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Nova paisagem midiática

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CAPÍTULO 2 MODOS DE PENSAR

2.2 NOVAS E DIFERENTES MÍDIAS

2.2.1 Nova paisagem midiática

A grande mídia brasileira tardou a ingressar no ambiente digital e custa a lidar bem com o cenário multiplataforma. “As empresas jornalísticas têm de mudar seu jeito de ser. A velha fórmula se esgarçou. Vale apenas e ainda para o produto impresso. Não funciona para o produto digital”, avalia Caio Túlio Costa (2014, p. 54). Em estudo que se propõe a apresentar um caminho para os negócios jornalísticos digitais, o autor afirma que esta indústria precisa se reinventar no mundo digital, “sem perder sua capacidade de investigar e produzir um jornalismo independente, abrangente e crítico em relação aos centros de poder” (COSTA, 2014, p. 58). Ele diz que a indústria do jornalismo, em todo o mundo, seja por problemas geracionais, de negócios ou de competência, levou muito tempo pra entender o momento disruptivo, com o digital.10 O

autor afirma que nos Estados Unidos, com cerca de 30% a menos de empregos nos jornais em uma década, chega-se a apontar a disrupção como tão profunda, a ponto de ameaçar o futuro da própria democracia.

Enquanto a grande mídia brasileira patinava para a apropriação desse ambiente digital , com suas novas possibilidades de negócios e de produção, novos atores sociais surgiam com diversas iniciativas de mídias jornalísticas nesse cenário, cujo elemento mais disruptivo, como aponta o estudo “Jornalismo Pós-Industrial: adaptação aos novos tempos” (ANDERSON, BELL, SHIRKY, 2013) já citado por nós no item anterior deste capítulo – considerado por Costa (2014, p.63) como o “mais abrangente já realizado sobre a nova realidade do jornalismo” –, é o de combinar “modelos de meios e de comunicação num único canal”, dando fim ao jornalismo industrial.

A pesquisadora Roseli Figaro (2018, p.17) acredita que “a crise do modelo de empresa jornalística, a destituição de postos de trabalho e a reestruturação dos processos produtivos colocam em cheque (desarranjam) o futuro do exercício da profissão de jornalista e o jornalismo como o conhecemos”. A autora considera o que denomina “arranjos de trabalho de jornalistas” a face reveladora neste contexto econômico e político.

10Costa (2014) explica que o a palavra disruptivo, que vem do latim, significa despedaçar, romper,

destruir e tem sido amplamente usada no ambiente digital para definir a interrupção do curs o de algum processo em tempos de permanentes mudanças tecnológicas.

Como forma de sobrevivência na profissão, como alternativa para a realização profissional e cidadã que os grandes conglomerados de mídia não podem oferecer, profissionais do jornalismo organizam-se, formam coletivos, associações, pequenas empresas e outras formas criativas de organização para poderem trabalhar (FIGARO, 2018, p. 18).

As oportunidades de trabalho para os jornalistas nas empresas tradicionais de mídia estão cada vez mais escassas, o que leva esses profissionais a uma migração para blogs, redes sociais e toda a forma de mídias alternativas, de acordo com estudo de Cláudia do Carmo Nonato Lima (2015), integrante do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho (CPCT) da Universidade de São Paulo (USP), coordenado por Figaro. Para ela, além da possibilidade de trabalho, nesses novos ambientes, talvez seja possível uma prática jornalística mais livre do mercado publicitário e das hierarquias e posições políticas da grande mídia. A importância dessas novas mídias já é amplamente reconhecida. Como afirma Figaro, “a experiência desses arranjos está sendo observada por inúmeros instituições de diferentes perfis: universidades, fundações, bancos, conglomerados de mídia, porque todos sabemos do potencial que eles têm em relação ao que se projeta para o futuro do trabalho no jornalismo” (FIGARO, 2018, p. 15).

Essas novas e diferentes mídias, que emergem, em particular no ambiente midiático brasileiro, não são de fácil enquadramento classificatório e/ou denominativo, como no caso do ambiente digital em que elas emergem, que apontamos no item anterior. Aqui, definições estão longe de ajudar muito. A expressão arranjo produtivo é utilizada por Figaro (2018) como uma maneira que ela encontrou para denominar essas mídias. Em pesquisa publicada recentemente, tendo como ponto de partida o Mapa de Mídia Independente da Agência Pública (mencionado no primeiro capítulo desta tese), Figaro afirma que optou por se referir a essas jovens mídias como arranjos econômicos alternativos às corporações de mídia.

A noção de arranjos econômicos, segundo a autora, se aproxima da noção do que a literatura da área econômica chama de arranjos produtivos locais (APL), tendo em vista que, com a diminuição de postos de trabalhos, as pessoas buscam arranjar-se em outros grupos para exercer suas atividades profissionais de forma autônoma. Figaro, faz referência a Wilson Suzigan, na tradição dos estudos italianos, onde os arranjos econômicos podem ser definidos como “aglomerações produtivas cujas articulações entre agentes locais não são suficientemente desenvolvidas para caracterizá-los como

sistemas” (apud FIGARO, 2018, p.19). A partir de um deslocamento dessas perspectivas, a autora destaca:

a possibilidade de que micros e pequenas empresas, organizações não governamentais, organizações da sociedade civil, coletivos e outros grupos de trabalhadores da comunicação e do jornalismo possam representar efetiva alternativa de trabalho e de produção de um serviço de qualidade por seus vínculos e compromissos com a democratização dos meios de comunicação e com a sociedade (FIGARO, 2018, p. 20). Em um trabalho que investiga 70 novas mídias na Grande São Paulo, no que diz respeito às relações de comunicação e as condições de produção, desses arranjos produtivos, a autora destaca:

[...] os novos arranjos econômicos do trabalho do jornalista podem se configurar, na região da Grande São Paulo, em uma rede de troca de experiências, apoios e solidariedade em prol da produção de um serviço fundamental para a democracia em nossa sociedade. Podem, com isso, comprovar que o jornalismo está para além das estruturas e lógicas dos grandes conglomerados de mídia (FIGARO, p. 19).

Há, no entanto, novas e diferentes mídias no próprio mapeamento de mídia independente no Brasil realizado pela Agência Pública e utilizado pelo estudo de Figaro, que nascem, por exemplo, numa cultura de startups. É o caso das mídias Jota e Nexo Jornal (que compõem o corpus de nossa análise neste estudo). São novos modelos de negócios digitais, que empregam predominantemente jornalistas, muitos com expertise em mídias tradicionais, por vezes com produção de conteúdos em áreas específicas, ou ainda inovando nos formatos e abordagens narrativas. Estas mídias – embora se circunscrevam no contexto acima descrito –, em um olhar mais aproximado, não parecem vindas de um processo de improviso, desarranjo, nem tampouco um lugar para onde jornalistas migram por conta de falta de opções de trabalho. Pelo contrário. Olívia Fraga, editora executiva do Nexo Jornal, afirmou em entrevista para esta pesquisa,11 que a jovem empresa, criada em 2010, recebe currículos de pessoas se

oferecendo para começar a trabalhar sem remuneração inicial. São currículos de profissionais que optariam por trabalhar lá por uma identificação com o projeto editorial e com a empresa, e não necessariamente por falta de emprego em mídias tradicionais.

De acordo com a lógica da cultura global de startups, Daniela Bertocchi, considera que o jornalismo, nessa cultura, representa um tipo de jornalismo empreendedor pós-industrial, e “se destaca por adotar uma visão sistêmica da

11 Entrevista gravada com a editora do Nexo Jornal, Olívia Fraga, concedida para a pesquisa no dia 21 de

comunicação que ultrapassa a monotonia das empresas informativas tradicionais”. Essas iniciativas procuram “inaugurar um modelo singular, inédito e visionário de negócio, promovendo rupturas em suas diversas camadas: equipes, estratégias, processos, formatos narrativos, audiências e tecnologias” (BERTOCCHI, 2017, p. 112). Ela explica a diferença deste tipo de mídia:

Ou seja, sem ser mais um galho novo na mesma árvore, criar uma startup de jornalismo não significa “sair da redação” e abrir um negócio de jornalismo digital (ou se tornar freelancer) como forma de sustento alternativo diante da falta de empregos nas empresas de mídia tradicionais. Para além disso, as startups de jornalismo são empresas que desbravam uma trilha inovadora (e de alto risco) para resolver problemas reais da sociedade. Precisam se adaptar velozmente ao longo da jornada para concretizar tal inovação, isso antes mesmo de gerar lucros (BERTOCCHI, 2017, p.113).

A pesquisadora considera que, no Brasil, este tipo de jornalismo está em “um estágio experimental de caráter probatório”. Nele, pequenas empresas são criadas com o “espírito e cultura de startups, sem passar pelas três fases comuns às startups globais. “[...] não necessariamente apresentam modelo com potencial inovador; dificilmente recebem investimentos agressivos para escalar de forma global; e, por consequência, ainda não inauguram de fato um novo mercado informativo” (BERTOCCHI, 2017, p. 113).

Francisco Sant’anna (2009), jornalista do Senado Federal, em seu doutoramento em comunicação pela Universidade de Brasília (UnB), cunhou a expressão mídia das fontes, para fazer referências às novas e diversas mídias brasileiras com origem em assessorias de imprensa. São novos atores que se diferenciam das tradicionais mídias. Novos veículos informativos são ofertados ao público por organizações profissionais, sociais, e, inclusive, por segmentos do Poder Público. São mídias mantidas e administradas por atores sociais que, até então, se limitavam a desempenhar o papel de fontes de informações.

Igrejas, sindicatos, partidos, organizações e setores do poder público, que antes brigavam por um espaço nos veículos tradicionais, na busca de interferências no espaço público e nas dinâmicas políticas, partiram, por si só para a criação de suas próprias mídias. Foram construir outras formas de falar com os seus públicos, sem intermediários, em busca de visibilidade pública, interferência no processo de construção da notícia e na formatação do imaginário coletivo, que só é possível, se a organização estiver inserida no espaço midiático. O autor afirma que a “sociedade brasileira conta atualmente com uma diversidade midiática pouco conhecida em outros

cantos do planeta”. Para ilustrar isso, Sant’Anna aponta como exemplos, mídias do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, do Exército, da Justiça da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembléias Legislativas estaduais. E ainda várias outras no campo das entidades de classe, universidades públicas, privadas, e movimentos socias diversos. Isso sem falar da estrutura midiática dos segmentos religiosos. A Igreja Universal do Reino de Deus, conforme traz o autor, possui o semanário de maior tiragem do país. Em 2004, a Folha Universal tinha uma tiragem de 1,728 milhão de exemplares por edição semanal, maior que, por exemplo, a Folha de S. Paulo (SANT’ANNA, 2005, p. 4).

Manuel Carlos Chaparro (2003) reconhece as profundas transformações vividas pelo jornalismo, notadamente marcadas pelos avanços tecnológicos, em um processo que descreve como revolucionário, chamado por ele de profissionalização das fontes, ou revolução das fontes.12 Este fenômeno brasileiro (mais marcante nos processos

jornalísticos dos últimos vinte anos) diz respeito à presença de jornalistas profissionais nas fontes, lugar tradicionalmente desprestigiado nos processos jornalísticos, quase ausente nos dicionários e manuais da área. O Brasil, sempre de acordo com o autor, começou a implementar, “[...] em 1980, a ruptura entre a assessoria de imprensa e suas raízes de relações públicas, criando e consolidando uma experiência de assessoria de imprensa jornalística única no mundo” (CHAPARRO, 2003, p. 47). De sujeito passivo, à espera de serem acionadas pelos jornalistas, as fontes se capacitaram – com a presença dos jornalistas – para interferir na pauta da grande mídia, e mais que isso, para falar por suas mídias próprias ao seu público de forma direta. São agora novos falantes, sujeitos institucionalizados, na disputa de espaços no debate público, ampliando a oferta de mídias e de pontos de vista.

As fontes deixaram de ser pessoas que detinham ou retinham informações. Passaram a ser instituições produtoras ostensivas dos conteúdos da atualidade – fatos, falas, saberes, produtos e serviços com atributos de notícia. Pensam, agem e dizem pelo o que noticiam, exercitando aptidões que lhes garante espaço próprio nos processos

12 Chaparro (2014, p. 56-57) afirma que é preciso atualizar o conceito de fonte: “No final da década de

50, quando comecei a ser repórter, ensinaram-me a chamar de fonte as pessoas que tinham as informações que me interessavam. Continuam a ser isso, fontes de suprimento de informações que interessam aos repórteres. Mas aquelas eram fontes passivas, defensivas. Precisavam ser conquistadas, quando n ão agredidas, para que dissessem o que sabiam. As coisas mudaram. As fontes tornaram-se entidades organizadas, interessadas e preponderantes, mesmo quando n ão aparecem. Agem politicamente, de preferência nas reportagens de denúncia, nas quais, com frequência, para o púbico, as informações decisivas têm origem anônima”.

jornalísticos, nos quais agem como agentes geradores de notícias, reportagens, entrevistas e até artigos (CHAPARRO, 2003, p. 49). Com interface com o primeiro eixo de mudanças apontadas por Pereira e Adghirni (2011), na produção jornalística, Chaparro (2003) afirma que vivemos em uma dinâmica de produção ostensiva e descentralizada de conteúdo. As mídias tradicionais, marcadas pela estrutura de monopólio no Brasil, deixam de ser as fundamentais produtoras de notícias e fontes de informação. Com a convergência das mídias e a emergência da web, setores marginais, pessoas e jovens passam a ganhar formas de manifestação de seus fazeres e dizeres, ampliando e democratizando a produção e o consumo de informação.

Essa qualificação das fontes como produtoras de conteúdos jornalísticos faz parte desse mundo novo com experimentações vitoriosas de democracia, civismo, mercado e tecnologia, em misturas que dinamizaram uma lógica universal de competição sustentada em informação. Neste contexto, diz o autor, noticiar tornou-se a forma mais eficaz de agir e interferir na realidade. “Nos rumos da democracia, o mundo mudou, institucionalizou-se, bem como os interesses, as ações, as próprias pessoas. Globalizaram-se os processos, as emoções e, sobretudo, os fluxos e circuitos da informação” (CHAPARRO, 2003, p. 33).

Como se percebe, várias destas novas iniciativas de mídias digitais (alternativas à mídia tradicional), como se vê no próprio Mapa do Jornalismo Independente realizado pela Agência Pública, surgem de experiências em mídias das fontes, conforme perspectivas apresentadas por Sant’Anna (2005) e Chaparro (2009), ou em movimentos culturais e sociais e suas experiências e buscas em se comunicar com os seus públicos e com a sociedade. A experiência da Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação), uma das mídias independentes mais expressivas no cenário brasileiro, que abordamos nesta pesquisa, mostra essa relação. Como vimos no primeiro capítulo, os Ninjas nasceram dentro do movimento cultural Coletivo Fora do Eixo, e da sua experiência em assessoria musical “iniciada em 2005 por produtores e artistas de estados brasileiros fora do eixo Rio-São Paulo, inicialmente focada no intercâmbio solidário de atrações musicais e conhecimento sobre produção de eventos”

(LORENZOTTI, 2014, p. 7). Inicialmente enquanto comunicação do Fora do Eixo, os Ninjas eram agora “um grupo de comunicação amplo e descentralizado, a fim de explorar as possibilidades de cobertura, discussão, repercussão, remuneração e da radical liberdade de expressão que a rede oferece” (LORENZOTTI, 2014, p. 5).

Uma nova paisagem midiática se apresenta, no contexto contemporâneo de sociedade conectada, com profundas transformações no jornalismo e suas dinâmicas de feitura (convergentes, móveis e em redes), que imbricam novas práticas e processos (como no caso do envolvimento das fontes que borram as fronteiras e demarcações de onde e por quem o jornalismo é produzido), com a emergência de novas e diferentes mídias na disputa por interferência na esfera pública (HABERMAS, 2014).

Neste contexto pós-industrial, são diversas as novas mídias e as suas denominações: mídias das fontes (com origem em práticas de assessorias de comunicação e/ou imprensa e comunicação organizacional), que criam seus próprios veículos e experiências para falar aos seus públicos e a sociedade (SANT’ANNA, 2009; CHAPARRO, 2003, 2004); novos arranjos produtivos (FIGARO, 2018); startups/novos modelos de negócio (BERTOCCHI, 2017); mídias alternativas e/ou independentes (KARPPINEN; MOE 2016; ATTON, 2001; SATUF, 2016). Dentro deste grupo temos ainda os midiativistas/midialivristas (LORENZOTTI, 2014; BENTES, 2015; MALINI, ANTOUN, 2013), entre muitos outros tipos de mídia e compreensões, denominações, existentes e possíveis.

Sobre a ideia de mídias independentes, onde se situa propriamente o nosso trabalho no universo empírico de mídias que analisamos, voltaremos um pouco mais adiante, ainda neste capítulo. Trata-se, enfim, como tem vindo ficando claro no transcorrer deste trabalho, de modelos híbridos, por vezes difíceis de caracterizar (que cabem em mais de uma das perspectivas denominativas expostas), que mesclam aspectos de experiências do campo profissional jornalístico, do publicitário e das relações públicas com práticas das áreas da tecnologia da informação, da inteligência de dados. E com diferentes perspectivas políticas e editoriais.

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