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Governo do General Eurico Gaspar Dutra caracterizados pela tentativa de retorno parcial aos princípios do laisse faire, em que se colocou em prática uma política econômica de taxa de câmbio flutuante, livre movimentos de capitais e de liberalização das importações18, estes acabaram por ocasionar um nítido desequilíbrio externo19, repercutindo no déficit comercial e, por consequência, no rápido esgotamento das reservas brasileiras de divisas. É por este motivo que, em 1947, houve uma inflexão na postura da condução da política econômica, na qual o Governo passou a adotar uma política cambial de orientação mais atuante e restritiva a fim de reequilibrar o déficit global presente, bem como superar os limites que o desequilíbrio externo impunha à capacidade do País para importar.

Desta forma, na tentativa de sanar o desequilíbrio externo, em junho de 1947, o Governo instituiu um sistema de controle de importações baseado em um mecanismo escalonado de cotas de câmbio para bens forâneos, no qual as divisas eram negociadas segundo uma lógica compartimentalizada que concedia prioridade de importação para os bens considerados “essenciais ao desenvolvimento econômico” sem similares produzidos nacionalmente, em detrimentos de bens de consumo, principalmente de luxo, considerados “supérfluos”. Ao mesmo tempo, a paridade cambial foi fixada em Cr$ 18,50/US$, considerado valorizado à época (SKIDMORE, 1976, p. 98). Como consequência, após adoção cambial, uma vez que a demanda agregada interna continuou elevada, pôde-se observar um aumento da procura pelos produtos produzidos internamente graças à recuperação de competitividade em relação aos similares importados, havendo um incentivo direto à expansão industrial brasileira.

Porém, esta expansão industrial, alegou Skidmore (1976, p. 98), “não foi de modo algum, produto de uma política deliberada por parte do Governo Dutra”, ao contrário, o autor

18 Tal orientação pode ser entendida pelo esforço do novo Governo em se desconstruir a estrutura ad hoc de controles diretos que foi dominante no Estado Novo (1937-45). Assim, com tais orientações liberais, as autoridades expressaram suas aspirações de “evitar a continuação, no futuro, daquilo que consideravam como o uso político ilegítimo dos controles econômicos do passado” (SKIDMORE, 1976, p. 96-97); outro fator também foi a tentativa em se frear o crescente ritmo inflacionário via abertura do mercado nacional às importações de bens manufaturados.

19 “As reservas cambiais que, em 1945, totalizavam U$ 708 milhões, foram virtualmente dissipadas depois de ano e meio. Os pequenos saldos externos que sobraram estavam em contas bloqueadas, reduzindo o ativo líquido no exterior a apenas U$ 92 milhões, no fim do primeiro trimestre de 1947.” (SKIDMORE, 1976, p.97).

relevou que tais políticas detinham como objetivo primeiro o reequilibramento das distorções macroeconômicas de curto prazo.

Lessa (1983, p. 18), em concordância com Skidmore (1976), também argumentou que a expansão industrial não foi incentivada de forma intencional, por meio de uma política específica para tal fim, mas sim como um efeito secundário de uma proposta de contenção dos desequilíbrios externos e internos. Assim, como consequência desta política de arrocho cambial, o autor concluiu que localmente “processou-se uma industrialização predominantemente extensiva, pouco integrada” e não coordenada. Conjuntamente a isto, como os estímulos a inversões no setor produtivo nacional eram dados pelas oportunidades de lucros advindos dos setores em que a restrição às importações era mais intensa, ou seja, no setor produtor de bens de consumo durável, o autor concluiu que “correndo o risco das generalizações, pode-se afirmar ter-se nestes anos substituído o menos essencial, notadamente na faixa de bens de consumo durável” (LESSA, 1983, p. 19).

Além do mais, não houve uma política concreta do setor público para conceder financiamentos às crescentes necessidades materiais para a manutenção do ritmo de crescimento do setor industrial, nem mesmo existiu um esforço maciço do Governo a fim de garantir recursos públicos direcionados ao fomento do capital social básico (setor de infraestrutura), uma vez que, dado o alto valor investimento inicial de capital imobilizado, bem como as baixas taxas de retorno destes investimentos, era esperado que o setor privado não fosse estimulado, por sua própria conta, a empregar seus recursos neste setor (LESSA, 1983).

Por tais fatores, “forjou-se assim, um importante desequilíbrio estrutural, mormente no binômio energia-transporte, que continuou a repousar nas velhas inversões do modelo primário-exportador” (LESSA, 1986, p. 18), de forma a não se estabelecer um padrão de expansão do setor industrial de forma integrada e complementar.

Skidmore (1976) ainda argumentou que há de se relevar que, em dados momentos, chegou-se a despontar algum esforço oriundo do setor público em recompor e dinamizar os setores-base essenciais para a industrialização. Todavia, mesmo quando o Executivo propôs o Plano SALTE, na tentativa de solucionar os problemas da carente infraestrutura de transporte e de energia, além de beneficiar as áreas de saúde e alimentação, sua real aplicação malogrou- se devido à inexistência de fontes de financiamento e apoio político para sua consolidação, sendo esta a maior aproximação do Governo Dutra a uma política de planejamento em escala nacional.

Sob mesma lógica, Lessa (1983) alegou que, no período presidencial de Dutra, a política econômica se reduziu a um único instrumento manipulado de forma objetiva: a política cambial. Os demais instrumentos econômicos seguiram desempenhando rotineiramente as funções que tradicionalmente lhes eram imputadas sem que se vislumbrasse, em seus manejos, o desejo de mudança intencional de qualquer comportamento econômico, seja ele estrutural ou conjuntural. Deste modo, fez-se um cenário em que “a política econômica esteve basicamente condicionada a comportamentos externos que definiram seu perfil” (LESSA, 1983, p. 11), a qual se focava apenas em reequilibrar os desajustes macroeconômicos de curto prazo, sem que se manifestasse uma preocupação definida e consciente com o desenvolvimento da indústria nacional.

Além destes déficits infraestruturais, era considerado um ponto de estrangulamento o persistente déficit no balanço de pagamentos brasileiro e suas impositivas imitações à capacidade de importar do País. Constituindo este em um sério problema à consolidação e continuidade de qualquer projeto que objetivasse expandir e acelerar o ritmo de industrialização do parque produtivo nacional, uma vez que o projeto dependia, em grande parte, da capacidade de comprar equipamentos e insumos no exterior.

Outro ponto de estrangulamento que se evidenciou à época foi a reaparição do processo inflacionário, sobretudo a partir de 1949, causada pela elevada monetização da oferta nacional de divisas provinda da crescente receita das exportações de café. Há de se constatar também a pressão exercida pela demanda reprimida por bens de consumo e bens de capital em um cenário marcado pela ausência de investimentos públicos direcionados aos setores infraestruturais da economia, que passaram a atuar como fontes de elevação dos custos de produção.