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A articulação das línguas dentro e fora colégio

4 CONHECENDO O UNIVERSO DA PESQUISA: CONSIDERAÇÕES

4.2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA

4.2.3 A articulação das línguas dentro e fora colégio

Muitos alunos do colégio reportam frequentar cursos de línguas (especialmente de inglês e de espanhol) paralelamente às aulas da escola. Além disso, há outros espaços em que eles podem articular e experienciar as línguas, como os espaços virtuais, através de redes sociais e sites de busca. Entretanto, as línguas se articulam também dentro do colégio. Segundo Broch (2014), ao entrar na escola, o aluno

poderá, consequentemente, ampliar o seu repertório linguístico, através de diferentes contatos com novas línguas ou com os diferentes gêneros discursivos da língua materna, além de uma linguagem específica das diferentes áreas do conhecimento e do repertório linguístico dos professores.

Durante as observações participantes, pude registrar por meio de notas de campo alguns dos momentos que demonstram a percepção dos alunos, professores e pais perante as línguas e como as línguas se articulam dentro do colégio. Apresento algumas dessas situações a seguir:

a) Em determinado momento, estudantes jogaram um quiz no qual deveriam marcar como era a escrita de “queijo” em alemão entre as alternativas Käse,

Wurst e Saft. Mesmo sem nunca terem visto a palavra antes, eles conseguem

marcar a correta, “Käse”, pois segundo eles, era parecido com a língua portuguesa;

b) Em meio a uma atividade de escrita, em uma turma em que há um aluno novo no colégio, esse aluno compara a palavra alemã Bäckerei (padaria), com o sobrenome de um famoso jogador de futebol inglês Becker: “É igual ao inglês

Becker?” Os alunos ao redor ouvem e concordam. Eles não haviam notado isso

até o aluno perceber;

c) Durante a aula de Língua Alemã, alunos comentam que escreveram palavras em alemão na prova de inglês;

d) Ao entrar na troca de período de aula, alunos cantaram Despacito;

e) Uma professora comentou, durante as observações, ter visto estudantes conversando entre si em inglês no corredor do colégio. Segundo a professora, que ficou positivamente impressionada com a cena, “estavam falando naturalmente em inglês entre si e não estudando”;

f) Não somente os alunos, mas também professores e pais, por algumas vezes, falam em outras línguas diferentes do inglês. Ocasionalmente, professores e pais cumprimentam um funcionário do colégio falante de francês nessa língua. Já professores de inglês falam entre si geralmente em inglês e as de alemão em alemão;

g) Professoras de inglês falaram em alemão durante uma atividade realizada com todas as professoras de línguas;

h) Após o envio de questionários do mapeamento linguístico escolar para o corpo docente, professores de diversas áreas comentaram, na sala dos professores,

palavras que conhecem em alemão (“Ah, ‘bom dia’ eu sei, pois ouço a professora falando”) e, ao não conseguirem se lembrar de alguma, uma professora de língua alemã os ajuda.

Com os exemplos acima, podemos notar a presença de uma articulação de línguas realizada através de pessoas em diferentes situações. Além das pessoas, evidências materiais também podem mostrar a presença e a importância das línguas no colégio. Nesse sentido, realizei uma pesquisa sobre a paisagem linguística no colégio, procurando verificar de que modo as línguas ensinadas na instituição estão presentes nos espaços internos específicos (corredores dos três andares da instituição) que professores, colaboradores e pais frequentam. Para tanto, foram listadas 143 placas oficiais, como estátuas com nomes e placas de sinalização, e 52 placas não oficiais, como trabalhos escolares elaborados pelos alunos ou comunicados dos professores. Esse estudo foi importante para detectar a presença ou ausência de cada língua e o reflexo disso nas ideologias linguísticas da instituição. Segundo Brown (2012), o material linguístico de uma escola pode reforçar ou interromper ideologias linguísticas. Nesse sentido, a escola constitui, reproduz ou constrói ideologias linguísticas. Para a referida autora, paisagens do colégio projetam ideias e mensagens sobre o que é oficial e o que é socialmente aceito dentro de uma instituição. Ou seja, a maior presença de uma determinada língua na paisagem de uma instituição pode mostrar preferências construídas socialmente na comunidade escolar.

Foi constatado que em todas as placas oficiais do colégio há a presença da língua portuguesa em destaque e, logo abaixo, aparece primeiramente a informação em língua inglesa e, ao lado, em língua alemã. Podemos perceber uma preocupação em incluir uma diversidade linguística nessas placas oficiais. Porém, em relação às placas não-oficiais, apesar de haver presença de línguas ensinadas no colégio (alemão, inglês e português), a língua portuguesa apareceu predominantemente sozinha nas demais placas não-oficiais. Português, inglês e alemão estão juntamente presentes em 82% das placas oficiais, enquanto nas não-oficiais em apenas 2%. Ou seja, 98% de placas não-oficiais são monolíngues em português. Conforme mostra o gráfico abaixo, o português prevalece quando se trata de placas monolíngues no colégio.

Além disso, o português está presente em todas as placas multilíngues, mostrando a predominância da língua. O número de placas multilíngues é elevado,

62% (ou 119 placas) são de placas trilíngues em alemão, inglês e português. Isso reforça a situação histórica do colégio de origem alemã e mostra a valorização da instituição em relação à importância do inglês. Entretanto, a baixa presença de multilinguismo nas placas não-oficiais, como já citado, cerca de 2%, parece não ser problematizada pela instituição. O que chama a atenção, é que apesar de o espanhol ser uma língua ensinada no colégio, ele destoa quando comparado ao inglês e ao alemão, aparecendo em somente uma placa do colégio.

Gráfico 1 – Frequência de manifestações escritas em placas monolíngues e multilíngues

Fonte: elaborado pela autora, 2018

As notas de campo a respeito do envolvimento dos colegas e alunos com as línguas, da percepção das semelhanças por parte dos alunos, da paisagem linguística do colégio nos ajudaram a entender que as línguas são articuladas no colégio e fora dele pelos estudantes em momentos de descontração e/ou estudo. Também conseguimos perceber quais são as línguas com maior visibilidade no colégio, como o português que mostrou estar mais presente, seguido de inglês e alemão. Por fim, a partir da investigação sobre evidências materiais, pudemos mostrar a presença de uma diversidade na paisagem linguística em relação às línguas ensinadas no colégio.