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3 DE COVA DA MOURA À UNIÃO EUROPEIA

3.3 Alto da Cova da Moura: uma “ilha cultural”? Sobre cidadãos,

indígenas

Desde meados do século passado, os países da Europa Ocidental (França, Alemanha, Holanda) despontaram como o principal foco de atração de mão-de-obra portuguesa. Neste sentido, a participação de Portugal na mobilidade internacional de trabalhadores envolveu os cidadãos dos ditos territórios ultramarinos dentro da lógica do império colonial, os quais circulavam entre a metrópole e os seus territórios de origem (MALHEIROS et al., 2013, p. 30).

Figura 13: Vista aérea do Bairro Alto da Cova da Moura na atualidade. No canto superior esquerdo, podemos identificar a estação de comboios Sta. Cruz Damaia. À direita, a Avenida da República circunda o bairro e, na base

Portugal possuía então cinco colónias na África, as quais foram mantidas até meados dos anos 1970. Os trabalhadores provenientes de Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Guiné Bissau eram considerados indígenas 48, enquanto, os cabo-verdianos detinham o estatuto de cidadãos portugueses. Estas diferenças legais correspondiam aos diferentes regimes de trabalho assentes na ideologia colonial, segundo a qual os indígenas eram exigidos por lei trabalhar sob contrato, e os cabo-verdianos, em teoria, detinham o direito de trabalhar como autônomos (FIKES, 2009, p. ix). Entretanto, devemos considerar o fato de o regime do

indigenato referir-se a bem mais do que a mera oposição entre trabalho contratado e trabalho

autônomo.

Antes dos anos 1960, o perfil do imigrante cabo-verdiano definido por uma elite colonial como estudantes, funcionários públicos, mineiros, carpinteiros e empregados no ramo de hotelaria, eram selecionados supostamente por serem os únicos considerados cidadãos portugueses nas colónias e por serem tipificados como racial e culturalmente próximos aos portugueses.

Entretanto, devido às condições climáticas extremas do arquipélago, as ilhas eram atormentadas por fomes cíclicas (CARREIRA, 1983; PATTERSON, 1988; TRAJANO FILHO, 1998). A administração colonial gerenciava as populações vítimas das estiagens e das fomes através de emigrações regulares com destino a várias regiões do globo. Locais que também recebiam operários portugueses pobres provenientes do continente e das ilhas de Açores e Madeira. Estes destinos incluíam a África portuguesa e a África do Sul (somente para cidadãos brancos), a Ásia (Macau, Timor Leste e Goa), as Américas e o Noroeste da Europa (FIKES, 2009, p. x).

Muito embora, os cabo-verdianos em teoria possuíssem a cidadania portuguesa, na prática nem todos podiam de fato exercer tal direito. Por um lado, somente alguns eram selecionados para trabalhar como administradores coloniais ou empresários, os quais geralmente comercializavam produtos portugueses. Por outro lado, grandes porções da população cabo-verdiana eram exportadas sob contrato compulsório para as roças de São Tomé e Príncipe. Os donos das roças, até a segunda metade do século XX, se referiam aos cabo- verdianos como cabo-indígenas. Na prática ser cidadão português ou indígena estava atrelado obrigatoriamente às necessidades administrativas e laborais do império (ibid.).

De acordo com Fikes, a identidade política dos cabo-verdianos dependia das qualidades legais inscritas nos territórios de acolhimento, na medida em que cada região exigia as suas formas específicas de documentação. Estas medidas diferenciadas acabaram por produzir uma heterogeneidade de comunidades portuguesas (cabo-verdianas) na diáspora (p. x).

Contudo, com os investimentos em obras públicas do Estado Novo, tais como a construção da rede de Metropolitano em Lisboa, da Ponte 25 de Abril, de vários viadutos e rodovias, assim como a expansão das áreas metropolitanas, criaram uma enorme necessidade de trabalhadores na metrópole. Assim nos anos 1960, Portugal receberia grande quantidade de imigrantes laborais do sexo masculino provenientes de Cabo Verde, como também, redirecionados das colónias. No início de 1970, suas esposas viriam se juntar a eles de acordo com a lei de agrupamento familiar.

Nesta senda, as exigências para recrutamento de mão-de-obra barata que suprimisse as lacunas laborais existentes no país favoreceram a vinda de uma grande quantidade de trabalhadores não alfabetizados e sem qualificação profissional para a metrópole. Estes, segundo Malheiros et al., lançariam as bases territoriais de apoio para os posteriores influxos de conterrâneos que viriam a afixar na área metropolitana de Lisboa nas décadas subsequentes. De acordo com Fikes, a tal distinção histórica presumida entre os trabalhadores imigrantes cabo-verdianos e aqueles provenientes das outras colónias portuguesas, na prática, viria a cair por terra. Pois, não demoraria muito para que os imigrantes cabo-verdianos tomassem consciência de que não seriam de fato reconhecidos como cidadãos portugueses, principalmente em Portugal.

A falácia do luso-tropicalismo sustentada pelo regime ditatorial de Antônio Salazar – de que o império era uma união plurirracial de cidadãos portugueses – seria desmascarada, na medida em que, a normatividade de atitudes segregacionistas e racistas era comum no seio da sociedade portuguesa (FIKES, 2009, p. xi).

A eclosão das lutas coloniais e as consequentes declarações de independência das ex- colónias concomitantes com as profundas transformações do regime político em Portugal em meados da década de setenta viriam a complicar em demasia a situação. Pois esta sequência de eventos envolveria a vinda de mais de meio milhão de pessoas das ex-colónias para Portugal. Além do mais, a nova administração democrática no país associava a humilhação do colonialismo tardio com o regime fascista anterior. Assim desassociando o novo governo do passado colonial nacional.

Como vimos no capítulo anterior, a grande maioria dos imigrantes africanos e seus descendentes passaram a habitar os chamados bairros de autoconstrução precária, presentes em todos os municípios da área metropolitana de Lisboa e Porto. A configuração destes bairros passou a ser conhecida como o “cinturão cabo-verdiano”. Estes bairros resultaram de ocupações de terrenos ociosos nas margens das grandes metrópoles, em outros casos de prédios abandonados em áreas urbanas degradadas etc.

Na esteira de Malheiros et al., a partir de 1975, vários fatores estão na raiz do aumento da população imigrante no país. Primeiramente, com a preponderância dos imigrantes cabo- verdianos documentados e indocumentados. Posteriormente, depois da descolonização dos territórios africanos vieram igualmente para Portugal: cidadãos das outras ex-colónias. Em alguns períodos o crescimento da população migrante era mais gradual. Em outros, mais acentuado, de modo que em 1997, de acordo com os Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, residiam no País mais de 175.000 imigrantes documentados 49, na sua maioria originários do

continente africano (2013, p. 32).

As medidas para regularizar aqueles que se encontravam indocumentados foram várias, como também os programas de habitação social, que por lei não contemplavam os imigrantes, foram se tornando mais flexíveis até que foi criado o Programa Especial de Realojamento em 1993. De acordo com Alves (2013), este foi até hoje o programa mais ousado para tentar corrigir as anomalias no caso da habitação social nas grandes cidades portuguesas.

Com o advento da adesão do país na CEE a partir de 1986, e posteriormente nos anos subsequentes da década de 1990, e 2000 um conjunto de eventos e de alterações nas geografias sociais das cidades transformaram e tem transformado muitos dos bairros etnicamente marcados dos centros das metrópoles europeias em zonas turísticas através de processos de renovação, nobilitação e gentrificação urbana (ALVES, 2013, p. 25).

Este movimento, de acordo com Keith (2002, citado em Alves, 2013), reflete uma tendência hegemônica de celebração da diversidade como argumento central na forma de pensar e de fazer a cidade na contemporaneidade ocidental europeia.

Desde os anos 1990, com o advento do multiculturalismo nas capitais europeias, mostras de música (world music), gastronomia e cultura (fusion), têm proliferado um pouco por todos

49 É interessante levar em conta que de acordo com várias associações de imigrantes e de luta contra o racismo

institucionalizado, o número de imigrantes total no país transcende significativamente os cálculos apresentados oficialmente.

os lados. Não obstante as transformações que têm ocorrido, segundo Alves, as questões sobre “raça” e racismo continuam marginalizadas ou silenciadas no debate público sobre o espaço urbano. Estes silenciamentos são marcados etnicamente e se relacionam com vetores imaginários e poderosos de pensamento e de categorização racial em ampla relação com as técnicas de governação ostensivamente objetivas e carregadas de valor sobre “raça” e urbanismo (2013, p. 26).

Hoje, do tão aclamado “cinturão cabo-verdiano”, somente alguns bairros autoconstruídos resistem na área metropolitana de Lisboa, como é o caso de Cova da Moura. De acordo com um ativista da Plataforma Gueto 50, muitos outros bairros, maiores até que Cova da Moura, foram deitados abaixo através de um modus operandi coercitivo, através de atitudes e procedimentos agressivos e cheio de lacunas. Com exemplos de casos concretos de injustiça social em nome da urbanização e da “limpeza das cidades”.

Neste capítulo, nos propomos a explorar como as estratégias de resistência protagonizadas por indivíduos, coletivos e associações através de manifestações culturais e políticas fomentadas por uma rede transnacional de contatos têm possibilitado a persistência do bairro de Cova da Moura. O bairro resiste apesar das ações frequentemente truculentas da parte dos governos locais levados a cabo em inúmeras situações de demolições e realojamentos coercitivos com apoio das forças policiais, da criminalização e ilegalidade imposta pelos meios de comunicação social através de abordagens marginalizantes. Adicionalmente propõem-se explorar como a recente valorização do bairro, da sua cultura e das suas gentes, através de um processo potente de mobilização alimentado por poderosas redes de relacionamento e de cooperação em níveis local, nacional e transnacional, envolvendo uma multiplicidade de atores (indivíduos, associações, instituições acadêmicas, artistas) tem contradito os discursos convencionais negativos impostos ao bairro pelos orgãos de governação local.

3.4 A construção do bairro Alto da Cova da Moura nos discursos acadêmicos.

No artigo “Beyond ‘Culture’: Space, Identity and the Politics of Difference”, Gupta & Fergusson (1992) argumentam que até então, as representações do espaço nas ciências tinham sido notavelmente dependentes de imagens de quebra, ruptura e disjunção, na medida em que a distinção entre sociedades, nações e culturas estava baseada em uma divisão não

problematizada do espaço, pelo fato destas entidades ocuparem espaços naturalmente descontínuos (p. 7).

A teorização das questões como contato, conflito e contradição entre culturas e sociedades, moldada a partir da premissa da descontinuidade, tem sido bastante criticada pelas vertentes pós modernista e feminista da teoria antropológica. A discussão não é recente. A realidade é que a partir da década de 1960, os trabalhos de autores como Frantz Fanon (1968 [1961];1965 [1959]) e Walter Rodney (1970) empreenderam duras críticas “ao potencial de promoção da cegueira intelectual latente” no habitus metodologicamente roteirizado da prática antropológica [colonial] (GUYER, 2013, p. 284).

De acordo com Jane Guyer, o desenvolvimento da crítica neomarxista e a possibilidade de um diálogo antropológico-histórico renovado no âmbito teórico reflete-se na obra e E.P. Thompson The making of the English working class (1963), bem como na crítica antropológica dirigida ao sistema colonial Anthropology and the colonial encounter (1973) da autoria de Talal Asad. Ainda naquela década de 1970, os trabalhos sobre os estudos feministas e pós-coloniais empreendiam críticas válidas à prática antropológica (ROSALDO, 1974; REITER, 1975; SAID, 1978 citados em GUYER, 2013).

Nos finais da década de 1980, nomes como Appadurai (1986; 1988), Anzaldúa (1987), Hannerz (1987), entre outros, despontariam com abordagens que procuravam explorar as possibilidades e limitações da ideia do “campo de pesquisas”, enquanto traziam para o centro da discussão, a conceituação das identidades profissionais e intelectuais do antropólogo. Estas abordagens procuram compensar, por um lado: as discrepâncias na adequação dos métodos e conceitos etnográficos tradicionais aos desafios políticos e intelectuais do mundo pós-colonial contemporâneo; e por outro lado: problematizar a micropolítica das práticas acadêmicas do antropólogo através do seu procedimento metodológico baseado no trabalho de campo através da observação participante (GUPTA & FERGUSSON, 1997, p. 2).

A importância da discussão, para a metodologia adotada durante a pesquisa, remete-nos ao processo de produção da diferença cultural quando esta ocorre através de um espaço conectado e contínuo, permeada por relações políticas e econômicas de desigualdade, forçando- nos a questionar o mundo político e historicamente dado onde prevalecem as concepções naturalizadas de culturas espacializadas. O nosso argumento tem menos a ver com uma visão da diferença cultural como um correlato de “povos e culturas”, cujas histórias são susceptíveis de conexão por parte do antropólogo, do que, como o produto de um processo histórico

compartilhado que diferencia o mundo na medida em que o conecta, enquanto procuramos explorar a construção das diferenças no processo histórico (GUPTA & FERGUSON, 1992, p. 16).

Se por um lado, procuramos dar conta da construção de fronteiras durante o processo histórico, através das condições impostas, tanto pelo colonialismo, como pelo mundo globalizado, por outro lado, os tempos atuais exigem que tracemos uma rota para fora da “condição de minoria”. Na ótica de Achille Mbembe, atualmente, os tempos exigem que lancemos mão do projeto de Fanon: “Je voulais tout simplement être un homme parmi d’autres

hommes” (citado em MBEMBE, 2007, p. 43).

Pois, de acordo com Achille Mbembe, a “indiferença à diferença” 51, a partir de uma perspectiva filosófica, é uma atitude revolucionária, especialmente nos tempos atuais, na medida em que, nestes termos, a diferença é concebida como um momento dialético que se desenvolve em algo mais abrangente, em prol de algo mais comum. Totalmente contrário às noções de “diferença e identidade” capturadas pelo credo neoliberal. [Difference and Identity] conceitos usados no âmbito do neoliberalismo com o intuito de despolitizar os grupos, impossibilitar as coalizões e entreter o tipo de narcisismo, sem o qual, o próprio – neoliberalismo – não se constituiria como um atrativo no âmbito da vida cultural contemporânea.

Enquanto assume que o tema é controverso, Mbembe defende a necessidade de redefinir a crítica atual das políticas da identidade e da diferença, no qual, as forças conservadoras são as mais adeptas a utilizá-las. O ator alerta sobre a ocorrência de uma virada massiva 52 nestes campos de estudo e que, as políticas de identidade e diferença não são tão progressivas como

51 Durante a apresentação da conferência “Para um mundo sem fronteiras” na Culturgest em Lisboa, dia 9 de

outubro de 2018, Mbembe interpreta esta sentença a partir de um exemplo que envolve a condição dos imigrantes africanos e descendentes na França (muitos dos quais são cidadãos franceses e nunca visitaram o continente africano), e o princípio legislativo do controle pela assimilação administrativa, desde o período colonial. Esta situação é análoga ao caso português, no qual, muitos dos indivíduos descendentes de imigrantes africanos, nascidos em Portugal, não conseguem a nacionalidade portuguesa devido à imposição legal de uma variedade de mecanismos e exigências. Sendo relegado a estes indivíduos, a nacionalidade de origem dos pais, mesmo quando não existem vínculos reais com as nações de origem dos seus progenitores. Em seu argumento, Mbembe apresenta a ideia de “um ser humano entre muitos”. Aquele que não está pedindo por nada em especial e que, entretanto, não aceita ser tratado de forma diferente dos demais (MBEMBE, in Culturgest, 2018. Disponível no endereço eletrônico: https://youtu.be/kIbY_JpzQh4).

52 De acordo com Guyer, para além das críticas empreendidas pelos estudos feministas e pós-coloniais, mais

recentemente, a antropologia passou por duas outras “viradas”: a virada linguística durante a década de 1980; e uma virada ainda em desenvolvimento, a aclamada virada ontológica (SCOTT, 2013 citado em GUYER, 2013, p. 284).

costumavam ser, digamos, durante o último quartel do séc. XX. Mbembe urge a reinvenção de outros modos de associação – other modes of comming together (MBEMBE, in Culturgest 2018).

É evidente que os debates teóricos mencionados acima não pressupõem nenhum compromisso entre os discursos oficiais e públicos produzidos em torno da formação e consolidação das populações migrantes africanas e afrodescendentes em Portugal, no que tange as relações entre conhecimento antropológico e políticas públicas.

Ana Paula Beja Horta (2000, p. 1) nos previne que as respostas do estado português à imigração são historicamente plurais e frequentemente contraditórias. A existência de uma agenda incorporando os objetivos de uma política nacional da imigração data de meados de 1990. Segundo esta autora, por um lado, as campanhas em prol do respeito ao patrimônio cultural, à luta em prol da igualdade social, pelos direitos à cidadania de todos os imigrantes e “grupos étnicos” 53 residentes em Portugal, constituem os objetivos centrais das políticas

nacionais de imigração. Por outro lado, a extensão dos direitos (rights and entitlements) aos migrantes passou a ser percebido, pelo Estado, como sendo de fundamental importância para o funcionamento de uma sociedade democrática.

Nos últimos anos de 1990, o movimento associativo dos imigrantes africanos, o movimento ativista SOS Racismo, através das mobilizações coletivas, reivindicara um pacote de medidas legais: o acesso aos benefícios e incentivos sociais; a igualdade perante a lei; a criminalização do comportamento racista; e o direito de votar nas eleições municipais. Estas conquistas legais foram viabilizadas pela política nacional sobre a imigração através de um número crescente de programas, projetos, workshops, conferências e debates públicos patrocinados nacional e internacionalmente. Para além destes atores, a igreja católica, os sindicatos, as organizações não-governamentais e os partidos políticos (abrangendo o espectro da direita à esquerda), com diferentes graus de convicção, adotaram a ideologia política oficial que então endossava as abordagens integracionistas em prol dos direitos e do estatuto dos imigrantes (ibid.).

53 Desde a década de 1980, Portugal passou a ser procurado como destino para os fluxos de imigrantes provenientes

Entretanto, é auspicioso pensar o contexto que se segue durante a primeira década dos anos 2000, levando em consideração o boom que acontece na procura por Portugal como pais de destino por parte de imigrantes provenientes de vários continentes (fig. 14).

Como podemos observar no gráfico representado na figura 14, a partir do ano 2000, a presença de cidadãos estrangeiros em situação regular em Portugal saltou vertiginosamente de 200.000 para mais de 450.000 em um período de quatro anos. Na mesma época, a população imigrante africana, considerada maioria desde 1980, perdia a sua predominância para a população imigrante do Leste europeu e entrava em declínio também em comparação com as taxas de imigração da América Central e do Sul, e da Ásia, as quais mantêm-se em ritmo crescente desde o início do milênio (cf. MALHEIROS et al. 2013, p. 31).

Note-se que as políticas sobre a imigração em Portugal, além de ser um fenômeno tardio – incluso no pacote de exigências da União Europeia – dificilmente podem ser compreendidas se não considerarmos a complexa relação entre nacionalismo, etnicidade e os processos de construção de identidade. Segundo Horta (2000, p. 26), estes aspectos funcionam como os três eixos principais que informam o debate acadêmico contemporâneo e a pesquisa nos estados- nação modernos nacionalistas e multiculturais.

Figura 14: Cidadãos estrangeiros em situação regular em Portugal, por continentes de origem, 1974-2012. Gráfico adaptado a partir de Malheiros et al. (2013, p. 31).

Isto quer dizer que a literatura nacionalista se orienta tanto através de uma perspectiva essencialista enraizada no pertencimento étnico 54, quanto pela não essencialista, a qual problematiza a nação em termos de uma construção ideológica e cultural da modernidade, ou seja: “uma comunidade imaginada” (ANDERSON, 1983 citado em HORTA, 2000, p. 26). Neste contexto, quando os discursos públicos e oficiais sobre identidade são informados a partir de um debate polarizado entre as perspectivas primordialista e instrumentalista 55, sobre pertencimento étnico e cidadania, os modelos de categorização utilizados pelas legislações oficiais geralmente tendem a ser suscetíveis de críticas devido ao carácter das suas abordagens, muitas vezes, eivado de uma dimensão essencialista e exotizante.

Com efeito, os relatórios sobre o bairro Alto da Cova da Moura publicados no âmbito dos estudos realizados pela Câmara Municipal de Oeiras (1977) e da Câmara Municipal da Amadora (1983, 1987, 1988 e 1993) foram cruciais pela construção de um discurso, muitas vezes contestado por diversos atores e pela população do bairro em geral. Entre as críticas, paira aquela que tais discursos fomentaram um processo de racialização do espaço através da denominação tendenciosa dos quarteirões africano e europeu (HORTA, 2000, p. 165).

“O bairro apresenta nitidamente dois tipos de ocupação do espaço: o quarteirão europeu e o quarteirão africano. Neste último os edifícios apropriam-se de todo o espaço intersticial o que traduz no seu sobre uso. (…) Assim o espaço público sobrante é intensamente usufruído, a rua é