida na Lei n° 9.447/97, que possibilitou às instituições adquirentes de bancos problemáticos o registro, como ágio, da diferença entre o valor da aquisição e o valor patrimonial de participação societária adquirida, após o lançamento como perda dos créditos de difícil liquidação. Outro instrumento jurídico relevante foi a MP n° 1.182, de 16.11.95 que, dentre outras medidas, estendeu a responsabilidade solidária dos controladores dos bancos por eventuais prejuízos; impôs o afastamento cautelar dos envolvidos nos processos de falência sob intervenção, liquidação extrajudicial e sob apuração de inquérito administrativo; ampliou as prerrogativas do Bacen na condução dos regimes especiais de administração, como a possibilidade de realização de qualquer alteração societária e patrimonial a ampla prática de atos de gestão; autorizou o Bacen a exigir medidas de reforço patrimonial de instituições que sinalizassem possível deficiência patrimonial, reforçando a atuação de caráter preventivo do órgão administrativo na estabilização do sistema financeiro; renovou a autorização de uso de títulos ou garantias do Tesouro Nacional ou da administração federal indireta como garantia dos créditos concedidos no âmbito do PROER, dentre outras.

Segundo Vidotto (2002, p. 120), o PROER teria sido concebido com o objetivo de dar uma feição de programa mais amplo às operações de resgate que já se avolumavam e,

especialmente, para possibilitar uma “solução de mercado” para o Nacional, que à época

ocupava o quarto posto do ranking dos bancos privados, por ativos e por depósitos (Nogueira da Costa, 2012, p. 297).

60 O PROER serviu como programa de financiamento da aquisição e capitalização de diversas instituições. Dentre as três estudadas a seguir, foram liquidadas sob o modelo de cisão o Nacional, cuja parte “boa” foi adquirida pelo

68 Da mesma forma como ocorreu no Econômico, o Nacional já apresentava sinais de debilidade financeira vários anos antes de ter o RAET decretado. Seu rol de problemas incluía um complexo esquema de fraudes materializado através da manipulação das rendas geradas por

centenas de contas (as “contas 917”) e a transformação na estrutura de seu passivo, com uma

presença desproporcional de títulos de longo prazo, mais caros, em detrimento de depósitos à

vista. Com o aumento da inadimplência na “segunda” fase da implantação do Real, as perdas

do Nacional tornaram-se agudas, exigindo um maior provisionamento dos créditos em liquidação duvidosa. O Nacional passou, então, a simular renovações de empréstimos e antecipar comissões, e nenhuma dessas fraudes foi sinalizada pela empresa de auditoria independente (Nogueira da Costa, 2012, pp. 299-300).

O Bacen decretou o RAET no Nacional em 18 de novembro de 1995. De maneira semelhante ao que ocorreu no caso do Econômico, o Bacen também sofreu diversas acusações de ter agido intempestivamente em sua intervenção no Nacional. Nesse caso, contudo, o

“atraso” teria sido deliberadamente pensado de modo a permitir à autoridade a confecção e

negociação política de um marco jurídico que a amparasse nas ações que visava tomar, o que se deu a partir da edição das sucessivas medidas encartadas no âmbito do PROER (Vidotto, 2002, p. 120).

Na esteira da reforma do aparato regulatório e da formação de uma nova “rede de

segurança” do sistema financeiro, foi criado o Fundo Garantidor de Créditos (FGC), cujo

estatuto foi aprovado pela Resolução n° 2.211/95. Como entidade privada, sua função é a de gerenciar o mecanismo de seguro de depósitos, podendo, para tanto, realizar algumas operações financeiras com as instituições a ele vinculadas e ofertar garantias, de modo a auxiliar o Bacen na estabilização do sistema financeiro e no aumento da confiança dos agentes.

Nos últimos tempos, o FGC tem se destacado cada vez mais dentro da “governança das

crises bancárias” brasileiras, esta podendo ser entendida como o conjunto de instituições

públicas e privadas e das normas de administração de crises bancárias no país. Um mecanismo de garantia de depósitos pode assumir diversas funções, desde a de simples “caixa de

pagamentos” (paybox) até a de gestor ativo da massa de liquidação de bancos falidos, a

depender de sua estrutura e dos poderes que lhe tenham sido atribuídos pelo seu regime jurídico. No contexto brasileiro, o FGC tem desempenhado funções que extrapolam a mera função de ressarcimento de depósitos desde seus primórdios, mas a expansão de suas atribuições e seu

69 crise de 2008, conforme se verá mais à frente. O primeiro caso em que o FGC serviu de instrumento para o saneamento do sistema foi a venda do Bamerindus para o HSBC, abordado a seguir.