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Questões relevantes referentes À recepção literária infantil

1.7 A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO

1.7.3 Questões relevantes referentes À recepção literária infantil

Sem dúvida, o fator determinante da estética da recepção, que mais interessa, é o descobrimento do leitor como instância constitutiva do texto artístico. Isto significa que o receptor deixa de ser considerado como simples destinatário passivo de um sentido inerente à linguagem mesma, para passar a atuar como agente ativo que participa na elaboração do sen- tido e, por ele, na construção final da obra literária, porém para que o texto possa levar a cri-

ança ao processo de produção pessoal de significados alguns elementos devem ser levados em consideração:

A evolução psicolingüística da criança nas suas diferentes etapas, para determinar como e mediante que operações se vai adquirindo a representação simbólica desde o estágio pré-linguístico até a integração social da cultura, paradigma em que está integrado o texto literário.

A incidência das diversas criações literárias infantis (tradição oral, contos mara- vilhosos, jogos dramáticos, etc.) na dimensão lúdica da infância e na aprendizagem cultural correspondente.

A estrutura da fantasia infantil, as suas diversas categorias e manifestações, assim como a sua dialética com a realidade através das diversas etapas evolutivas da personalidade, a fim de fomentar, com maior solidez, os critérios que vão reger a seleção de gêneros e textos literários, de conteúdos e de atividades didáticas.

Ver de que modo a experiência estética infantil da prática literária pode atuar como experiência vital que ajuda a construir a própria identidade do Eu.

Nível de compreensão de vocabulário e terminologias das crianças em relação aos textos, para observar a força que as palavras exercem na constituição do leitor.

Para todos esses elementos, a poética da recepção ou poética da leitura constitui a fundamentação teórica mais adequada para resolver as questões que projetam o ensino da lite- ratura infantil. Esta nova definição do texto supõe interpretar o ato de ler como uma viagem de aventuras que o leitor há de realizar através do livro, buscando sempre contínuos ajustes por intermédio da imaginação, porque as palavras lidas não podem representar referentes reais (em sentido estrito), nem transportar significados intransferíveis, pelo contrário, são enuncia- dos humanos e históricos que se apresentam sob a aparência de ficção estética e que, justa- mente por isso, torna possível que a criatividade da criança configure representações imaginá- rias que reinventem a realidade. Deste modo, os objetos reais transmutam-se em objetos ima- ginários. Tal atividade de produção de imagens constitui uma das tarefas principais do ato de leitura.

Uma vez que a escrita não se dá por acabada até que o leitor exerça a sua ação pessoal, no fazer interpretativo, de onde se cria o significado, ao ler também a criança desco-

bre a parte não formulada do texto. Outra importância chave na teoria da recepção é aquela que define a estrutura apelativa do texto: a linguagem não cobra textualidade até o momento em que é lida. O significado é um “efeito para ser experimentado” (Iser, 1999) e não um mero objeto para ser definido. Para que o significado se comporte como susceptível de ser realmen- te experimentado, isto é, para que se produza a desejável cooperação leitor/texto, é necessária a configuração apelativa da escrita, caso contrário, não se daria à possibilidade semântica de que o leitor gere significados próprios e múltiplos.

A atividade produtiva do leitor consiste em preencher os espaços vazios, criados como espaços vazios, para que, desse modo, o leitor possa apropriar-se da entidade do texto. O leitor, alfabetizado ou não, encontra-se situado, por conseguinte, perante um tipo específico de leitura, de leitura produtiva, que é possível na medida em que no texto literário, se é que é literário, sempre existe uma parte “não escrita”, isto é espaços por preencher que estimulam a ação da criança. Os mecanismos apelativos do texto – da imagem e da escrita – fazem com que a tarefa de determinar o que não está determinado, não seja uma operação fácil, dado que a escrita do texto literário apresenta uma configuração polissêmica. Mas, este risco funcional constitui um desafio de extraordinário potencial educativo, porque, mediante a superação da dificuldade, é possível ascender à construção da identidade do leitor que pratica com a lingua- gem estética e com as exigências cognitivas que a dita prática requer. Não esquecendo que o autor do texto pode, certamente, exercer uma influência considerável na imaginação do leitor.

No processo de recepção literária, é preciso ter em conta a necessidade do leitor, de ativar conhecimentos metaliterários, dos convencionalismos próprios da expressividade artística do sistema; de estabelecer correlação de diversos signos culturais. Em outras pala- vras, no processo de leitura há um contínuo contraste entre o texto que se recebe e os conhe- cimentos que já se possuem, como uma espécie de comparação contínua que permite a identi- ficação de dados e a subseqüente valorização compreensiva e interpretativa do texto. Para a adequada compreensão do texto, o leitor deve desenvolver pela prática uma série de atos que requerem habilidades e estratégias de leituras.

A estética da recepção oferece sugestões interessantes para indagar qual é (ou qual deveria ser) a participação ativa do leitor infantil nos textos literários escritos para a infância, ou naqueles textos literários que a infância se apropria, ainda que, na sua origem, não tenham sido destinados às crianças. Além disso, algumas questões teóricas apresentadas pela estética da recepção encontram um tratamento sistemático dentro da semiótica geral.