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3 DE COVA DA MOURA À UNIÃO EUROPEIA

4.7 A Associação Cultural Moinho da Juventude e a trajetória das lutas

O volume de pesquisas e publicações em torno da história e trajetória da Associação Cultural Moinho da Juventude é vasto. Em uma ocasião, conversando com o Flávio Almada sobre a produção do discurso acadêmico concernente ao bairro e à associação, ele mencionou um número acima de uma centena de dissertações e teses, os quais estariam relacionados total ou parcialmente com o bairro Alto da Cova da Moura e a ACMJ.

De acordo com os documentos oficiais (BROCHURA DA ASSOCIAÇÃO MOINHO DA JUVENTUDE, 1995), a associação foi fundada em 1984 por um pequeno grupo de moradores e moradoras do bairro. Na esmagadora maioria das narrativas publicadas em pesquisas, nas conversas com antigos moradores ou em reuniões onde este assunto foi aferido, atribui-se o protagonismo desta iniciativa ao açoriano Eduardo Pontes e a sua esposa Lieve, psicóloga belga, o casal que viera morar no bairro em 1982.

Em um artigo recente publicado pelo jornal português, "Encontrei na Cova da Moura pessoas que tinham tempo para os outros", a Lieve comenta sobre a gênese da associação:

Com a crise do FMI [1981] era complicado conseguir trabalho e fui corrigir testes psicotécnicos. Estava muito tempo em casa e começaram a aparecer miúdos [crianças], um, depois dois, três, dez, até que tinha um grupo. Foi no nosso sótão que começou o Moinho. As crianças faziam desenhos, viam os livros, as figuras, inventávamos teatros e gostavam muito. Aos amigos que ficavam hospedadas em minha casa e queriam oferecer qualquer coisa, propus que comprassem livros infantis. Os miúdos batiam constantemente à porta a pedir livros, e assim começámos a ter uma biblioteca. Falámos com o presidente da Junta de Freguesia da Buraca, que nos cedeu uma casinha no bairro, na Rua de São Tomé, que era da comissão de moradores, e que estava vazia. Em pouco tempo estavam inscritos 700 miúdos (crianças e adolescentes). Havia três adolescentes do bairro, com 15/16 anos, que organizavam a biblioteca, que abria aos domingos das 10h00 às 13h00. Uma dessas moças é a Augusta, que trabalha agora numa casa da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) para vítimas de violência, e outra é a Isabel, coordenadora do Moinho (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, edição do dia 18 de janeiro de 2019, grifo meu).

Com efeito, ações em torno do trabalho comunitário informal com as crianças e as mulheres, bem como as lutas de mobilização reivindicando, junto ao poder municipal, as infraestruturas básicas no bairro, estão na origem da associação. Horta (2000, p. 2013)

argumenta que a trajetória (organização e o desenvolvimento) da associação pode ser separada em três etapas distintas. Sendo a primeira etapa correspondente ao período de gestação da organização com relação aos objetivos e atividades de intervenção. Uma etapa caracterizada ainda pelas ações de um grupo de pessoas motivadas a construir uma biblioteca e realizar atividades que pudessem ocupar as crianças e os adolescentes, enquanto os seus pais ou encarregados estivessem trabalhando.

A segunda etapa se refere à expansão no escopo de atividades do grupo inicial. Nesta etapa, começou-se a mobilizar a comunidade em torno dos principais interesses dos moradores. As exigências focavam na construção de infraestruturas básicas como rede de esgotos e sistema de água encanada. Foi nesta etapa que a associação foi formalizada oficialmente. Nesta senda, no dia 9 de junho de 1987, a ACMJ seria oficialmente registrada, adotando o estatuto de uma organização sem fins lucrativos e, posteriormente em 1989, a associação seria judicialmente reconhecida como uma Instituição Privada de Solidariedade Social (IPPS).

A terceira etapa, segundo a autora, está relacionada com o processo de profissionalização dos quadros de atividades múltiplas abrangendo os âmbitos cultural, social, educativo, bem como diversas atividades profissionais. Nesta etapa, o estabelecimento de uma rede de contatos nos níveis local, nacional e internacional provou-se de crucial importância para o desenvolvimento e financiamento das atividades da associação (ibid.).

Queiroz (2019, p. 134) argumenta sobre a constatação do quão indispensável é o estudo do fenômeno associativo por parte das populações migrantes na sociedade portuguesa. Aponta a omissão do estado português sobre a situação da imigração, cujo interesse somente veio a manifestar-se na última década do século XX, quando foram lançados os alicerces da política de imigração. A autora menciona a publicação de um número da Revista Migrações (2010) intitulado “Associativismo Migrante” sob a tutela do Observatório das Migrações (vide cap. 1). A então coordenadora científica do Centro de Estudos das Migrações e Relações Interculturais (CEMRI), Ana Paula Beja Horta recebeu a incumbência da organização do número temático da revista. Constata-se no discurso da antropóloga, o reconhecimento oficial do papel fundamental desempenhado pelas associações de imigrantes em várias instâncias. Ressalta a caraterística de uma multiplicidade de funcionalidades que reveste o papel das associações. Relegando a elas a importância de estruturas vitais nos processos de socialização, de reforço dos laços culturais comuns, de afirmação identitária, de solidariedades e práticas de entreajuda com relevante importância para a vida dos imigrantes face às situações de isolamento e das frequentes adversidades decorrentes do processo migratório. Admite que as organizações de migrantes se

constituem como um espaço “privilegiado” de mobilização social e política visando a defesa dos interesses dos seus membros nas sociedades de acolhimento (HORTA, 2010, p. 11 citado em QUEIROZ, 2019, p. 135).

Ora, se em 2010 propagava-se esta visão positiva em torno das associações de imigrantes (perspectiva que se tem desenvolvido de forma salutar), nos finais da década de 1980 e inícios de 1990, a situação das associações era bastante conturbada. No caso da ACMJ, os estágios iniciais foram marcados por uma multiplicidade de tensões e conflitos entre esta, a Comissão de Moradores do Alto da Cova da Moura e as autoridades municipais. Vários episódios são contados pelos antigos moradores, outros estão narrados em trabalhos acadêmicos concernentes àquele período.

Por exemplo, o episódio no qual a Câmara Municipal da Amadora exigiu aos membros da associação o recenseamento dos moradores da área ao sul do bairro, o recolhimento de contribuições e/ou força de trabalho por parte destes como requisito para instalar a rede de esgotos e água encanada naquela parte do bairro. Note-se que (como mencionamos no cap. 1) estas infraestruturas haviam sido instaladas somente nas áreas do bairro onde os moradores tinham “conhecimento”, ou mantinham relações de clientelismo com as autoridades locais. Não obstante as exigências de cariz arbitrárias, o recenseamento e a coleta das “taxas” foram realizados em uma semana. A Câmara da Amadora, por sua vez, ficou sem dar resposta aos moradores durante vários meses. A associação insistiu no contato até que percebeu que a Câmara não ia fazer nada. Posteriormente, a associação foi informada que não seria necessário nenhum incentivo financeiro nem de mão-de-obra para a realização das obras (HORTA, 2000, p. 204).

O dissenso e as contendas marcam as relações entre as associações do bairro e as autoridades municipais. Um morador contou-me que, se naquela época houvesse vontade, mesmo que fosse uma vontade mínima em minimizar aqueles constrangimentos, o bairro teria seguido outro trajeto. “Não tinha como adivinhar o que ia acontecer. Os membros da comissão de moradores conheciam as pessoas da câmara. Eles decidiam quem devia ter casa e quem não devia ter casa. Afinal estávamos todos aqui precisando de trabalho e de um teto para nos proteger do frio. Chegamos a ver famílias inteiras sendo retiradas das suas “casitas”. Eu vi gente sofrer de frio, um frio menos de dez graus centígrados. “Eu nunca vi estas pessoas da câmara se comoverem com a situação. Para eles éramos todos ‘uns pretos de merda’” (comunicação pessoal).

As acusações de desvio de caráter, as expulsões, as brigas, o desespero e o sofrimento eram aspectos comuns nas relações estabelecidas com as autoridades no intuito de garantir o mínimo de dignidade dos imigrantes que iam chegando, e o mercado de trabalho absorvia. Vale aqui lembrar que na época em questão o escudo português (moeda nacional) era 50% mais fraco que o escudo cabo-verdiano. Deduz-se que para além de enfrentar condições degradantes de moradia, situações de discriminação no local de trabalho (a própria legislação portuguesa do trabalho era discriminatória até a década de 1990), ordenados abaixo da média, os imigrantes que precisavam enviar remessas para Cabo Verde, faziam-no sabendo que a moeda portuguesa em Cabo Verde valeria somente a metade daquilo que conseguiam enviar. Por sua vez, em Cabo Verde, enquanto este dinheiro valeria literalmente a metade do que valia em Portugal, não obstante, os mesmos gêneros alimentícios ou de primeira necessidade tendiam a custar o dobro do preço ou mais do que custavam em Portugal

Depois de algumas disputas locais com a comissão de moradores, a ACMJ manifestou os planos de renovar e expandir as suas instalações. O projeto foi submetido e aprovado pelo Gabinete Municipal, que na época se encontrava em funcionamento no bairro. De acordo com Horta, a associação iniciou uma campanha de angariação de fundos com o objetivo de comprar um novo espaço no bairro. Membros da associação e moradores foram encorajados a apoiar a causa financeiramente e/ou com mão-de-obra. Os fundos também foram solicitados através de contatos com fontes internacionais, como também o apoio de grupos de solidariedade. Eventualmente, as autoridades municipais também foram incluídas nas solicitações. Assim, em 1989 as novas instalações da associação foram compradas e renovadas. Note-se que desde o início a ACMJ engajou-se deliberadamente em uma política de representação que procurava desenvolver uma base alternativa de poder político dentro da comunidade. Horta enfatiza que os membros do concelho diretivo da associação criticavam veementemente a cumplicidade entre a comissão de moradores e as autoridades municipais. Nas suas críticas reiteravam a incapacidade da associação de moradores em enfrentar as necessidades reais da população do bairro, em especial a camada mais jovem (ibid., p. 205).

O distanciamento das estratégias políticas locais era percebido como um meio de incrementar a autonomia da ACMJ. Os contatos eram estabelecidos a nível nacional e internacional. A criação de sociedades e parcerias se constituíram em estratégias privilegiadas permitindo novas formas de ação coletiva e de intervenção social. Vale lembrar aqui que a mobilidade entre os imigrantes cabo-verdianos na Europa sempre foi um fato constatado. Muitos imigrantes viam Portugal simplesmente como uma etapa da trajetória. Os países do

norte europeu sempre proporcionaram melhores salários (sendo inclusive países de acolhimento de uma parte significativa dos emigrantes portugueses). Além do mais, as redes familiares e de compadrio auxiliam na mobilização entre os familiares que vivem em Cova da Moura com outros residindo em outras regiões do continente. Outro fator importante são as condições tecnológicas que vieram facilitar os contatos entre os imigrantes na diáspora a partir do início do milénio. Cova da Moura sempre dispôs de uma parcela flutuante da população, ou seja, de imigrantes documentados que podem circular em regime de trabalho dentro do espaço Schengen. Imigrando para determinados países para temporadas de trabalhos sazonais (agrícolas), nas indústrias da construção civil e da marinha mercante.

Horta atesta que ao longo da sua trajetória, a ACMJ publicou regularmente boletins informativos incluindo artigos sobre as atividades da associação, projetos, realizações, bem como testemunhos dos indivíduos que de diversas formas colaboram e participam da agenda de atividades da associação. A grande sensibilidade manifestada em torno dos discursos mediados pelos meios de comunicação proporcionou a conscientização sobre a imagem e do papel da associação. Estas perspectivas estão presentes nas publicações feitas pela ACMJ, bem como na abertura com relação à cobertura midiática das atividades realizadas e das lutas enfrentadas.

O “Moinho da Juventude”, como a associação é referenciada, local e nacionalmente pelos moradores e pela comunicação social, geralmente é retratado como uma agência eficiente, bem-organizada e com meios e recursos. Do mesmo modo procedem os discursos das autoridades locais e estatais – Uma organização “exemplar” que estabelece um modelo de organização coletiva de base e de mudança social (HORTA, 2000, p. 206). De fato, desde a década de 1990 que a associação estabeleceu dois grandes objetivos a serem alcançados: a valorização da diferença cultural e a integração social das comunidades de imigrantes no

mainstream da sociedade portuguesa (RELATÓRIO ANUAL-ACMJ, 1994). O

desenvolvimento da comunidade social, com vistas à integração social de crianças, jovens e adultos é uma área prioritária de intervenção da associação (ESTATUTO ACMJ, 1989 citado em HORTA, 2000).

Neste contexto, as atividades realizadas pela associação sempre tiveram em vista a promoção do desenvolvimento de três áreas como pilares: a social, cultural e econômica. Durante as três décadas e meia de existência, a associação desenvolveu múltiplas atividades relacionadas com as três dimensões mencionadas que não cabem no escopo desta tese. Contudo vale mencionar as ações realizadas pelos centros de informação para os moradores do bairro (serviços de aconselhamento em torno de questões relacionadas com a habitação, emprego,

segurança social, entre outros), centros de formação (cursos de alfabetização, cursos profissionalizantes etc.). Ao nível econômico, a formação profissionalizante se tornou uma área chave e privilegiada de intervenção, sendo a maioria destes programas subsidiados pelo Fundo Social Europeu. Com relação à população infanto-juvenil foram lançados vários programas abrangendo creches, serviços de tutoria, atividades extracurriculares e acampamentos de verão. Um centro juvenil destinado à prática de várias modalidades de desporto tem atraído um crescente número de moradores jovens. Ao nível cultural, as atividades abrangem desde grupos que praticam as festividades tradicionais como grupo de batuko Finka Pé e o grupo de Kola San Jon, os grupos de rap Kriól e de dança popular (HORTA, 2000, p. 208).

No final dos anos 1990 a ACMJ empregava cerca de trinta pessoas, e oferecia serviços consolidados nas áreas: infantil e juvenil. Atualmente o quadro de funcionários da associação passa de cem pessoas. De acordo com as informações recolhidas durante a realização da última Assembleia Geral da ACMJ realizada no dia 24 de novembro de 2018, reunião na qual foram apresentadas as contas da associação para a apreciação de um conselho fiscal, os funcionários estão divididos nas seguintes categorias: educadores da infância; auxiliares de educação; agentes de educação familiar; agentes de ocupação; técnicos auxiliares de serviço social; professores; monitores; amas; técnicos superiores com diversas licenciaturas, mestrados e doutorados; operadores/peritos da experiência em pobreza e exclusão social; rececionista; cozinheiras; ajudantes de cozinha; trabalhadores auxiliares; técnico de construção civil e condução de obras. Para além destes funcionários, um número em torno de vinte e cinco voluntários e estagiários também prestam serviços e desenvolvem atividades de várias naturezas no âmbito das áreas de ação da associação.

Constata-se, em acordo com Horta (2000), Queiroz (2019), entre outros, que a grande maioria dos postos de trabalho é preenchida por pessoas que vivem ou já viveram no bairro. Vários jovens do bairro que também passaram pela ACMJ e depois fizeram um curso superior foram absorvidos pelas escolas vizinhas ao bairro, escritórios em Damaia ou Buraca, ou até por outras associações de outros bairros. Hoje a associação emprega jovens quadros superiores que cresceram com a ACMJ. Durante a sua infância e juventude frequentaram as atividades educativas, desportivas, culturais, bem como de outras naturezas, dinamizadas pela ACMJ. Estes são os casos da Bitas, Cisa, Tamirse, Mimi, Nhéla, Pêra, Hezbo’llah, do LBC, este último, atual coordenador do conselho diretivo.

Na associação as tarefas distribuem-se por uma rede alargada de valências denominadas de “serviços de proximidade” abrangendo três grandes áreas, a educativa, a profissional e a

cultural. No âmbito da educação a ACMJ administra um jardim-de-infância (o Ninho), uma creche (a Árvore), uma creche familiar (o Moinho – serviço de amas – as amas recolhem as crianças em domicílio, passam o dia com elas em casa e as devolvem no final do dia. As amas são moradoras do bairro). Esta prestação de serviço é contemplada no âmbito de um acordo com o Ministério de Solidariedade e Segurança Social. Na Assembleia Geral, discutiu-se em torno da situação das amas que, segundo o relator, está ficando grave e estagnada. Argumenta- se que com relação a promoção da infância entre os três meses e três anos, há ausência total do estado.

Ainda no âmbito educativo, existe um centro de atividades de tempos livres dividido em dois ciclos: ciclo I para as crianças entre os seis e os onze anos de idade; ciclo II para os adolescentes (CATL). Um centro de atendimento familiar e aconselhamento parental (PULO). Um laboratório de informática e um espaço de cidadania participativa operando no âmbito da prevenção da delinquência (alcoolismo e abuso de estupefacientes).

Com relação à profissionalização, a ACMJ dispõe de um gabinete de inserção profissional (GIP), dois polos de atendimento à documentação, um gabinete de apoio social (GAS) e um Balcão do Cidadão. O desporto é uma área valorizada no âmbito da ACMJ. A população infantil, jovem e adulta dispõe de um polidesportivo construído pela Câmara Municipal da Amadora e que atende a freguesia de Águas Livres. A prática de diversas modalidades como basketball, futebol de salão, atletismo, judô, e outros desportos de contato são largamente praticados principalmente pela população jovem do bairro. A questão da conscientização da prática do desporto exerce uma influência salutar na sociabilidade e na prevenção de comportamentos aditivos entre os jovens.

Ao longo da sua trajetória, a população do bairro sempre foi classificada como essencialmente jovem. Neste sentido, a grande parte das atividades realizadas pelo Moinho sempre tiveram atenção ao desenvolvimento salutar e integração social da população do bairro. No final da década de 1990, Horta (2000) já chama atenção para o número de pessoas idosas no bairro. A conscientização em torno da situação dos moradores idosos (guentis garandi – tradução literal: gente grande) resultou em atividades diversas programadas por uma equipe de voluntárias e voluntários e com a coordenação do gabinete da cidadania participativa. O Reginaldo (Pêra) confidenciou-me a problemática em uma conversa informal:

Você não imagina como existem pessoas isoladas no bairro. Estas pessoas vão ficando idosas e se isolam, isto porque, algumas delas estão sozinhas (os familiares estão em outros países trabalhando, e em alguns casos os filhos e/ou parentes contam com os vizinhos para olhar por elas). Algumas pessoas têm limitação de mobilidade e assim acabam se isolando. Eu as visito,

pergunto sobre a sua saúde, encorajo-as a sair de casa e vir para o espaço multiusos, aqui no Moinho, onde a Rosário, a Anne Marie, e outras pessoas realizam atividades, jogos, festas etc. para as entreter. Eu nasci aqui. Eu sou daqui. Sinto-me ligado ao bairro e às pessoas do bairro. Muitas coisas aconteceram aqui. As coisas boas ficam na memória, mas existem coisas más que persistem na nossa mente. Por exemplo nos anos 2000, quando a polícia chegou aqui a atirar e mataram um jovem. Atiraram pelas costas, o agente continuou trabalhando normalmente. Também existem coisas muito boas. De vez em quando levamos os mais velhos (guentis garandi) para passear. Vamos aos museus, vamos à praia, visitamos os jardins públicos etc., uma vez uma senhora falou-me durante a visita: “agora sim, agora estou a conhecer Lisboa”. Ela trabalhou de empregada doméstica por mais de quarenta anos 76.

Para além destas atividades recreativas realizadas com os idosos em uma base diária no espaço multiusos, um casal cabo-verdiano de estagiários dos cursos de Fisioterapia e Enfermagem realizaram atividades com os idosos, inclusive realizando visitas em domicílio. Ivanildo e Carina cursaram parte da sua formação em universidades de Cabo Verde. Vieram por conta própria a Cova da Moura para realizar este serviço como parte do estágio obrigatório integrante da grade curricular. Atuaram como voluntários junto à ACMJ (fig. 16).

Figura 15: Realização de atividades com o grupo inter-geracional na sala multiusos da ACMJ. Na foto, um grupo de moradores do bairro (entre estes tamboreiros e batucadeiras) são recebidos por uma psicóloga, uma enfermeira e um fisioterapeuta que atuam como voluntários. Foto: álbum do autor.

Eu mesmo, na qualidade de músico, tive a oportunidade de participar de várias ocasiões com os guentis garandi. Normalmente eu atuava como artista, tocando música tradicional de Cabo Verde, trocando experiências com aquelas pessoas, algumas das quais, nunca mais voltaram a Cabo Verde desde que imigraram. Também exibi imagens capturadas em Cabo