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Banco Bamerindus e a desnacionalização

CAPÍTULO II: A ATUAÇÃO DO BANCO CENTRAL DO BRASIL EM TRÊS

2.1. Primeiro momento: crise bancária pós-estabilização monetária

2.1.3. Banco Bamerindus e a desnacionalização

A fragilização do Bamerindus teve como causa imediata as quebras do Econômico e Nacional, quando depositantes passaram a fazer saques em grandes volumes, transferindo suas aplicações para outras instituições. No entanto, à semelhança dos outros dois bancos, o Bamerindus já tinha seu balanço comprometido mesmo antes do plano de estabilização monetária do governo, fruto de apostas arriscadas em setores industriais e de problemas de gestão (Nogueira da Costa, 2012, p. 304).

Algumas medidas de reestruturação foram negociadas com o Bacen, mas os procedimentos não foram suficientes para fazer frente à falta de liquidez do banco. O Bamerindus tentou ainda obter recursos PROER, mas como a contrapartida essencial, a perda de controle, não foi aceita, o Bacen recusou prestar a assistência financeira. Após recorrer às linhas de redesconto do Bacen e de tomar empréstimos da CEF pelo interbancário, o Bamerindus sofreu intervenção em 26 de março de 1997, data em que seu balanço patrimonial mostrava passivos a descoberto no total de R$ 3,5 bi (Nogueira da Costa, 2012, p. 305). O Bacen justificou a intervenção nos seguintes termos61:

A intervenção foi motivada pela existência de graves problemas de desequilíbrio na estrutura de ativos e passivos do Bamerindus, com reflexos negativos na sua liquidez, desequilíbrio esse decorrente da concentração em ativos de longo prazo de maturação, excesso de imobilizações e receitas incompatíveis com os custos correntes, situação agravada, nos últimos semestres, pela diminuição significativa em sua capacidade de captação de recurso, sob as modalidades de depósitos à vista e a prazo, principalmente em razão da perda de credibilidade no mercado.

O regime especial escolhido para o Bamerindus foi o da intervenção extrajudicial, e não o RAET. A escolha dessa modalidade permitiu que o FGC fosse utilizado na operação de

70 resgate, cujo método foi o da cisão, com a venda da parte boa para o HSBC, em uma operação que suscitou polêmicas quanto ao preço efetivamente pago pelo banco estrangeiro no negócio (Vidotto, 2002, pp. 130-132; Nogueira da Costa, 2012, pp. 306-307).

Como o FGC já havia sido criado, teve de assumir as obrigações do Bamerindus perante os depositantes. No entanto, como o fundo já tinha comprometido todo o seu patrimônio com outras operações do PROER, foi necessária a edição de uma Circular (N° 2.748, de 26.03.97) para permitir o financiamento da venda do “good bank” com base nos créditos do FGC, que deveriam ser pagos ao longo dos próximos anos, finalizando-se, portanto, em 2004.

A entrada oficial do primeiro banco de varejo estrangeiro no país iniciou o processo de

“desnacionalização” do sistema bancário brasileiro62. A abertura do setor bancário brasileiro à concorrência do capital estrangeiro foi conduzida através de reformas jurídicas e ações administrativas motivadas por diversos fatores de ordem micro e macroeconômica, alguns deles explícitos nos programas de reestruturação empreendidos pelo governo brasileiro e outros menos visíveis, mas igualmente importantes para o êxito da política econômica do plano estabilizador da moeda inaugurado com o Real.

No Brasil, a reserva de mercado favorável à indústria bancária nacional vigorou durante mais de meio século, com brechas apenas para a instalação de bancos de investimentos estrangeiros e de instituições financeiras que operavam no mercado de capitais (Vidotto, 2002, p. 159). A restrição para a entrada do capital estrangeiro no segmento de varejo do setor bancário local apenas foi suprimida em meados da década de 90, quando o governo, através da Exposição de Motivos N. 311, deixou evidente que havia a intenção de fazer uso mais reiterado da prerrogativa contida no Art. 52 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, pela qual o governo brasileiro poderia autorizar a instalação de novas agências de instituições financeiras domiciliadas no exterior ou o aumento do percentual de participação do capital estrangeiro nas instituições financeiras sediadas no país na hipótese

de existência de “interesse nacional”63. Referido dispositivo conferia margem de manobra ao governo brasileiro diante da condicionalidade imposta pela CF/88 para a participação do capital estrangeiro nas instituições financeiras domésticas, subordinada à edição de lei complementar

62 A autorização foi possibilitada por decreto presidencial, conforme as restrições constitucionais para entrada de competidores estrangeiros na indústria bancária brasileira.

71 que nunca chegou a ser aprovada em razão do dissenso político em torno do ingresso do capital estrangeiro no setor financeiro nacional.

No contexto das alterações estruturais e da estratégia de internacionalização do setor financeiro brasileiro empunhadas na década de 90, sob a agenda da globalização financeira e tendo como elemento básico a inserção subordinada da economia brasileira, a integração do sistema financeiro doméstico aos internacionais, traduzida na eliminação de diversas barreiras à entrada de competidores estrangeiros, bem como os estímulos à internacionalização das firmas financeiras brasileiras foram realizados tendo como discurso oficial a persecução dos seguintes objetivos64: (i) estimular a concorrência do setor bancário, forçando os bancos brasileiros a adotarem melhores práticas e ferramentas de gerenciamento interno, monitoramento e mitigação de riscos (Prates, 2010, p. 151); (ii) melhorar a oferta de crédito, com grande expectativa de redução dos spreads bancários e de alteração do perfil dos empréstimos ofertados pelos bancos privados, que deixariam de ser orientados para o curto prazo e seriam canalizados para operações de longo prazo e investimentos de alto risco e complexidade; (iii) o aumento do grau de sofisticação do sistema como um todo, através do aprimoramento institucional e da diversificação e criação de melhores produtos e serviços financeiros ofertados a tomadores e clientes em geral (Meyer, 1994); (iv) a renovação dos movimentos tradicionais de intermediação entre agentes superavitários e deficitários para abranger residentes e não-residentes em trajetórias transnacionais de capitalização aptas a servir de base para as transações produtivas externas e para a internacionalização de empresas brasileiras e o aumento dos investimentos estrangeiros nos mercados domésticos65; e (v) possibilitar ao governo o uso instrumental do sistema financeiro como ferramenta para a prevenção e gestão de crises cambiais como as que assolaram os mercados emergentes durante a década de 9066, sob o fundamento teórico de que os mercados deveriam encontrar condições estáveis para que pudessem operar de maneira eficiente nesses mercados (Goldstein, 2005).

A chamada “desnacionalização” bancária ocorrida durante o segundo quinquênio da

década de 90 concorreu, ao lado das motivações locais, para a aceleração de mudanças

64 Sobre o ingresso de bancos estrangeiros no Brasil, a internacionalização dos bancos nacionais e os efeitos desse movimento bidirecional no sistema financeiro nacional, cf. Araújo (2001); Corazza & Oliveira (2007); Freitas (2010); Costa (2001); e Rocha (2002). Sobre a posição oficial, cf. Exposição de Motivos n° 311, do Ministério da Fazenda, de agosto de 1995.

65 Mirandola (2010, pp. 138-139) agrupa os objetivos a serem atingidos pela modernização das finanças em quatro grupos: (i) aumento de competição; (ii) aumento da competitividade; (iii) maior investimento estrangeiro; e (iv) desenvolvimento institucional.

66 Apenas como referência, têm-se as crises do México (1994), das economias asiáticas (1997), da Rússia (1998), do Brasil (1999) e da Turquia (2001).

72 regulatórias norteadas por princípios erigidos no âmbito de organismos internacionais de fixação de regras e padrões regulatórios do sistema financeiro, dentre os quais se destacam os Acordos de Basileia, erigidos pelo Comitê da Basileia, órgão ligado ao Bank of International Settlements (BIS).