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A CRIANÇA E O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM E DO PENSAMENTO

A linguagem é provavelmente a aquisição humana mais distintiva e também a mais influente nas interações sociais e no funcionamento cognitivo por isso alguns psicólogos propuseram teorias que tentam explicar como se desenvolve a linguagem no ser humano. Teó- ricos da aprendizagem como Skinner, crêem que a linguagem é adquirida, em grande parte, através da recompensa ou reforçamento de respostas verbais, enquanto outros enfatizam o papel da imitação no seu desenvolvimento. Entretanto, os psicolingüistas, ao estudarem o de- senvolvimento da gramática ou sintaxe e da semântica têm sido muito mais estimulados e influenciados pela teoria de Chomsky. Segundo esta teoria, os seres humanos possuem um sistema inato ou pré-moldado, um dispositivo de aquisição da linguagem (LAD), que capacita a criança a processar a linguagem, construir regras, compreender e produzir uma fala gramati- cal apropriada. A maioria dos psicolingüistas afirma que nem a teoria da aprendizagem por

reforçamento, nem o treino direto ou a imitação, esclarecem o desenvolvimento extraordinari- amente rápido da compreensão e do uso da linguagem pela criança, seu domínio de regras gramaticais (sintáticas) ou sua habilidade para criar sentenças novas, originais e aceitáveis, desde muito cedo.

Embora as crianças progridam acentuadamente tanto na compreensão quanto na produção de linguagem, durante os anos pré-escolares, os mais importantes avanços sintáticos e semânticos ocorrem durante a infância. Dos 4-5 anos até os 13-14 anos, o vocabulário au- menta rapidamente, melhora o desempenho de vocalização, a sintaxe fica mais completa, é empregada a maior variedade de estruturas gramaticais e os significados atribuídos às pala- vras passam a se assemelharem aos dos adultos.

Segundo Gardner (1994), durante a primeira infância a criança busca as atividades que, para ela, tornam-se conectadas com experiências prazerosas, assim como atividades que levam a resultados que ela deseja. A criança adquire formas básicas de entendimento durante o primeiro ano de vida. Esses entendimentos são importantes para que ela possa se expressar futuramente, através do pensamento e da linguagem. Quando uma combinação de inteligên- cias em funcionamento revelar a capacidade de apreciar os significados das palavras e de “ler” imagens de objetos no mundo real, demonstrando capacidade de discriminações lingüís- ticas adequadas e de ligar os sons a objetos percebidos no mundo, a ações e sentimentos ca- racteristicamente associados, a criança então é capaz de entrar no mundo dos significados públicos da comunidade a que pertence. Entre dois a cinco anos a criança torna-se capaz de apreciar e criar exemplos de linguagem (frases e histórias), exemplos de simbolização bidi- mensional (desenhos), exemplos de simbolização tridimensional (argila e blocos), exemplos de simbolização gestual (dança) música (canções), drama (faz-de-conta) e determinados tipos de entendimento matemático e lógico. No final desse período, a criança entra na escola, pos- suindo um conhecimento inicial da simbolização.

Ainda conforme Gardner os fatores que ocorrem no desenvolvimento do pensa- mento e da linguagem da criança são denominados de fluxos, ondas e canais de simboliza-

ção18. A criança é prisioneira de suas capacidades e talentos, que podem existir já em forma requintada, mas se encontram em isolamento entre si, incapazes de serem produtivamente

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ligados, enquanto que o adulto é capaz de ter acesso consciente às suas várias capacidades, modulá-las e mobiliza-las para diversos fins.

No caso da linguagem, os aspectos sintáticos e fonológicos centrais expressam de- terminados tipos de significado e criam determinados tipos de efeitos. Para a criança o meio simbólico normal para expressar significados é através de palavras ou através de brinquedo “faz-de-conta”: linguagem e brinquedo “faz-de-conta” são os locais adequados para os even- tos estruturadores de conhecimento. Por isso, a criança muitas vezes usa uma forma relacional de simbolização até mesmo em circunstâncias onde não é adequada. Por exemplo, quando solicitada a recontar uma história com diversos personagens, uma criança de aproximadamen- te três anos de idade reduzirá os protagonistas a dois indivíduos – um representando as forças do bem e outro representando as forças do mal. Já uma criança de cinco anos que já atingiu um conhecimento incipiente de numerosos produtos simbólicos, esta idade é descrita por Gardner como a de florescimento da atividade simbólica,

é capaz de expressar-se livremente sem apreensão crítica indevida e não tem ne- nhum compromisso com produzir exatamente o que outros modelaram. Ela está dis- posta a transcender fronteiras, ligar domínios, efetuar justaposições incomuns – em suma, apresentar um pouco da experimentação e deleite que associamos ao artista maduro. É um tempo de aventurar-se (GARDNER 1994 p. 237).

Com embasamento nas experiências desses estudos sobre o desenvolvimento das inteligências e do processo pelo qual a criança desenvolve o pensamento e a linguagem é que se pode afirmar o quanto a literatura lhe é afim, exerce influência e é importante no desenvol- vimento da criança na conquista de seu espaço, de sua formação e do seu crescimento.

“a inteligência lingüística surge mesmo em indivíduos privados dos canais auditivo- orais normais de comunicação, assim como a inteligência espacial surgirá mesmo em indivíduos cegos desde o nascimento. Estes achados fornecem poderosas evidên- cias de que as inteligências são suficientemente canalizadas (no sentido biológico) para serem manifestadas mesmo na ausência de estímulos normais no crescimento. Certamente, é bem possível que as inteligências sejam direcionadas por culturas para fins extremamente diversos porém, enfim, é improvável que os potenciais humanos mais básicos possam ser totalmente distorcidos ou suprimidos” (GARDNER 1994, p 240-241).

É preciso trabalhar a criança como uma pessoa inteira, com sua afetividade, suas aptidões, suas percepções, sua expressão, seus sentidos, sua crítica e sua criatividade. Para que a criança possa ampliar seus referenciais de mundo deve trabalhar simultaneamente, com todas as linguagens (escrita, sonora, dramática, cinematográfica, corporal).

Conforme a crítica de literatura Nelly Novaes Coelho o desenvolvimento da cri- ança leitora, passa por fases que não dependem somente de sua faixa etária, mas principal- mente da inter-relação existente entre sua idade cronológica, nível de amadurecimento biopsi- quico-afetivo-intelectual e grau ou nível de conhecimento ou domínio do mecanismo da leitu- ra. Dessa forma a autora destaca as seguintes fases de desenvolvimentos para a leitura.

Dos quinze-dezessete meses aos três anos a criança inicia o reconhecimento da re-

alidade que a rodeia principalmente pelos contatos afetivos e pelo tato. É também o momento em que a criança começa a conquista da própria linguagem e passa a nomear as realidades a sua volta. É nessa fase que o mundo natural e o mundo cultural começam a se relacionar na percepção que a criança começa a ter do espaço em que vive.

A partir dos dois-três anos, fase em que começam a predominar os valores vitais

(saúde) e sensoriais (prazer ou carências físicas e afetivas); e quando se dá a passagem da indiferenciação psíquica para a percepção do próprio ser. Aprofunda-se a descoberta do mun- do concreto e do mundo da linguagem, através das atividades lúdicas. Tudo o que ocorre ao seu redor é importante e significativo. Há o predomínio absoluto da imagem.

A partir dos seis-sete anos, fase da aprendizagem da leitura, a criança já reconhe-

ce com facilidade os signos do alfabeto e reconhece a formação das sílabas. Início do proces- so de socialização e de racionalização da realidade. Nessa faze a presença do adulto faz-se ainda necessária, principalmente para decodificar os sinais gráficos e levá-la a descobrir que ela pode, sozinha, se comunicar com o mundo da escrita.

Em torno dos oito-nove anos, fase em que a criança já domina com facilidade o

mecanismo da leitura, aumenta o interesse pelo conhecimento das coisas. Seu pensamento lógico organiza-se em formas concretas que permitem as operações mentais. Há atração pelos desafios e pelos questionamentos de toda natureza.

A partir dos dez-onze anos, fase de consolidação do domínio do mecanismo da

leitura e da compreensão do mundo expresso no livro. A leitura segue apoiada pela reflexão, a capacidade de concentração aumenta, permitindo o engajamento do leitor na experiência nar- rada e conseqüentemente alargando ou aprofundando seu conhecimento ou percepção de mundo. A partir dessa fase, desenvolve-se o pensamento hipotético dedutivo e a conseqüente capacidade de abstração. O ser é atraído pelo confronto das idéias e ideais e seus possíveis valores e desvalores. É a fase da pré-adolescência.

A partir dos doze-treze anos é a fase de total domínio da leitura, da linguagem es-

crita, capacidade de reflexão em maior profundidade, podendo ir mais a fundo no texto e atin- gir a visão-de-mundo ali presente. Fase de desenvolvimento do pensamento reflexivo e críti- co, empenhado na leitura do mundo, e no despertar da consciência crítica em relação às reali- dades consagradas e agilização na escrita criativa.

Estas fases apontadas são vistas como potencialidades de leitura que podem ser aproveitados pela escola e pelo adulto para auxiliar a desenvolver as mentes e a estruturação do pensamento crítico e reflexivo na criança e no jovem na leitura de diferentes versões de mundos simbólicos.

Percebe-se também, que, quanto maior a habilidade verbal maior será a aceleração das funções cognitivas tais como memória, pensamento, solução de problemas e raciocínio, embora os processos cognitivos não sejam totalmente dependentes da linguagem. Entretanto, como esta pesquisa volta-se para a linguagem da literatura infantil, os fatos acima citados nos dão suporte para analisar as formas e os caminhos que esta linguagem utiliza para a constitui- ção do ser em formação e na democratização das mentes infanto-juvenis por meio do acesso à literatura.

1.13 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E IMAGINAÇÃO LITERÁ-