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2.2 Z IRALDO E A PRODUÇÃO DESTINADA ÀS CRIANÇAS

2.2.1 Características literárias

2.2.1.9 A arte de narrar através da imagem

O próprio autor assim se descreve: “Eu desenho e escrevo”. Sua literatura é uma composição entre texto e imagem. Pois, dentre todas as suas obras para crianças, a única que não tem a ilustração direta de Ziraldo é O menino do rio, embora seja seu o projeto gráfico.

A velocidade comunicativa da imagem tem aumentado o interesse dos editores, escritores e especialistas nas ilustrações dos livros de literatura. A leitura pictórica constitui-se numa comunicação mais direta e rápida do que o código verbal escrito. Principalmente no nosso país em que os hábitos de leitura são tão prejudicados por determinantes sócio- econômico-culturais. A ilustração acaba sendo mais importante do que o texto para a criança pequena e para o jovem ou adulto semi-alfabetizado.

Transmitir mensagens não é privilégio da linguagem escrita. A pictórica também conta histórias. A linguagem pictórica, num livro é literatura no sentido de que evoca a lin- guagem verbal, oral e posteriormente, a linguagem escrita. Amparada pela idéia de que não existem percepções isoladas, mas predominantes. Assim, a consolidação da linguagem na criança cria uma interpretação para as imagens representadas e estabelece relação entre elas. Numa atitude ativa, a criança compara, discrimina, descreve, recria e interpreta segundo o que já sabe. Em outras palavras, observando a relação das crianças com as imagens que os livros de Ziraldo contém, elas descobrem a imagem graças a sua experiência de mundo. As crianças aprendem, sobretudo, a se acostumar à enorme diferença que separa a realidade da sua repre- sentação num espaço em duas dimensões, submetido a critérios específicos de seleção e de organização.

As ilustrações de Ziraldo levam a noção de relatividade oferecida às crianças, fa- vorecendo o desenvolvimento de múltiplos pontos de vista e expressivamente representam a emoção. O mar de Flicts é ora azul, ora vermelho... Já vi nos desenhos das crianças lua preta, identificada como lua, por elas sem o menor preconceito.

A variedade de livros apresentados às crianças precisa incluir diferentes e bons i- lustradores para que não se formem estereótipos, principalmente como os de ilustrações de linha fechada e cor chapada. Embora conheça muito bem e trabalhe bastante com a linguagem unívoca dos quadrinhos, Ziraldo tem a preocupação de ilustrar com diferentes técnicas, permi- tindo variados pontos de observação ao leitor, favorecendo a totalidade da imagem, ele não se preocupa em simplesmente descrever o texto, acrescenta algo simbólico que pode representar o conteúdo, sem necessariamente precisar sempre da caracterização dos personagens. Como exemplo: Flicts, Além do rio, O Planeta Lilás, O menino maluquinho. A variedade e abertura ilimitada da ilustração é importante no desenvolvimento das crianças e jovens, num mundo de rápidas mudanças, onde a expressão criadora é um bem que deve ser preservado, não para a formação de artistas, mas para o pleno desenvolvimento da criança.

A variedade de técnicas enriquece as experiências das crianças: guache, anilina, lápis de cor, pastel, recorte e colagem, nanquim, quadrinhos, jogos de cenas na página sem obedecer a uma ordem do texto, brincando com o leitor e com sua imaginação, ou com uma ilustração de síntese jogando muito com os mecanismos perceptivos figura-fundo, além do traço exagerado do cartum. Estas são algumas das características do autor-ilustrador Ziraldo.

Ziraldo consegue uma identidade estrutural através de uma variedade de meios de expressão: os empregados pelo desenhista e pintor e os do poeta e humorista. O que as duas artes tem em comum? Um gosto e uma mensagem. Ele empenha sua imaginação na natureza e no comportamento do ser humano isto é, as energias da vida assumem uma qualidade religi- osa, significam a dimensão primária da experiência com as linguagens. Usa desenho, cor e forma, juntamente com as percepções para dar sentido às idéias. Narra ocorrências de energia e movimento, vinculando entre si as forças naturais dentro e fora do homem, exprime as espe- ranças, inquietudes e necessidades existentes no coração das coisas. Ambos, desenhista e es- critor se unem para revelar a natureza interpretativa.

Aquilo que o desenhista transmite numa imagem visual, o escritor completa numa linguagem verbal organizada pela unidade rítmica de conjunto, que confere aos livros harmo- nia e concordância das partes.

2.2.1.9.1 Histórias em quadrinhos

Na arte dos quadrinhos, a palavra não exerce função primordial. Não é imprescin- dível à estrutura do discurso, já que a comunicação se amplia através da imagem semiológica. A informação dá-se pela complementaridade de códigos verbais e não-verbais que exigem a participação dinâmica dos sentidos no ato da leitura. Apesar da montagem da história seguir uma ordem paratáxica, de seqüência linear, a compreensão dos significados envolve simulta- neamente o ritmo visual, as cores, movimentos, gestos, expressão corporal, linhas, desenhos, balões, a projeção plástica da sonoridade (onomatopéias mostram concretamente pensamen- tos, reações, sentimentos). Tudo isso tem efeito informacional. Além disso, a palavra valoriza o conjunto de imagens, que o artista inventa.

Sobrepondo signos e alargando as possibilidades de comunicação, as histórias em quadrinhos são portadoras de descobertas criativas e atuais, enriquecedoras da linguagem hu- mana. Essa arte proporciona não só o deleite, como também alarga os meios de comunicação.

A convivência com a sua forma de composição globalizante condiciona atos de leitura que levam a perceber direções dinâmicas e dimensões além das convencionais.

A inclusão dos quadrinhos neste subtítulo, não segue uma análise detalhada da o- bra, nem faz um aprofundamento dessa arte assimilada com tanta facilidade e popularidade pela sociedade atual, pois caberia um estudo especial que se dedicasse exclusivamente a ela.

As rápidas reflexões em torno do assunto decorrem de inúmeras propostas de lei- turas e atividades criativas através da linguagem quadrinizada que as obras do autor oferecem, pois aproximam e ampliam as variadas formas de expressão artística e de comunicação. Ziral- do em muitos livros trabalha com os recursos dessa linguagem e intertextualiza suas próprias obras, onde aparecem fragmentos de umas nas outras, textualmente ou apresentadas através da imagem.

A arte dos quadrinhos constrói-se duma multiplicidade de signos. À soma de for- mas de expressão, acrescenta-se também a palavra e determinados componentes do âmbito sonoro e gráfico-visual. É esse uso criativo de variados signos no processo dinâmico e simul- tâneo da comunicação que justifica esta reflexão.

Essa linguagem enriquece o repertório de comunicação e as formas de expressão e ajuda a criança a ler as conquistas contemporâneas, no sentido de uma linguagem completa que intercambia signos e recursos tecnológicos. Os quadrinhos evocam o dia-a-dia, a realida- de acontecendo, o dinamismo do tempo presente. A criança que sabe ler quadrinhos também saberá ler rapidamente as mensagens do mundo moderno, veiculadas através de outdoors, faixas, folhetos, imagens, luminosos, sinais, muros.

Os quadrinhos situam-se numa zona de confluência de expressões e linguagens, por isso seduzem e apaixonam as crianças. Quando elas entram em contato com histórias que propõe poeticidade, liberdade para melhor compreender o mundo da arte e da literatura, os caminhos percorridos por elas deve ser diversificado. Da poesia à literatura, da literatura aos quadrinhos, dos quadrinhos à poesia e a literatura.

Os quadrinhos do Pererê, de Ziraldo, por exemplo, revelam uma realidade interio- rana brasileira. Já os quadrinhos do Menino Maluquinho, simulam um Brasil urbano, moder- nizado, dum brasileiro comum, inserido nas dificuldades e vivências corriqueiras. Entretanto,

os episódios e as aventuras do mundo infantil garantem a transformação do cotidiano em ex- periências fantásticas e fabulosas.