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3 INFÂNCIAS: CAMINHAR PARA UTOPIAS

3.5 A CAMINHO DE POSSIBILIDADES

A periodização da vida apoia-se no processo biológico, porém é reelaborado simbolicamente para Arroyo (2014), que indica como consequência da construção cultural dos tempos da vida a desnaturalização das etapas cronológicas. “As idades não são um dado da natureza, nem um princípio naturalmente constitutivo dos grupos sociais, nem ainda um fator explicativo dos comportamentos humanos” (ARROYO, 2014, p.276). As categorias de idade fazem parte da trama social, política e cultural. Elas operam recortes e definem relações,

22 Termo utilizado em inglês para expressar o modo de conviver com o estresse. O termo enfrentamento, que

direitos, privilégios nos diferentes agrupamentos sociais e suscitam a diversidade de critérios e valores na periodização da vida. (ARROYO, 2014)

Os agrupamentos propostos na escola abrem-se para possibilidades que extrapolam os critérios etários, classificatórios, excludentes como sugere Arroyo (2014). Ao constatar que as formas de agrupamentos fazem parte de um processo global de educar, a preocupação com a diversidade, o direito de interação, a socialização e a aprendizagem de crianças toma o lugar da avaliação do ritmo ou das dificuldades de aprendizagem como critérios de agrupamento.

Arroyo (2014) destaca traços de pedagogias afirmativas da presença e existência de sujeitos que buscam seu espaço e seu reconhecimento na sociedade que os marginaliza. As ações sugeridas tornam visível a presença de crianças que não silenciam nem se ocultam, que ocupam o espaço independente de linhas demarcatórias do seu reconhecimento. Na ação coletiva esses sujeitos atingem a diversidade de campos da vida social (política agrária, educação, urbanismo, saúde, emprego), pois ao se fazerem copresentes, saírem da exterioridade e inexistência em que foram ideologicamente alocados, desestabilizam e contestam sua condição “sub” em todas as categorias.23 Contestam a formação do Nós como síntese da humanidade, constituída sem os Outros, porque são inferiores, irracionais, incultos, sub- humanos, doentes.

Na descrição da concepção bancária da educação, Freire (1975) questiona o processo dissertador de transmitir conhecimentos, caracterizado pela sonoridade das palavras e não por sua força transformadora, no qual o sujeito é o educador /adulto valoriza a memorização mecânica do conteúdo, como se os educandos fossem recipientes para que o conhecimento seja depositado. A ação dos educandos nesse processo é receber, guardar e arquivar os depósitos sem criatividade, sem transformação, sem o sentido.

A pedagogia do oprimido, como expressa Freire (1975) busca a restauração da intersubjetividade e se anima com a generosidade autêntica, o diálogo, a desmistificação. “Educador e educandos, co-intencionados à realidade, se encontram em uma tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de desvelá-la e, assim, criticamente conhecê-la, mas também no de recriar este conhecimento” (FREIRE, 1975, p. 61).

Arroyo (2014) revisita Paulo Freire afirmando sua reflexão e prática educativa voltada para sujeitos sociais excluídos e oprimidos, atento a suas presenças, movimentos culturais e sociais e à construção dialógica da práxis educativa. A ênfase na pedagogia da libertadora está nos sujeitos que definem os conteúdos, métodos e objetivos em processo de humanização. A

proposta não visa educar, ensinar, formar ou socializar, mas compromete-se com o como os sujeitos sociais, culturais, cognitivos éticos e políticos que são, se educam, aprendem, se socializam se afirmam.

Para Freire (1975) a educação problematizadora tem a sua intencionalidade na conscientização, de forma que a consciência é consciência de si no mundo, faz crítica, funda- se na criatividade, estimula a reflexão e a ação humana na realidade, corresponde à vocação humana de busca e transformação baseada no caráter histórico da humanidade, tornando a educação um querer fazer permanente.

A forma de interagir, sentir e respeitar o outro faz transparecer qual educação se está vivendo. Freire (1996) conta que não se assusta, nem evita expressar afetividade nas suas atividades, que o afeto sela o seu compromisso, reforça a ética em suas ações e expressa o querer bem. Essa abertura representa sua disponibilidade à alegria de viver, ao processo de busca que representa consciência e competência na realização do dever e do devir.

Arroyo (2014) propõe humanizar o olhar, com a possibilidade de reeducar o prazer, a alegria, a imaginação, a sensibilidade ao olhar crianças como sujeitos. Também considera que teorias e práticas educativas operam a partir de formas de pensar o conhecimento e os sujeitos sociais. A perspectiva de pensar a experiência de cultura como uma corrente em que estão presentes a troca, a partilha, a aprendizagem, o riso e o choro são para Kramer (2000) criar o solo para o diálogo, a comunidade e a coletividade. A autora associa essa possibilidade à linguagem, à memória, às narrativas como forma de estabelecer vínculos e romper o silêncio.

Solidariedade é o caminho apontado por Bazílio e Kramer (2011). Ele se constrói coletivamente, incorporando o futuro não somente como uma versão melhor do presente, mas como a versão justa e igualitária da sociedade atual, o caminho que encontra o Outro.

Bondía (2010) convida para a experiência do encontro, que se transforma em imagem poética: encontro com as infâncias. Nesse encontro não há reconhecimento nem apropriação, mas desprendimento e disposição para o desconhecido.

As crianças hospitalizadas são sujeitos de suas vidas parcialmente tomadas pelo adoecimento. Elas contam que o hospital é um lugar que precisa existir, pois é nele que se fortalece a esperança de alcançarem a cura e de voltarem a ser alegres, com o expressam em suas narrativas apresentadas por Rocha (2012). “Seus saberes enriquecem nossa percepção de mundo, pois nos fazem ver o que antes não víamos, nem ouvíamos. Essa escuta e olhar atentos reduzem as distâncias entre nossos mundos de vida. Eles nos aproximam sobremaneira de estudos e pesquisas que permitirão ampliar os diálogos entre Educação e Saúde. (PASSEGGI; ROCHA, 2012)

Ao dar voz e vez às crianças, o professor ou pesquisador poderá revelar a atuação da criança no mundo em situações em que ela se apropria da cultura historicamente elaborada e produz uma cultura infantil simultaneamente. A cultura infantil expressa gestos, brincadeiras e faz-de-conta, jogos e movimentos. Capazes de produzirem uma cultura infantil, as crianças passam a assumir na pesquisa o papel de sujeito ativo, que expõem seus sentimentos e pensamentos. (LIMA; PENITENTE; CASTRO, 2011)

A voz das crianças sugere caminhos e possibilidades de encontro aos ideais que vão se apresentando como propostas e orientações onde são contempladas a diversidade, a inserção, a educação que problematiza e liberta e onde estão presentes o prazer e a imaginação em forma de convite e superação. As autoras Passeggi e Rocha (2012) consideram que aprenderam com as crianças, que elas têm o que contar, que sabem sobre o que refletir e narrar suas experiências de vida. A contribuição das crianças nas narrativas realizadas neste estudo e elaboradas nos momentos de coleta de dados, de interação com a pesquisadora, de participação nos jogos confirmam a condição de sujeito de crianças hospitalizadas e a dimensão renovadora de suas vivências e pensamentos.