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Falências de bancos pequenos e médios e a instrumentalização do FGC

CAPÍTULO II: A ATUAÇÃO DO BANCO CENTRAL DO BRASIL EM TRÊS

2.3. Terceiro momento: crise financeira global (2007-2008) e depois

2.3.2. Falências de bancos pequenos e médios e a instrumentalização do FGC

A instrumentalização do FGC nas operações de saneamento de instituições de pequeno e médio porte no último quinquênio tem atraído bastante atenção da imprensa e já se converteu em objeto de reflexão em estudos acadêmicos (Estefani, 2011; Duran, 2012; Pinto, 2011).

86 Como se viu, o FGC foi criado no auge da crise bancária que se seguiu à implantação do Real, e desde sua fundação algumas mudanças importantes em sua governança e no seu funcionamento têm levado o fundo a atuar de maneira muito próxima ao Bacen na busca por

“soluções de mercado” para instituições financeiras ilíquidas ou insolventes.

O FGC é uma associação de direito privado que tem por objetivo prestar garantia aos titulares de créditos com as instituições associadas nas hipóteses de: decretação de intervenção, liquidação extrajudicial ou falência da associada; reconhecimento, pelo Banco Central, do estado de insolvência da associada; ocorrência de situações especiais que não se enquadram nos itens acima, mediante prévio entendimento entre o Banco Central e o FGC (Estefani, 2011, p.

33). O FGC, que tem como uma de suas missões estatutárias a “manutenção da estabilidade do sistema financeiro nacional”, pode atuar de duas maneira principais: através da garantia de

créditos (função tradicional) e pelas operações de assistência ou suporte financeiro (Ferreira, 2013).

O FGC conta com uma governança interna cujos principais órgãos são o Conselho de Administração, a Diretoria Executiva, o Comitê de Supervisão e o Conselho Fiscal. Apesar disso, o Conselho Monetário Nacional (CMN) é o responsável pela aprovação das alterações do estatuto do FGC. Uma alteração importante no estatuto do Fundo ocorreu em 2004, quando este foi autorizado a usar até 20% de seu patrimônio na aquisição de direitos creditórios de instituições financeiras e de arrendamento mercantil, na aplicação em depósito bancário com ou sem a emissão de certificado, em letra de arrendamento mercantil ou em letra de câmbio de aceite de instituições associadas81.Entre aquele ano e a crise de 2007-2008, o FGC atuou na provisão de liquidez de instituições de pequeno porte.

Durante a fase aguda da crise financeira global, novas resoluções do CMN aumentaram a capacidade do FGC de adquirir carteiras de crédito de bancos e introduziram um programa de aquisição de certificados bancários, de modo a contribuir para a redução do descasamento dos ativos e passivos de instituições financeiras82. Foi criado, também, o Depósito a Prazo com Garantia Especial do FGC (DPGE), com prazo mínimo inicial de seis meses (e máximo de 60) e aumento do limite de cobertura para R$ 20 milhões por depositante em cada banco83.

81 Resolução CMN N° 3.251, de 16.12.2004. 82 Resolução CMN N° 3.656, de 17.12.2008. 83 Resolução CMN N° 3.692, de 26.03.2009.

87 Uma função particularmente interessante que o FGC tem assumido nos últimos tempos é o de responsável pela condução dos regimes especiais de resolução de instituições financeiras, a exemplo da sua indicação, pelo Bacen, de administrador do RAET do banco Cruzeiro do Sul. Internamente, o Bacen teve respaldo jurídico para a nomeação do FGC como administrador dos regimes excepcionais por meio de um parecer jurídico emitido pela Procuradoria da instituição. No documento, a assessoria jurídica do Bacen entendeu que o FGC cumpre o requisito de

“especialização na área” (art. 8° do Decreto-Lei n° 2.321/87) e o desempenho de administrador

do RAET estaria respaldado pelos atos normativos em vigência, em especial a (Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – Lei Complementar N° 101/2005), bem como pelo seu estatuto84.

Quadro 2 – Bancos de pequeno e médio porte sob regimes especiais de liquidação ou adquiridos por outras instituições (2008-)

Banco Ativos e depósitos (%) RAET/ Intervenção Administrador do regime especial Data liq. extrajudicial Atuação do FGC

Panamericano N/D* Não houve - Não houve

Financiamento da compra pelo BTG Pactual Morada 0,01% e 0,03% Intervenção (28.04.2011) Sidney Ramos Ferreira 25.10.2011 Injeção de recursos para venda ao BMG Cruzeiro do Sul 0,22% e 0,35% RAET (04.06.2012) FGC 14.09.2012 Administrador do RAET Prosper85 0,01% e 0,01% Não houve - 14.09.2012 Intermediou aquisição pelo Cruzeiro do Sul

84 O Parecer PGBC-146/2012 consta da Revista da PGBC – v. 6 – n. 2 – dez. 2012. Disponível em: <http://bcb.gov.br>. Último acesso em 18.12.2013.

85 O Banco Prosper havia sido comprado pelo Cruzeiro do Sul antes da decretação da liquidação extrajudicial de ambos.

88

Schahin N/D Não houve - Não houve

Oferta de linha de crédito ao BMG para aquisição BVA 0,17% e 0,24% Intervenção (19.10.2012) Eduardo Félix Bianchini 19.10.2012 Negociações para transferência de controle

Matone N/D Não houve - Não houve Intermediou a

aquisição pelo JBS Rural 0,07% e 0,13% Não houve - 02.08.2013 Apenas ressarcimento de depósitos

Fonte: elaboração própria, com base em comunicados do Bacen e reportagens da imprensa. *N/D: Não Disponível.

Observa-se a partir do quadro acima que em apenas um dos oito casos, o do Banco Rural, o FGC funcionou como mero mecanismo de ressarcimento dos fundos mantidos pelos depositantes junto à instituição financeira sob regime especial. Em todos os demais casos, o fundo garantidor de depósitos brasileiro exerceu funções menos tradicionais de instituições de seu gênero, como a intermediação das negociações entre instituições financeiras adquirentes e adquiridas, por meio da prestação de garantias e adiantamento de recursos; a prestação de apoio financeiro emergencial; e a gestão do patrimônio da instituição financeira na qualidade de administrador do regime especial, como se deu com o Cruzeiro do Sul.

A atuação “complementar” do FGC na administração de crises do sistema financeiro

brasileiro e sua relação com a accountability da autoridade financeira foi analisada por Duran

(2012). Para a autora, que menciona também o trabalho de Pinto (2011), a relação “informal”, “confidencial” e não institucionalizada que vem sendo travada entre o FGC e o Bacen prejudica

a accountability política e social da autoridade monetária brasileira (Duran, 2012, p. 234). A autora menciona o fato de que o FGC, apesar de ser entidade privada, desempenha função claramente de caráter público. No entanto, como não é instituição financeira, o FGC não está sob a supervisão do Bacen, uma deficiência que a própria autoridade financeira buscou corrigir com a proposição legislativa contida no Edital de Audiência Pública N° 34/2009, analisado no item a seguir. Tal proposta de anteprojeto de lei, contudo, será substituída por outra ainda não divulgada pelo Bacen.

89 Em meio a críticas de que a assunção, pelo FGC, da função de liquidante ou interventor especial de algumas instituições financeiras pudesse gerar conflitos de interesse, o procurador-

geral do Bacen divulgou artigo em que defendia a atuação “complementar” entre o Fundo e a

autoridade na gestão de crises. Em sua visão, a própria LRF determina que “a prevenção e

insolvência e outros riscos deve ficar a cargo de “Fundos”, e outros mecanismos, constituídos pelas instituições do Sistema Financeiro Nacional, na forma da lei” (Ferreira, 2013). Assim, ao

garantir o ressarcimento de depósitos e títulos segurados e realizar operações de assistência financeira, o FGC, na visão do procurador-chefe do Bacen, estaria dando cumprimento ao mandamento da LRF.

A governança das operações realizadas pelo FGC, contudo, não retira o caráter incondicional da aprovação, pelo Bacen, nas negociações realizadas entre o Fundo e as instituições participantes. Ferreira deixa bem evidente que o Bacen, como supervisor do sistema financeiro nacional, detém a última palavra sobre a viabilidade das operações. Em suas palavras (Ferreira, 2013):

O Banco Central detém, por um lado, competência privativa para autorizar transferências de controle de instituições financeiras, bem como reorganizações societárias e alterações estatutárias. Por outro lado, compete privativamente ao Banco Central decretar regimes especiais em instituições financeiras. Em ambos os casos, as decisões da autarquia federal são discricionárias. Assim, embora o Banco Central não interfira de forma alguma nas condições negociais da concessão de assistência e de suporte financeiro pelo FGC, suas decisões em matéria de organização do

sistema financeiro podem interferir na viabilidade do negócio que o FGC pretende financiar. Faz-se necessária, assim, a existência de mecanismo de coordenação entre o Banco Central e o FGC, de modo a evitar que este último conceda financiamentos em operações inviáveis. Uma vez, no entanto, que o Banco

Central reconheça que determinada situação é especial, para fins de concessão de assistência ou suporte financeiro pelo FGC, tem o Fundo liberdade plena de atuação, segundo seu prudente juízo negocial sua política interna de governança. (destaques do original).

À vista da necessária decretação, pelo Bacen, de alguma das modalidades de regime especial (intervenção, liquidação extrajudicial e RAET) para que o FGC proceda ao ressarcimento dos depositantes e da autorização prévia da autoridade financeira para a provisão de qualquer tipo de assistência financeira pelo Fundo, Duran argumenta que o marco jurídico que rege a administração de crises no Brasil deve contemplar regras “claras, prévias e estáveis”, formuladas em conjunto com os Poderes Executivo e Legislativo, para evitar o risco moral e garantir a accountability política e social do Bacen (2012, p. 235).

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A participação “qualificada” do FGC na administração de crises bancárias no Brasil e suas implicações na “governança de crises bancárias” brasileira é um ponto que será retomado

no capítulo IV.