• Nenhum resultado encontrado

2.2 Z IRALDO E A PRODUÇÃO DESTINADA ÀS CRIANÇAS

2.2.1 Características literárias

2.2.1.6 A morte

MENINA NINA (2002) – Este livro, fala de pessoas com quem Ziraldo conviveu

e com quem construiu a sua vida. Um pouco de sua biografia. O narrador-autor conta para os leitores uma história triste, mas, comum e aproveita para uma conversa difícil e delicada, com a sua primeira neta.

Com grande e terna força poética o autor fala da dor da partida, dos mistérios da vida e da morte, numa linguagem simples consegue falar de assuntos difíceis, de um modo delicado e cheio de esperança. Uma história da realidade, a primeira menina como persona- gem na obra do autor, tem nome próprio. Características que distinguem este livro dos demais do autor.

Em Menina Nina: duas razões para não chorar, o autor começa a história da me- nina com versos que parafraseiam Drummond. “Menina Nina amava Vó Vivi, que amava sua

menina”. O som e o ritmo da linguagem poética contemporânea não obedecem a uma única

forma ou não seguem uma receita. São versos livres que surgem do talento do autor para in- ventar novos recursos ou para reinventar os múltiplos processos utilizados, antes dele, pelos grandes poetas, ora em prosa, ora em versos. Estes recursos de som e ritmo são elementos básicos a serem utilizados num texto para crianças, pois atingem mais diretamente os sentidos ou a emoção dos pequenos. O que reforça a tese de que as atividades conectadas com experi- ências prazerosas é que prendem a atenção e são relevantes na literatura para as crianças.

Desde o nascimento da menina o autor prioriza a emoção da vovó em relação à neta, personagens que simbolizam uma relação burguesa familiar – tema constante do autor – relação que não passa pelo controle que os pais exercem com os filhos. Assim como faz Mon- teiro Lobato no Sítio do Pica-pau-amarelo, a avó, representa a orientação para a criança, sem cobranças e sem punições, uma espécie de mãe passada a limpo. “No dia em que Nina nasce,

vovó Vivi vira mãe multiplicada por duas”.

“Vovó Vivi se encanta

ao se descobrir vovó.

Por mais que

ela sonhasse,

por mais que outras vovós

lhe dissessem da alegria

que era ser mãe de outra mãe,

Vovó não imaginava

como era bom ser assim,

uma boneca que tem

dentro dela outra boneca

que tem uma outra boneca

bem dentro dela também...

Vovó é uma matriosca

- aquela boneca russa –

e acha tão bom sentir-se,

mais que menina,

um brinquedo de menina.”

O texto numa página é ilustrado na página do lado por doze bonecas russas com as carinhas alegres de quatro gerações que começaram com vovó Vivi, sua filha, sua neta, sua possível bisneta... Uma brincadeira colorida para falar de coisa séria. O livro conta a história do crescimento da menina, amores, amizades, presentes, passeios, a liberdade de brincar com coisas da avó. Simboliza a admiração que toda criança tem por algum adulto. “Eu já sei o que

vou ser quando crescer. Vou ser você, Vó Vivi.”

O autor apresenta a morte da vovó “Vovó dormia serena como viveu”. Tema pou- co explorado, na literatura infantil, como se as pessoas temessem tocar nessa realidade, como se a morte não fizesse parte da vida, como se as crianças não se defrontassem com ela. ”Nina,

você vai ter que entender, tem gente que é desse jeito: não gosta de despedidas. Não chore, Nina, não chore.”

“Ou melhor: chore bastante.

A gente afoga nas lágrimas

a dor que não entendemos”.

E a menina questiona inquieta tudo o que não pode entender, um enfoque realista de experiência concreta e sensível. Experiência marcada pela dor da perda de alguém querido, e que para a criança se torna ainda mais difícil ou não, quando certas “verdades” ainda não foram elaboradas. Os recursos narrativos que o autor utiliza como a prosa poética na conversa com a personagem tenta explicar o que é inexplicável. Fala de duas razões para Nina não cho- rar, através de palavras que compõem uma linguagem clara e sensível, sobre as crenças do que acontece depois da morte, crenças apresentadas em duas versões, uma mais realista e

pragmática “Se... – como muita gente crê - não existe despertar, nem porto, destino ou luz; se

tudo acabou de vez – acabou completamente – pode ter certeza, Nina, a vovó está em paz; não sabe nem saberá que está dormindo pra sempre"; e a outra mais atraente e fantástica, “Se, porém, depois desse sono imenso, Vovó Vivi despertar num outro mundo, feito de luz e de estrelas, veja, Nina, que barato!!! Que Lindo virar anjo. Que lindo voar no espaço!”, permi-

tindo a personagem Nina escolher a que melhor lhe convier.

A literatura, através da força expressiva das palavras, cria espaços na vida de Ni-

na, para o exercício da imaginação. Assim as relações familiares, as alegrias e as tristezas

ganham espaço na obra do autor que escreve no final do livro um breve comentário: “Rees-

crevi cada uma das palavras que usei para contar esta história, redesenhei suas ilustrações uma dezena de vezes. ... quero falar da inquieta experiência que foi ilustrar o livro... para pintar os cenários da minha própria vida.” O livro não é só uma obra que fala de assuntos

difíceis com a Nina, é também uma declaração de amor à Vivi – esposa de Ziraldo.

Menina Nina marca uma tendência da literatura contemporânea que se empenha

na representação da realidade, embora não abandone as fantasias da infância. A narrativa em primeira pessoa se apresenta na fala do narrador-personagem que dilui a distância entre o a- dulto e a criança. A arte gráfica e as ilustrações completam o texto. O realismo cotidiano pre- sente na obra é orientado por uma intenção predominantemente informativa ou didática na tentativa de explicar o fenômeno da morte.

Meninos e meninas que vivenciam a dor de Nina

Depois de ler ou de ouvir o livro Menina Nina toda criança tem algo para falar so- bre uma perda; seja de uma pessoa da família, uma simples conhecida, um vizinho ou mesmo um animalzinho de estimação. A morte não é para as crianças tema difícil e doloroso mas, como para qualquer um de nós, elas tem muito a perguntar e muito a dizer sobre o que já vi- veram ou o que já viram.

A perda da avó, para muitas crianças é tão difícil quanto a de um pai ou uma mãe, porque para muitas a vovó representa referência importante na vida da criança, pois participa do seu convívio, e tem significado para a sua existência. E a presença da avó nas histórias infantis sempre representou a magia afetiva. Este livro também está ligado tematicamente às relações familiares que abordarei a seguir.