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1.7 A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO

1.7.2 A estética da recepção infantil

A teoria da estética da recepção considera como tema fundamental das reflexões que devem conformar a teoria literária, o caráter aberto do horizonte de significação da litera- tura e da ação iniludível do receptor. Em que o texto artístico oferece-se como um ponto de encontro entre o leitor e o escritor.

A criança que não tem a opção de proceder como atuante e como sujeito que cons- trói as suas transformações estético-cognitivas, precisa receber textos artísticos elaborados conforme as exigências que Umberto Eco (1983), define como “obra aberta”. Assim, o recep- tor gozará da possibilidade de buscar, permanentemente, o novo, ou poderá intervir, direta- mente, na reconstrução da síntese lingüística proposta pelo texto. A configuração textual que rege a obra aberta permite que a criança leitora, em cumplicidade com as experiências ideali-

zadas pelo autor, possa aventurar-se na conquista de novos espaços e de novos tempos; de espaços e de tempos ainda não vividos e, unicamente reservados à atividade da fantasia e da imaginação, porque a auto-realidade, criada pela escrita artística, ao não conhecer mais limites do que o derivado da sua própria condição oferece a dupla opção de transmutar o irreal em real ou de desrealizar a realidade para vivê-la novamente. Assim estimam-se como necessá- rios para a recepção infantil os textos de estrutura aberta, ou seja, os textos susceptíveis de possibilitar leituras múltiplas.

Gianni Rodari (1982), em Gramática da fantasia, soube entender, com exemplar clarividência, a ausência de limites qualitativos entre literatura infantil e literatura, o que ex- plica o fato de seus “exercícios de fantasia” e de criatividade lingüística, os seus jogos e frui- ções artísticas com a palavra provenham, segundo ele, da leitura insaciável dos clássicos e das vanguardas. A Gramática da fantasia consiste em incorporar, no mundo das aulas, as últimas descobertas da literatura: por exemplo, nos surrealistas franceses descobre a “arte de inven- tar”; na narrativa de Proust, o valor da sinestesia e da memória; na decomposição cubista, o armar e o desarmar da linguagem ou o deslocar para voltar a colocar; nos dadaístas, o humor e a maravilhosa gratuidade do jogo pelo jogo. Se queremos nos mover dentro do espaço literá- rio, não é válida qualquer agitação lingüística, nem qualquer recurso pedagógico. Na doutrina de Rodari as suas propostas didáticas de criatividade lingüística assentam em sólidos e docu- mentados fundamentos literários, começando pela sua inspiração no grande poeta alemão No- valis e continuando na teoria do “estranhamento” dos formalistas russos, na leitura da obra de Vladimir Propp ou, nos escritores do surrealismo francês.

Paralelamente a esta revalorização poética do discurso, não cabe outra alternativa senão revalorizar a investigação teórica aplicada aos textos de literatura infantil como expres- sões e comunicações estéticas. Por isso, uma vez que não se tem um modelo específico da estética da recepção infantil, a trajetória mais adequada seria a dada pela sobreposição dos paradigmas já contrastados na teoria geral da literatura, com toda a instrumentação científica e a complexidade da análise que proporcionam as aproximações estilísticas, estruturalistas, se- mióticas e da teoria da recepção. A simbiose entre literatura e infância requer, obviamente, um tratamento científico interdisciplinar, cujo itinerário teórico e investigador ainda está por se percorrer. E para isso, a fim de que não se produzam desajustes (nem conceptuais, nem metodológicos) na atuação da crítica, da pesquisa e da didática, é necessário coordenar, dentro do possível, os paradigmas da psicopedagogia e os paradigmas da estética. Pois o problema da

recepção é muito amplo: abarca a problemática da leitura e o efeito dessa leitura no receptor infantil.

Vista como um tipo peculiar de comunicação e com algumas condições pragmáti- cas bem definidas, a linguagem literária infantil requer a cumplicidade do leitor infantil. Por isso, convém levar em consideração que a escrita literária é destinada às crianças como um ato de comunicação com as crianças. Pois a personalidade deste particular leitor exige resol- ver uns problemas comunicativos bastante mais específicos do que no caso do leitor adulto. É nesse ponto que reside uma das razões que determinam, no marco da literatura geral, a especi- ficidade da literatura infantil: a criança vive uma realidade que não capta com a visão do adul- to, porque a transfigura com a sua imaginação. Se o adulto pretender transmitir-lhes a realida- de do seu ponto de vista, apenas conseguirá provocar, perante a criança, uma situação de de- sinteresse, ou então, incitará, indiretamente, a criança a mudar o sentido da mensagem, caso se estabeleça, apesar de tudo a comunicação.

É importante definir o lugar que ocupa o leitor infantil, para conhecer as necessi- dades e categorias receptivas da criança. Não há dúvida que a linguagem literária, na sua ple- nitude operativa, não é mais do que a experiência posta em prática, isto é, a experiência vivida pelo receptor. É neste espaço próprio de experimentação que confluem a epistemologia psico- pedagógica, a epistemologia da teoria literária e de todas as ciências que têm a ver, de uma ou de outra maneira com a vida do ser em desenvolvimento e do saber estético. A autonomia da literatura infantil como um domínio acadêmico delimitado por características próprias a torna um instrumento plurissignificativo, se não, uma linguagem poderosa e valiosa para o desen- volvimento de todas as potencialidades do ser humano.

1.7.3 QUESTÕES RELEVANTES REFERENTES À RECEPÇÃO LITERÁRIA IN-