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Transformações no jornalismo

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CAPÍTULO 2 MODOS DE PENSAR

2.1 TECNOLOGIAS E MUDANÇAS NO JORNALISMO

2.1.2 Transformações no jornalismo

No que diz respeito ao jornalismo, as fronteiras da recepção e da produção das notícias parecem de fato borradas, se pensarmos a perspectiva da comunicação que tradicionalmente delimitou produtores e receptores, tanto do ponto de vista teórico quanto profissional, posicionando-os em lugares por vezes até mesmo antagônicos. C.W Anderson, Clay Shirky e Emily Bell apontavam, em 2013, nos Estados Unidos, em “Jornalismo pós-industrial: adaptação aos novos tempos”, produzido pelo Tow Center for Digital Journalism, da Columbia Journalism School, que o efeito mais disruptivo da internet é a superdistribuição. “Agora que muitos levam no bolso câmeras de vídeo conectadas a redes, uma quantidade cada vez maior de informação visual vem dos próprios cidadãos”, que produzem, interagem e distribuem conteúdos multimídia (ANDERSON, BELL, SHIRKY, 2013, p. 38). O tempo vem consolidando a percepção dos autores.

No campo da comunicação, a linha de estudos de recepção vive uma revisão de perspectivas, de nomenclaturas, tendo em vista o momento de transição do estatuto do receptor, que vem se tornando cada vez mais produtor, um receptor produtor de conteúdo. Críticas vêm sendo apresentadas com relação ao alcance dos estudos de recepção para atender à complexidade dos processos comunicacionais contemporâneos, tendo em vista a “emergência de um novo ‘sujeito comunicante’ no contexto da convergência entre digitalização e mundialização” (PROULX, 2014, p. 85). O autor indaga: “[...] o que estão se tornando os estudos de recepção em tempos de web social e em tempos de um crescimento da comunicação entre pares em detrimento da comunicação de massa?” (PROULX, 2014, p. 90). E descreve o contexto atual:

Um desmantelamento das fronteiras entre a vida privada e a vida pública. [...] nós nos vemos diante de uma multiplicidade de fontes de telas numa confusão de gêneros sobre o que é publicidade, o que é informação pública, o que é comunicação, numa convergência entre o

conteúdo das antigas mídias e os novos dispositivos interativos digitais, que nos permitem remixar antigas mídias com elementos de criação inovadora (PROULX, 2014, p. 90).

Vivemos em meio a uma multiplicidade de telas, agora interativas, do celular ao computador. “Estamos diante de uma hibridação dos nossos modos de difusão, distribuição e de comunicação”. E o teórico questiona:

Os estudos de recepção têm futuro? Estamos assistindo a uma espécie de esgotamento dos estudos de recepção em sua forma convencional, seja em reação aos trabalhos sobre a decodificação, seja sobre a etnografia. Há outro limite dos estudos de recepção clássicos que diz respeito ao fato de talvez serem muito dependentes de modelos teóricos da comunicação que foram canônicos, com emissor, mensagem e receptor. Por definição, se falamos em recepção, é porque postulamos estes pólos. Talvez haja necessidade de superar epistemologicamente essa visão do modelo teórico da comunicação (PROULX, 2014, p. 90).

Para o autor, estamos em um cenário de fusão do pólo da produção e o pólo da recepção, em que há a figura dos usuários produtores, que ele chama de “interatores”, que mais que nunca criam sua própria experiência e cultura midiática. Ele ressalta que os estudos neste universo devem privilegiar as perspectivas que abordem o que os usuários fazem com os conteúdos na vida cotidiana e pública, indo além do interesse pelo modo como os indivíduos interagem com estes conteúdos; a observação do que chama de “dupla articulação”, a junção de modelos de análise da tradição dos estudos de uso com modelos de análise da tradição de estudos de recepção, articulando o aspecto material ao simbólico e as perspectivas que desconstruam as categorias de público e também as de recepção, na busca de abordagens híbridas, com várias tradições de estudos, em especial, os de política (PROULX, 2014, p. 91).

O fenômeno leitor-autor, a participação cada vez mais efetiva dos – como eram chamados antes – públicos/audiências/massas/receptores/consumidores/sujeitos como produtores de conteúdos de várias naturezas, potencializado pelos avanços tecnológicos em especial a internet, embaralha os processos e práticas que envolvem os âmbitos tradicionais da produção e da recepção. Nilda Jacks (2015, p. 244) ressalta que o fenômeno se torna ainda mais complexo se pensarmos que os conteúdos das novas e velhas mídias convivem, se tornam híbridos, “reconfigurando a relação entre as tecnologias, indústria, mercados, gêneros e público” e se pensarmos no aspecto cultural da convergência: “Hoje a recepção não é um processo de mão única em se tratando do

fluxo de participação e mesmo de produção de conteúdo, o que, aliás, em outros aspectos como a produção simbólica, nunca foi” (JACKS, 2015, p. 247).

Usando a metáfora “da agulha ao chip” para descrever o desenvolvimento das teorias da comunicação, Jacks (2015) observa que elas começaram com foco nos meios massivos e hoje “tematizam as profundas mudanças sociais e culturais, as quais devem ser centrais na busca da compreensão dos fenômenos comunicacionais e culturais pelos quais passa a humanidade, cada vez mais perpassados pela imbricação entre as esferas midiáticas” (JACKS, 2015, p. 244).

Esses borrões de fronteiras, para além do fascínio e dos prováveis exageros de um lado e de outro dos fenômenos, geram uma dificuldade cada vez maior de compreensão não só de quem é o jornalista, mas do que é o próprio jornalismo. Nelson Traquina (2011) afirma que no início do século XXI, com o jornalismo começando a sofrer os impactos do que chama de “cibermídia”, por um lado, uma significativa literatura começou a tomar posições categóricas e catastróficas sobre o futuro do jornalismo, e, por outro, alguns autores seguiram uma perspectiva mais otimista, de considerar até mesmo que o contexto das cibermídias reforçaria o papel do jornalista nas sociedades contemporâneas (TRAQUINA, 2011, p. 51).

A posição do autor, no entanto, é de que ainda é cedo para tirar conclusões a respeito do futuro do jornalismo, e que é necessário ainda olharmos para trás, acentuadamente acerca das explicações que foram dadas à clássica pergunta do campo jornalístico, “por que as notícias são como são?”

A medida que entramos no novo milênio, a contínua expansão do poder do jornalismo parece evidente enquanto as organizações noticiosas tornam-se parte integrante dos crescentes conglomerados megamídia que estendem o seu alcance a todos os cantos do globo. O desafio de compreender o impacto alargado do cibermídia no jornalismo e sua repercussão na sociedade, os debates cada vez mais frequentes e apaixonados sobre o papel do jornalismo na sociedade, a necessidade aparentemente sempre crescente de notícias por parte de uma indústria voraz, de jornalistas sedentos de furos e de públicos que querem consumir as notícias para acompanhar os tempos e/ou alimentarem apetite insaciável por entretenimento, todos servem para exacerbar o já urgente imperativo de estudar o jornalismo (TRAQUINA, 2011, p. 64).

No que diz respeito às transformações no jornalismo, o autor lembra que elas sempre foram, e ainda são, impulsionadas pelas novas tecnologias. Traquina (2011, p. 126) cita Stephens, para quem “um conhecimento histórico do jornalismo ensina que, do tambor aos satélites, esta atividade foi sempre profundamente transformada pelas

inovações tecnológicas”. E cita também Mcnair (apud TRAQUINA, 2011, p. 126), que escreve:

De novo, no início do século XXI, as inovações tecnológicas, em particular, a rede transglobal de computadores interligados conhecida como a internet, marcam as práticas jornalísticas, acelerando ainda mais a velocidade dos processos de produção das notícias, corroendo as barreiras do tempo e do espaço, globalizando as notícias e as audiências, criando novos canais de acesso aos membros da comunidade profissional.

No diagnóstico de Anderson, Bell e Shirky (2013), a indústria do jornalismo do século XX não se sustenta na contemporaneidade. Conforme o estudo, a essência do jornalismo continua, mas a forma de praticá-lo não, pois os valores, as rotinas e os modelos de negócios não são os mesmos. Para os autores, a grande questão da imprensa contemporânea está na transição para o jornalismo pós-industrial – termo que descreve a relação imbricada entre imprensa, tecnologia e novas formas de participação social – e na sua necessária adaptação ao tempo presente (ANDERSON; BELL; SHIRKY; 2013).

Deste mesmo princípio partilha Caio Túlio Costa (2014) no estudo “Um modelo de negócio para o jornalismo digital”, que é fruto de uma temporada na Columbia University Graduate School of Journalism, em Nova York, a mesma dos autores supracitados. O autor diz que os jornais devem abraçar a tecnologia, as redes sociais e os serviços de valor adicionado se não quiserem morrer. Ele parte “da constatação de uma disrupção” na indústria jornalística e “sugere uma modelagem capaz de garantir produção jornalística de qualidade, independência e vigilância crítica dos poderes” (COSTA, 2014, p. 53). No que tange ao ambiente econômico, segundo Costa, é possível construir um modelo de negócio digital rentável combinando:

[...] receitas de três operações distintas: as da publicidade (nas suas diversas acepções, mas fundada numa ampla rede que lhe dê escala e capacidade de trabalhar CPMs à altura de um conteúdo premium), as da venda e/ou assinatura de conteúdos digitais e as receitas de serviços de valor agregado (incluídas as comissões pela venda de produtos e de serviços de terceiros) (COSTA, 2014 p. 110-111).

No estudo, o autor trata ainda da tensão geracional entre nativos analógicos, nativos digitais e analógicos digitais, apontando que esses três tipos de figura “estão na base da confusão que a indústria do jornalismo enfrenta ante as mudanças tecnológicas e comportamentais que viraram seu negócio de ponta-cabeça” (COSTA, 2014, p. 60), uns tendo valores e instituições solidificadas e outros moldando-os conforme as

situações se apresentam “como os líquidos se ajustam e tomam a forma de seus receptáculos, conforme defende Zygmunt Bauman” (COSTA, 2014, p. 60).

Costa descreve os nativos analógicos como os que eram adultos nos anos 1990. “Os nativos analógicos são pessoas experientes, grande parte é versada na crítica. Ao buscar informação na internet, os nativos analógicos preferem as fontes conhecidas, as quais conquistaram credibilidade no mundo analógico” (COSTA, 2014, p. 58). Já os nativos digitais possuem uma relação intuitiva com a internet e com as multitelas. “Consideram-se protagonistas na internet. [...] eles sempre estão à vontade na rede [...] sempre atualizados em relação ao que acontece no mundo digital” (COSTA, 2014, p. 59). A terceira figura do polo de tensão entre gerações seria a do analógico digital que, conforme o autor, “é aquele ser nascido analógico, mas com os olhos, os ouvidos e a cabeça voltados para o mundo digital”, fazendo de tudo para se adaptar ao novo mundo. “Muitas vezes, no entanto, seu olho não consegue ir além do aceitar o mundo digital, mas sem compreendê-lo na sua totalidade. Isso não o impede de tentar acertar no mundo digital” (COSTA, 2014, p. 59).

Fábio Pereira e Zélia Leal Adghirni (2011) consideram que o jornalismo contemporâneo passa por mudanças profundas, em diferentes aspectos, e estão a acarretar transformações radicais – consideradas por eles estruturais – na forma como ele é praticado hoje, e, sobretudo, como se prevê, no futuro. O cenário dessas transformações é marcado por “novas formas de produção da notícia, processos de convergência e a crise da empresa jornalística enquanto modelo de negócios” (PEREIRA; ADGHIRNI, 2011, p. 39).

Pressionado pelas novas tecnologias, pelo crescimento de setores de comunicação organizacional e de jornalismo de entretenimento, pela participação ativa do público e pela democratização das formas de acesso ao espaço público midiático, o jornalista profissional parece vivenciar um momento de indefinição (PEREIRA; ADGHIRNI, 2011, p. 39).

Fábio Pereira, Dione Moura e Zélia Leal Adghirni (2012) ressaltam que o jornalismo, compreendido como prática social, se dá em condições sociais, históricas e tecnológicas específicas, e que, portanto, constitui um “espaço constantemente reconstruído”. Como prática social, o jornalismo resulta, então “[...] de uma relação dialética que indivíduos, grupos e organizações estabelecem entre si no plano simbólico (das ‘palavras’) e no plano concreto da vida social (das ‘coisas’) ”. Assim, assinalam que “as análises sobre os processos de constituição, conservação e mudança do

jornalismo devem estar centradas em observações simultâneas da produção jornalística e nos discursos produzidos sobre essa atividade”, em uma perspectiva sociocêntrica, já que a produção jornalística é resultado de interações sociais (PEREIRA; MOURA; ADGHIRNI, 2012, p. 9).

Historicamente, a palavra jornalismo tem sido utilizada para descrever práticas distintas, definidas a partir de relações específicas estabelecidas com a sociedade. As diferentes formas de apropriação dessa prática em contextos locais e nacionais nos autorizam acreditar na existência de vários ‘jornalismos’, que convivem e interagem com os espaços sociais nos quais estão imersos (PEREIRA; MOURA; ADGHIRNI, 2012, p. 9).

Outro aspecto importante a ser considerado ao se estudar o jornalismo, para os autores, é a centralidade da mídia na construção de sentidos sociais. O relato jornalístico atua como “mecanismo de construção social da realidade”, da “constituição de horizontes de referência sobre o mundo, provocando efeitos de realidade” (2012, p. 10).

Em uma obra publicada pela Associação Nacional dos Programas de Pós- Graduação em Comunicação do Brasil (Compós), lançada em 2011, organizada entre outros pelo orientador desta tese, Dimas A. Künsch, e intitulada Jornalismo contemporâneo: figurações, impasses e perspectivas, pesquisadores da área refletiram acerca do contexto de mudanças no jornalismo. Já na apresentação, assinada pelos organizadores, eles consideram:

Não é possível determinar com segurança absoluta se os dilemas com os quais o jornalismo se defronta atualmente configuram ou não uma crise. E, se há uma crise, não está claro qual o seu alcance. Trata-se da crise do jornalismo como um todo? De um determinado modelo normativo de jornalismo? De um conjunto de normas e procedimentos umbilicalmente relacionados a determinados suportes tecnológicos? (SILVA; KÜNSCH; BERGER; ALBUQUERQUE, 2011, p. 8). As dúvidas parecem muitas. Esse sentimento de indefinição acerca do jornalismo é compartilhado por outros autores. Pereira e Adghirni (2011) citam Elizabeth Bird como exemplo de um “oscilar entre a excitação provocada pelo potencial democratizante das novas tecnologias e a sensação de que o jornalismo tradicional se encontra em um momento de crise. Crise de valores, crise de identidade, crise financeira”. Neste contexto, os autores assinalam:

A abrangência dessas inovações e a diversidade de posições sobre o caráter e as consequências dessas transformações sugerem a necessidade de se aprofundar a reflexão e a pesquisa acadêmica sobre o assunto. Se falamos em mudanças suficientemente radicais para afetar as estruturas que delimitam o jornalismo, precisamos questionar alguns pressupostos teóricos (e certamente ideológicos) que

usualmente aplicamos nos estudos sobre a prática jornalística. Estamos em um momento de identificar, portanto, em que sentido o jornalismo se transforma (PEREIRA; ADGHIRNI, 2011, p. 39). Para se discutir transformações no jornalismo, os autores afirmam que é necessário escapar de dois simplismos recorrentes, quando se trata de se estudar a atividade, assim como outros fenômenos sociais igualmente “atravessados por uma tensão permanente entre ordem e dispersão, entre estabilidade e mudança” (PEREIRA; ADGHIRNI, 2011, p. 39). São eles:

1) a adoção, sem questionamento, do discurso de ‘crise’, recorrente na história da atividade jornalística (FERENCZI, 1993) e que muitas vezes é emitido pelo próprio grupo profissional como uma forma de autolegitimação; 2) a crença em uma natureza imutável do jornalismo, como se parte dessa atividade fosse imune a inovações de ordem estrutural.

As práticas podem sofrer mudanças, que vão desde invenções pontuais a transformações de grande porte. Para que uma mudança seja considerada estrutural, é preciso “que ela seja suficientemente abrangente e profunda para alterar radicalmente o modo como determinada atividade é praticada e simbolicamente reconhecida/definida pelos atores”. Ou seja, uma mudança estrutural difere e se opõe às mudanças conjunturais e também às microinvenções que afetam pontos específicos de uma prática social (PEREIRA; ADGHIRNI, 2011, p. 42).3

Fazendo referência a Howard Saul Becker (1982) e Jean Charron e Jean Bonville (2004), Pereira e Adghirni (2011) afirmam que é preciso distinguir entre duas ordens de transformações que eventualmente incidem sobre uma mesma prática social: “[...] as alterações gradativas – e nem sempre perceptíveis – que afetam cotidianamente parte das atividades que integram uma prática social dos momentos em que os diferentes atores sociais vivenciam verdadeiras ‘revoluções paradigmáticas’” (PEREIRA; ADGHIRNI, 2011, p. 42). Essas revoluções, conforme sublinhado por Charron e Bonville (apud PEREIRA; ADGHIRNI, 2011, p. 43) são “[...] como momentos em que valores e práticas, tidos como essenciais ao exercício dessa atividade, passam por um momento de crise. Constata-se, nesse caso, um nível elevado de incongruência entre diferentes categorias de objetivos e de regras pertinentes a um modelo”.

3 Esta discussão faz ecoar a obra A estrutura das revoluções Científicas, de Thomas Kuhn, de 1962. A

publicação estabelece um marco na sociologia do conhecimento, popularizando os termos paradigma e mudança de paradigma, entre outros.

Steen Steensen (2010) considera que os fatores que moldam as dinâmicas do jornalismo e o papel dos jornalistas em uma era digital são:

Convergência em macro (agrupamento de empresas de mídia) e meso [meio] níveis (criação de redações multimídia). Concorrência de novos mercados e mudanças nas condições econômicas. Embaralhamento das demarcações entre o jornalismo e outras profissões. Enfraquecimento dos sindicatos. Novas condições para a liberdade de expressão e informação. Distâncias embaçadas entre espaços privados e públicos, meios de comunicação de massa e meios de comunicação privados. Direitos de propriedade intelectual sob pressão. Normas e padrões éticos sob pressão. Posse de novas tecnologias. Emergência de novos estilos e gêneros (STEENSEN, 2010, p. 178-179, tradução nossa).

Sobre este contexto de crise no jornalismo, e da multiplicidade de formatos e dispositivos de consumo de notícia, Nilda Jacks e Anna Paula Knewitz (2011) constatam em seus estudos, que não há uma escala progressiva de superação dos suportes e plataformas.

O ecossistema comunicativo é dinamicamente construído à medida que rupturas e continuidades entram em negociação no cotidiano dos usuários da mídia. Isso significa que quando novas formas de produção, armazenamento e transmissão de informações são integradas à vida social, as vigentes práticas de recepção e consumo midiático não são necessariamente banidas, mas passam por rearranjos e têm seus delineamentos redefinidos (KNEWITZ; JACKS, 2011, p. 205).

As autoras consideram que temos hoje, no que chamam de paisagem midiática, em que estão presentes novas e velhas formas de se fazer e de se ler jornalismo. Para elas, as práticas dos leitores vêm sendo reformuladas e reordenadas, não só em exclusões ou substituições, “mas principalmente na inclusão de conceitos e ações, gerando uma rearticulação entre velhos e novos ritos” (KNEWITZ E JACKS, 2011, p. 206). Na pesquisa realizada por elas, a leitura do jornal impresso e do webjornal “convivem, complementam-se e, aos poucos, ganham significações próprias e constantemente renovadas”. Knewitz e Jacks (2011, p. 206) trazem a palavra de Martín- Barbero acerca deste contexto:

[Os gêneros e os meios] são hoje lugar de complexas tramas de resíduos e inovações, de anacronias e modernidades, de assimetrias comunicativas que envolvem, da parte dos produtores, sofisticadas ‘estratégias de antecipação’ e, da parte dos espectadores, a ativação de novas e velhas competências de leitura.

Essas rearticulações, complementações e renovações entre o velho e o novo, descritas por Martín-Barbero como “complexa trama de resíduos e inovações”, parecem

estar presentes não só nos novos modelos de leitura, mas também nos novos formatos de organização e da produção jornalística nas organizações. O movimento de mudança e permanência diz respeito a uma espécie de “tensão entre ordem e dispersão, entre continuidade e descontinuidade que aparece como constitutiva da prática jornalística” (PEREIRA; ADGHIRNI, 2011, p. 39).

Três eixos são apontados por Pereira e Adghirni (2011) como principais para a análise das mudanças estruturais no jornalismo: 1. mudanças estruturais na produção da notícia, 2. mudanças estruturais no perfil do jornalista, e 3. as novas relações com os públicos. Nesta pesquisa, nos situamos prioritariamente no primeiro eixo, com um olhar para os processos de produção da notícia em mídias independentes.

No que diz respeito às mudanças nos processos de produção e apresentação da notícia, Pereira e Adghirni (2011, p. 45) as relacionam “à possibilidade de acesso a informações por meio de bases de dados, à convergência de mídias e de redações e à proliferação de mídias institucionais e de ferramentas de autopublicação”.

O desenvolvimento e a popularização de ferramentas tecnológicas e de mecanismos cada vez mais acessíveis de conexão com a internet, bem como a difusão de uma ideologia libertária associada às novas tecnologias (FLICHY, 1999), têm levado a novas formas de participação do público na produção jornalística. E também a uma flexibilização das fronteiras entre produtores e audiência no âmbito do processo comunicacional (PEREIRA; ADGHIRNI, 2011, p. 51). E os autores ainda apontam três ordens de mudanças nos processos de produção da informação jornalística: “a) a aceleração dos fluxos de produção e disponibilização da notícia; b) a proliferação de plataformas para a disponibilização de conteúdo multimídia; c) as alterações nos processos de coleta de informação (“newsgathering”) e das relações com as fontes” (PEREIRA; ADGHIRNI, 2011, p. 45).

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