• Nenhum resultado encontrado

Todos estes fatores antecedentes condicionaram diversos segmentos urbanos e até certas alas e partidos políticos a dar início a um vigoroso debate acerca da urgência de se consolidar uma proposta explícita de desenvolvimento, voltada principalmente para a expansão do setor industrial. No corpo do Governo de Dutra, mesmo que ainda de forma pontual e incipiente, já se admitia a legitimidade de uma gestão governamental que desse primazia à adoção de políticas que se apoiassem na indução do desenvolvimento econômico e industrial com alguma interferência do Estado. Assim, apesar do approuch parcial às medidas do liberalismo econômico observado no Governo Dutra, alegou Skidmore (1976, p. 117) que “os controles cambiais em 1947-48 e o Plano SALTE foram os primeiros passos para a

retomada do Governo Federal do papel que viria a desempenhar na economia, durante os anos do Governo Vargas”.

Contudo, a ala desenvolvimentista não era a dominante naquele Governo, sendo a gestão caracterizada muito mais por um padrão liberal focada na resolução das distorções de curto-prazo, do que com o padrão de uma gestão intervencionista e desenvolvimentista. É neste sentido que alegaram, D’araújo (1982) e Skidmore (1976), que, para Vargas, bem como para diversos setores da sociedade, as pequenas e pontuais intervenções ocorridas no Governo Dutra foram insuficientes para garantir um satisfatório ritmo de crescimento da economia nacional, por causa das grandes deficiências infraestruturais, bem como ausência de um setor industrial (investidor) com capacidade e disposição para expandir a oferta nacional de bens industriais, além da presença de barreiras institucionais que limitavam a industrialização do setor produtivo brasileiro.

As forças espontâneas eram inadequadas em si mesmas para superar as barreiras institucionais e estruturais, que agora limitavam o crescimento da economia. Faltava ao Brasil uma classe empresarial dinâmica, que pudesse, pelo seu próprio peso, empolgar a liderança de um impulso dirigido à industrialização. Isso não queria dizer que não se poderia contar com os industriais brasileiros para expandir e inovar, quando lhes eram oferecidos incentivos suficientes, e quando o clima dos negócios era favorável. [...] [Neste sentido,] a solução mais lógica deveria conjugar a promoção de empresas estatais com o uso de meios para coordenar e dirigir os investimentos particulares. (SKIDMORE, 1976, p. 116-117; 122).

Neste cenário, na estratégia eleitoral de Vargas, o tom que se seguiu em seus discursos foi de severas críticas ao Governo anterior. “Vargas não poupou esforços para denunciar a péssima administração de Dutra. A palavra chave desse quinquênio é realmente a palavra crise” (D’ARAÚJO, 1982, p. 92). Foram diversas as ocasiões em que Vargas criticou a forma com que fora administrada a riqueza pública acumulada durante os anos da grande guerra. Ao se tratar do saldo das reservas cambiais, o candidato à presidência imprimia duras críticas à gestão de Dutra, alegando que tais recursos foram gastos, em sua grande maioria, na importação de bens supérfluos (representando um desestímulo à indústria nacional), ao invés de serem aplicados na compra de bens de capital e equipamentos necessários para a modernização e expansão do parque produtivo brasileiro, em especial do setor industrial de base:

Mais de seiscentos milhões de Dólares estavam nos Estados Unidos, na Inglaterra e noutros países, aguardando o momento oportuno em que pudéssemos aplicá-los no reequipamento das nossas indústrias básicas. Mas essas vultosas reservas tiveram destino melancólico. Transformaram-se em bugigangas, em ouropéis e enfeites, como no tempo dos índios. Em lugar de bens produtivos compramos contas e miçangas. Em vez que máquinas elétricas de alto rendimento, adquirimos velhas ferrovias deficitárias. (VARGAS, 1951, p. 599 apud D’ARAÚJO, 1982, p. 92).

Skidmore (1976) enfatizou que Vargas manifestava explicitamente que sua maior empreitada seria “transformar em nação industrial uma nação paralisada pela miopia dos governantes aferrados à monocultura extensiva e à exploração primárias de matérias primas”, e essa transformação do setor produtor não viria senão por meio de “um aceleramento na industrialização – uma política do tipo que seria mais tarde rotulada como desenvolvimentismo” (COUTINHO, 1956, p. 500 apud SKIDMORE, 1976, p. 107).

Conjuntamente, era preciso criar estímulos à melhoria das condições econômicas e sociais da população. Para que isso fosse alcançado, Vargas explicitava, em seus pronunciamentos, que:

A questão social era vista como reflexo e condicionante do nível de desenvolvimento econômico do País. [Uma vez que] uma nação solidamente estruturada estaria apta a propiciar melhorias sociais para seus cidadãos, desde que a ação governamental estivesse orientada para tal. (D’ARAÚJO, 1982, p. 90).

Vargas constantemente expunha em forma de alegoria que a “batalha da produção era na verdade uma batalha nacional” (D’ARAÚJO, 1982, p. 91), em que somente com uma diretriz voltada para o desenvolvimento econômico e fortalecimento do capitalismo se alcançariam as melhorias nas condições de bem-estar da população de forma a harmonizar os interesses de maneira convergente entre os trabalhadores e capitalistas, para que assim os frutos do progresso econômico fossem divididos entre as classes.

Com isso se desencadeariam estímulos à expansão do mercado interno, condição sine

qua non para que se obtivesse um movimento (via demanda) que estimulasse a expansão e

diversificação do setor produtivo nacional (SKIDMORE, 1976).

É neste sentido que D’araújo (1982, p. 90) argumentou que “ao caráter desenvolvimentista do discurso trabalhista agregava-se ao nacionalismo”. Para Vargas, não bastaria crescer economicamente, mas também qualificar as bases desse crescimento para que os frutos do desenvolvimento pudessem ser dirigidos aos interesses nacionais. Outra tônica de seus discursos era a intenção de emancipação econômica e plena soberania do Brasil: “a questão nacional é vista, sobretudo, como a luta pela independência econômica do Brasil,

imprescindível para que o País seja soberano e assim decida seu destino e de seus cidadãos” (D’ARAÚJO, 1982, p. 93).

Desde modo, a intervenção estatal era vista, pelo futuro Presidente, como a única forma de romper os diversos déficits vistos nos setores de bases e infraestruturais, superando assim a recusa por parte dos agentes privados de se investir nestes setores dado o alto valor de investimento inicial de capital imobilizado, bem como as baixas taxas de retorno destes empreendimentos.

Porém, ao mesmo tempo, em sua estratégia de campanha, Vargas buscava conciliar diversos interesses contraditórios manifestados pelas diferentes classes sociais e regionais que compunham o quadro social brasileiro à época, tentando solucionar de forma simultânea e ambivalente as deficiências macroeconômicas de curto prazo e estruturais (gargalos), produzidas pela trajetória de desenvolvimento que o País havia seguido até então, principalmente pelo Governo antecedente. Skidmore (1976) e D’araújo (1982) aderem à maneira ambivalente de Vargas, aos próprios cálculos feitos para harmonizar as ambições e os interesses que se escondiam por detrás das forças políticas heterogêneas.

Nenhuma das classes havia, por volta de 1950, alcançado um estágio de autoconsciência capaz de produzir uma política aguda de “orientação de classes”. Ao contrário, a atmosfera política “conciliatória” [e conservadora] do Brasil patriarcal ainda era notavelmente dominante. (SKIDMORE, 1976, p. 111).

Além disto, Vargas tentou conciliar interesses, muitas vezes contraditórios, de diversos partidos políticos opositores entre si. “Dessa forma, vai marcando sua presença pessoal junto ao eleitorado, sem definir os meios políticos através dos quais pretende atender compromissos tão vagos e tão amplos” (D’ARAÚJO, 1982, p. 85). Houve um esforço explícito do futuro Governo em firmar alianças políticas com todos os setores de relevância no cenário político nacional, independentemente se seus respectivos posicionamentos fossem coincidentes com a ideologia seguida por Vargas.

Assim, pôde-se observar o esforço de Vargas em criar laços com partidos que eram declaradamente contra sua proposta de estímulo à industrialização; exemplo maior desta iniciativa foi a tentativa de aproximação por parte de Vargas com a UDN, “cujos membros, em sua maioria, se filiavam ao neoliberalismo” (SKIDMORE, 1976, p. 121) e eram contrários a uma política de desenvolvimento industrial induzido. Aproximação esta que só não foi mais frutífera devido à recusa do próprio partido (UDN) em se criar uma chapa única, fruto de uma proposta de conciliação nacional, tendo por isso o Governo apenas construindo aliança com uma seção estadual da UDN, de Pernambuco.

Esta estratégia eleitoral vitoriosa assinalou, entretanto, um grande número de débitos eleitorais (muitos dos quais eram contraditórios entre si, com interesses e objetivos significativamente divergentes) que deveriam ser cumpridos para manter a base aliada do futuro Governo. Por tais motivos D’araújo (1982, p. 24) alegou: “Os grandes partidos (UDN e PSD) são formalmente derrotados [na eleição ocorrida] em 1950 pelas agremiações populistas (PSP e PTB), que, no entanto, não se tornaram Governo”.