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A busca por espaço e interferência no debate público

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CAPÍTULO 2 MODOS DE PENSAR

2.2 NOVAS E DIFERENTES MÍDIAS

2.2.2 A busca por espaço e interferência no debate público

Todas essas experiências se circunscrevem, como não poderia ser diferente, em um cenário de disputa – sobretudo no Brasil e seu contexto de monopólio de mídia – no campo jornalístico (BOURDIEU, 2019) e no espaço da esfera pública (HABERMAS, 2014). Bourdieu define campo como o espaço onde as relações entre os indivíduos, grupos e estruturas sociais ocorrem dentro de uma estrutura dinâmica regida por leis próprias e sujeita a disputas de poder. Nas palavras do autor, “a estrutura do campo é um estado da relação de poder entre os agentes ou as instituições engajadas na luta ou,

se preferir, da distribuição do capital específico que, acumulado no curso das lutas anteriores, orienta as estratégias ulteriores” (BOURDIEU, 2019, p. 110).

Apoiado na concepção de Bourdieu (2019) de campo como um espaço estruturado de forças sociais, em conflitos e negociações, Nelson Traquina (2013. p. 20) explica que “a aparição de um grupo de profissionais implica a aparição de um campo específico e diferenciado de relações competitivas” e que isso “significa autonomia porque a especialização significa autoridade”. Segundo Traquina (2013. p. 19), temos na modernidade, a “emergência de diferentes ‘campos’”. O jornalístico, de acordo com o autor, ganhou forma acentuada com o capitalismo e os processos decorrentes dele, entre eles, a industrialização e a urbanização. “As notícias tornaram-se simultaneamente um gênero e um serviço; o jornalismo tornou-se um negócio e um elo vital na teoria democrática; e os jornalistas ficaram empenhados num processo de profissionalização que procurava mais autonomia e estatuto social” (TRAQUINA, 2013. p. 20).

No campo jornalístico se dão as disputas por espaço material e simbólico, para a interferência na esfera pública, dela considerando a ambivalência expressa por Habermas (2014). Em Mudança estrutural da esfera pública (do alemão Strukturwandel der Öffentlichkeit, publicado em 1962), o autor expressa que a esfera pública surgiu como um espaço de discussão e crítica que, no entanto, foi dominado pelos meios de comunicação de massa e pelo poder, tornando-se um espaço de manipulação da busca por legitimidade.

Traquina (2016), referindo-se à importância do jornalismo nas sociedades, afirma que, por um lado, a atividade jornalística determina que temas estarão na agenda de preocupações da opinião pública13, e, por outro, define o significado dos

13 Há na fala de Traquina uma referência direta à hipótese do agenda-setting. Embora a ideia de que o os

meios de comunicação influenciem os temas de conversação pública seja muito antiga, foi com o estudo de McCombs e Shaw (1972) que a hipótese se tornou distinta, conforme Martin o (2014). Ele aponta que os estudiosos mediram a influência da exibição do filme The day after, que tratava das consequências de uma guerra nuclear. Antes delas o público pouco se preocupava com o tema e, depois, da exibição o tema estava em primeiro lugar na lista de preocupações. Assim, de acordo com Martino, a ideia do Agenda - Setting aponta que “os meios de comunicação determinam os assuntos discutidos pelas pessoas”, ou ainda, ”prevê que os temas da agenda da mídia definem a agenda pública”. Para dar fo rça à hipótese, Martino cita pesquisa do Centro de Estudos de Ética na Comunicação, sobre um escândalo envolvendo precatórios emitidos por um ex-prefeito de São Paulo. A pesquisa, que teve sua participação, revelou que, das 402 pessoas entrevistadas, a totalidade já havia ouvido falar de precatórios e que 100% delas tomaram conhecimento do tema pela mídia. Constatou -se também que quase 100% delas já haviam falado do assunto com alguém. “No entanto, foi introduzida uma nova variável: se todas as pessoas tinh am ouvido falar de precatórios e estavam conversando sobre o tema, era de se prever um índice considerável de compreensão. Perguntou-se então se as pessoas sabiam o que eram precatórios” (2014, p. 210) e 90% dos entrevistados disseram que sim, mas quando foi pedido que eles definissem o termo, apenas dois acertaram, “mostrando que durante alguns dias, a cidade inteira conversou sobre um assunto sem ter a mínima ideia do que estava falando” (2014, p. 210)

acontecimentos e interpretações e formas de compreendê-los, “numa luta simbólica de vital interesse” (TRAQUINA, 2016, p. 29).

Por um lado, a luta apontada por Traquina (2016), a princípio, se dá por um espaço, por um estar na pauta, por um existir material, de fato, na agenda do debate público. Por outro lado, essa disputa está além da dimensão concreta e objetiva, dando lugar à dimensão simbólica apontada pelo autor. Espaço das significações, das crenças, dos sentidos sociais e coletivos.

A digitalização do jornalismo, as novas capacidades que a internet oferece aos jornalistas na obtenção de dados e de acesso à informação, a proliferação de canais e a explosão de locais de comunicação e de informação, nomeadamente os milhares de sites no ciberespaço, a nova e potencialmente revolucionária dinâmica da interatividade, em particular entre jornalistas e fontes e jornalistas e público, as novas oportunidades de acesso aos jornalistas para as vozes alternativas da sociedade são fatores que apontam para a debilitação do controle político dos mídia noticiosos e para a existência dum campo jornalístico que é cada vez mais uma arena disputada entre todos os membros da sociedade (TRAQUINA, 2011, p. 126).

Esse campo jornalístico como arena de disputa, por diversas mídias e vozes em um espaço não mais tomado pelas mídias tradicionais (monopolizadas por grupos econômicos e políticos), é uma realidade no cenário da comunicação jornalística no Brasil, contexto em que Fábio Malini (2014) afirma que temos uma “nova Grande Mídia”14. Isso fica claro no contexto que expomos, de emergência de novas e diferentes

mídias. Assim, temos, como descrito por Traquina (2011), uma disputa de um espaço no cenário da informação jornalística, que é físico, de estar presente, e é simbólico, na busca de uma interferência no imaginário social e no debate público.

Contexto social de uma “lógica universal de competição, sustentada em informação”, como apontou Chaparro (2003), temos hoje uma tempestade de sujeitos sociais organizados discursivamente. Muitos falantes, em discursos organizados, representando segmentos sociais dos mais diversos. Neste panorama de disputa, as ações discursivas, não materiais, de significado dos acontecimentos, são de vital

14 O estudo de Fabio Malini, “A nova GRANDE MÍDIA: a ecologia midialivrista brasileira no

Facebook”, trata de um experimento divulgado por Malini, em 2014, no qual ele cria uma fanpage no Facebook para interagir com sites que se destacam no relato dos protestos brasileiros e seleciona 300 canais do Facebook que divulgam informações midialivristas. Tudo isso, para conseguir visualizar o que ele chama de “a quase integralidade da nova Grande Mídia”. Para Malini, “essa Grande Mídia chegou para se antagonizar com grande parte dos setores dos veículos de comunicaçã o de massa, mas, principalmente, para construir uma narrativa de dentro das manifestações, disputando o passado com as narrativas tradicionais da imprensa”. Disponível em:

<http://www.labic.net/cartografia/a-nova-grande-midia-a-ecologia-midialivrista-brasileira-no-facebook/>. Acesso em: 24 de jun. 2019.

importância, como defende Traquina (2011). Estamos em um mundo globalizado, interconectado, onde, cada vez mais, os sentidos superam a materialidade. O valor, o impacto, as interferências, se dão mais pelos significados do que pelo que são de fato.

Assim, a credibilidade e a confiança surgem nesse terreno como os valores mais fortes e preponderantes nas dinâmicas sociais, mesmo com tantas mutações. As novas e diferentes mídias que emergem no Brasil e que se posicionam como produtores de conteúdos jornalísticos estão nessa busca por interferência na esfera pública, por meio da busca de leitores (já que a maioria conta, pelo menos em parte, com a sua contribuição financeira), e, mais que de sua atenção, de sua confiança (LISBOA; BENETTI, 2015). As mídias independentes estão disputando o campo da produção da notícia com a mídia tradicional, em processos, como o atual, com o The Intercept Brasil e a operação Lava Jata (que tratamos no primeiro capítulo), se colocando no centro do debate social e político sobre a produção da notícia na esfera pública.15

Sobre essa disputa, com relação à Mídia Ninja, Cláudia Rodrigues e Aline Baroni (2018, p. 610), ancorando-se nos conceitos de Bourdieu, afirmam que o coletivo “disputa a produção do discurso do verdadeiro com a mídia hegemônica e também busca legitimar-se como uma mídia detentora de poder simbólico, que termina por também disputar o capital econômico”, embora os estudos sobre o midiativismo, como os de Ivana Bentes (2015), defendam que “o midialivrismo-ativismo presta-se mais aos afetos e menos a uma disputa de sentido e ‘verdade’”.

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