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A política de conciliação adotada em época de campanha presidencial teria condicionado significativamente o modo com que o Governo de Vargas recém-empossado geriu o modo de governabilidade e as suas decisões tomadas já nos meses iniciais de 1951. A própria atribuição ministerial, na qual tentou reunir, em torno das pastas ministeriais, todos os partidos de relevância (portadores de distintas e conflitantes ideologias) na época, refletia a ambiguidade inserida nas alianças construídas.

Vargas escolheu um ministério que refletia as diversas alianças de sua campanha eleitoral. O PSD recebeu os ministérios da Fazenda, Relações Exteriores, Justiça, Educação e Saúde. O PTB ficou com um ministério apenas, o do Trabalho entregue a Danton Coelho. [...] O PSP de Ademar de Barros recebeu o Ministério da Aviação e Obras Públicas e, influiu na escolha do presidente do Banco do Brasil. [...] Os compromissos eleitorais de Getúlio incluíam um débito para com uma seção estadual da UDN [...] nomeou João Cleofas para o Ministério da Agricultura. Juntamente com a equipe civil, Getúlio nomeou três ministros militares. (SKIDMORE, 1976, p. 110-110).

D’Araújo (1982), em concordância a Skidmore (1976), colocou em questão a forma ambivalente que Vargas guardava os compromissos com o desenvolvimento industrial juntamente aos laços políticos acordados aos setores mais conservadores da sociedade. Para os autores, esta estratégia de conciliação tinha como objetivo compor alianças políticas com todos os partidos relevantes de forma que “o conteúdo de cada partido [fosse] diluído em benefício de uma imagem governamental politicamente neutra” (D’ARAÚJO, 1982, p. 24) e universal. Porém, esta posição conciliadora fez com que não se materializasse uma proposta política coerente que resultasse num revigoramento das instituições democráticas, em especial, as limitações de governabilidade enfrentadas pelo Governo, dada a configuração partidária heterogênea em que se abarcavam interesses tão díspares entre si: “essas posições partidárias, como deveria tornar claro na presidência de Vargas, estavam longe de ser homogêneas” (SKIDMORE, 1976, p. 121).

O seu primeiro ministério, conhecido também como Ministério da Experiência, composto principalmente por representantes do PSD, conflitava com as outras correntes

nacionalistas e menos conservadoras coexistentes dentro do corpo governamental. Sendo assim, pôde-se notar que o Governo se concentrou, sobretudo, no movimento de estreitamento das relações com os setores mais moderados.

Sua formação [do conjunto ministerial] já provoca uma quebra nas expectativas alimentadas na fase eleitoral, pois na composição ministerial predominam elementos cujas posições políticas estão bastante próximas do antinacionalismo e do antitrabalhismo (D’ARAÚJO, 1982, p. 25).

Segundo D’araújo (1982), o processo de formação ministerial foi usado como instrumento através do qual o Executivo procurou, sempre que possível, “conciliar interesses mais tradicionais e conservadores [...] de forma que a tranquilizar os meios políticos e os grandes interesses econômicos quanto à disposição do Governo de não entrar em conflito direto com nenhum deles” (D’ARAÚJO, 1982, p. 132); alegando que “mesmo levando-se em conta que o Ministério não expressa uma posição política homogênea, o que se observa é que a maioria das ações importantes que dali se originam não estão identificadas com uma política mais autônoma de desenvolvimento” (D’ARAÚJO, 1982, p. 132).

Tal formação ministerial, de caráter mais conservador, destoava sobremaneira, como assumiram Skidmore (1976), D’araújo (1982) e Lessa (1983), das ocasiões das nomeações de figuras apoiadoras dos princípios do nacional-desenvolvimentismo para os demais cargos fundamentais da gestão política e econômica do Governo, bem como da criação de grupos apoiadores do projeto de industrialização nacional que caracterizavam a disposição do Governo em se fomentar um projeto de desenvolvimento de teor nacionalista. O que despertou “a preocupação dos grupos mais conservadores, que temem compromissos do Governo com o nacionalismo” (D’ARAÚJO, 1982, p. 25).

Deve-se dar especial referência à nomeação de Ricardo Jafet20 para o cargo de Presidente do Banco do Brasil, ao anúncio do projeto de criação da Estatal do petróleo (Petrobras), bem como à criação da Assessoria Econômica da Presidência, formada fundamentalmente por técnicos e analistas descomprometidos com qualquer partido político, imprimindo à gestão uma tônica nacionalista, lançando as bases para uma maior participação do Estado nas diretrizes da economia nacional. Outra ação ambígua do Presidente foi a nomeação de Estilac Leal à pasta da Guerra, “conhecido por suas vinculações com os grupos nacionalistas, [representando], de início, forte base para o Governo, que passa a contar com o apoio daquela parte do Exército mobilizada em torno das causas nacionais” (D’ARAÚJO, 1982, p. 106), conjuntamente a nomeação de João Neves da Fontoura ao cargo de Ministro do

20 Indicado por Ademar de Barros, sua nomeação à presidência do Banco do Brasil foi deveras comemorada pela elite industrial, sobretudo a paulista, por Jafet ser um representante das elites industriais, além de ser conhecido por ser um grande defensor de uma política federal de apoio à industrialização.

Exterior, sendo sua tarefa de formalizar o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos em “bases que contrapõem às posições do setor nacionalista do Exército” (D’ARAÚJO, 1982, p. 106).

Deste modo, D’araújo (1982) alegou que esta formação da base governamental deixou claro que:

A impossibilidade de se chegar a qualquer pacto de união, uma vez que o Governo negocia o tempo todo, mas apenas através de algumas instâncias claramente comprometidas com posições ideológicas diferentes. Configura- se a inexistência de um compromisso do Governo em sua totalidade; o que existe são acordos setoriais com esferas governamentais cujas proposições são distintas e, às vezes, até inconciliáveis. (D’ARAÚJO, 1982, p. 34). Isso fez com que o Governo oscilasse entre posições nacionalistas e soluções conciliatórias dos setores mais tradicionais: “É neste sentido que se pode dizer que o Governo é coerente em sua ambiguidade” (D’ARAÚJO, 1982, p. 131).