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2.4 A ambiguidade na política econômica

2.4.1 Conjuntura externa e política cambial

2.4.1.1 Política cambial: gestão do capital estrangeiro

D’araújo (1982) alegou que a CMBEU criou, na verdade, certas condições para que o País pudesse “jogar com o interesse do capital estrangeiro, como também lhe fazia concessões significativas” (D’ARAÚJO, 1982, p. 139). Os resultados finais da disputa entre interesse nacional e limitações do setor externo, dadas as dificuldades de se obterem os financiamentos necessários para as inversões produtivas previstas, nem sempre foram os mais favoráveis para a implementação de um projeto econômico e industrial independente.

Ainda com o Governo democrata estadunidense, em 1951, “Vargas indicou em sua mensagem ao Congresso que seu Governo iria facilitar investimento de capitais privados estrangeiros, sobretudo em associação com os nacionais” (SKIDMORE, 1982, p. 126), indicando que havia virtudes no funcionamento regular do sistema financeiro internacional, como relevou D’araújo (1982, p.94):

O que se coloca aqui é o tipo de colaboração que o capital estrangeiro pode oferecer ao desenvolvimento brasileiro. O exemplo de Volta Redonda surge como o modelo a ser seguido nos empreendimentos econômicos de grande porte. A sociedade de economia mista, como ampla participação do Estado e do capital privado nacional e com a contribuição minoritária do capital estrangeiro, aparece como a melhor fórmula para execução de um programa econômico autônomo.

Skidmore (1976) alegou que, apesar das dificuldades de financiamento interno dos projetos de expansão da capacidade produtiva nacional, dada a imaturidade do sistema bancário, da captação e do direcionamento da poupança interna, já era de conhecimento das autoridades governamentais, inclusive do próprio Presidente Vargas, que uma associação pelo menos parcial com o setor externo era inevitável para promover o desenvolvimento econômico brasileiro. Porém, essa aproximação com o sistema financeiro internacional

repercutiu negativamente para a imagem do Governo perante seus aliados políticos de orientação nacionalista mais radical, uma vez que “tal cooperação poderia sempre parecer submissão às exigências estrangeiras” (SKIDMORE, 1982, p. 127).

Por esta razão, “para justificar tais medidas, o Governo Vargas sucumbiu algumas vezes à tentação de rotular os estrangeiros como vilões que haviam obrigado o Brasil a medidas que, de fato, qualquer Governo responsável teria que adotar” (SKIDMORE, 1982, p. 127). Partidária deste mesmo entendimento, D’araújo (1982) relatou que:

Em mensagem lida em 31 de dezembro de 1951, Vargas denunciava as fraudes contra a lei que regulamentava a remessa de lucros e juros para o exterior. Pelo Decreto-Lei 9.025 de 27 de fevereiro de 1946 “as remessas de juros, lucros e dividendos não ultrapassariam 8% do valor do capital registrado, considerando-se transferência de capital o que exceder essa percentagem (art. 6º). O que se observava, contudo, era o desrespeito quase que total a esse regulamento (D’ARAÚJO, 1982, p. 147).

Skidmore (1976, p. 131) demonstrou que, em 1951, as remessas de lucros alcançaram uma cifra de 137 milhões de Dólares, um crescimento de aproximadamente 65% do valor observado no ano anterior, de 83 milhões de Dólares (aproximadamente o mesmo nível que nos dois anos anteriores). Uma vez evidenciado tal resultado, o Governo anunciou um novo regulamento em janeiro de 1952 que condicionava que os montantes de lucro, dividendos,

royaties e outros rendimentos do capital estrangeiro só poderiam ser remetidos ao país de

origem se não ultrapassassem a cifra original de recursos que efetivamente houvesse ingressado no Brasil e que constasse no registro da Carteira de Câmbio do Banco do Brasil.

Esta nova regulamentação, que agradava os setores nacionalistas e de esquerda, não foi apoiada por parte das autoridades governamentais. Tanto o Ministério da Fazenda, dirigido por Horácio Lafer, e o Ministério do Exterior, chefiado por João Neves da Fontoura, quanto a Carteira de Câmbio do Banco do Brasil, não receberam bem a nova lei, uma vez que “demonstravam suas preocupações quanto às repercussões que o referido decreto possa gerar sobre os compromissos já assumidos” (D’ARAÚJO, 1982, p. 147). Estes órgãos alegavam que, com a alteração da “legislação sobre as remessas de lucros, o Governo arriscava-se a não receber os primeiros financiamentos do BIRD, prometidos até o final de julho de 1952. Assim, sem eles, o Brasil veria destruído seu plano de financiamento, tendo que apelar para a emissão e a inflação” (D’ARAÚJO, 1982, p. 147).

Tal o grau de instabilidade, tanto nos setores internos mais conservadores, quanto nos setores externos, criada pelo decreto que levou a supressão, um ano depois, das limitações ao capital externo impostas em janeiro de 1952, sendo assim, substituindo o esquema de restrição ao fluxo de capital internacional por um mercado de câmbio livre que perdurou até o

anúncio da Instrução 70 da SUMOC, em outubro de 1953. Com isso a legislação brasileira para remessas de rendimentos tornou-se uma das menos restritivas de toda a América Latina. Mesmo com a Instrução 70 da SUMOC, este cenário não se altera, uma vez que, houve apenas uma pequena alteração na política cambial com a adição do custo de câmbio à taxa de câmbio oficial. Esta reforma na política de remessas apaziguou a insatisfação dos investidores externos e da desconfiança dos órgãos multilaterais de financiamento. Além do mais, em virtude desta reforma, o mercado foi aberto para quase todas as transações de capital.

Foi esta sucessão de acontecimentos que fez D’araújo (1982) concordar com Skidmore (1976), ao relatar que os planos iniciais do Presidente de se implantar um esquema de restrições ao ingresso a atuação do capital externo, não foi realmente materializado. Porém, a autora relevou que, embora esta diretriz não tenha se consolidado na prática, não se pode se dizer que o ideal nacionalista tenha desaparecido por completo, ao contrário a tônica nacionalista esteve presente no discurso oficial, dividindo dualmente a orientação do Governo deveria tomar em relação a participação do setor estrangeiro em âmbito interno:

Na prática, as metas esboçadas na campanha fracassaram em grande parte, não se traduzindo em política efetivas do Governo. Apesar da manutenção de um discurso nacionalista, constata-se que o Brasil teve que ceder efetivamente aos interesses norte-americanos, particularmente ao capital estrangeiro e aos recursos naturais do País. Da mesma forma que no plano político, a trajetória do Governo no plano econômico é marcada por contradições constantes que acentuam a defasagem entre o discurso ideológico e as práticas efetivas. (D’ARAÚJO, 1982, p. 96).

Se a convivência dessas orientações variadas e a tomadas de algumas decisões contraditórias parecem totalmente inconsistentes e irreconciliáveis, estas procuravam uma solução de equilíbrio entre a cooperação externa e a soberania nacional para o desenvolvimento econômico e industrial do País.

Para o Brasil, as restrições à participação do capital estrangeiro na extração no aproveitamento dos recursos minerais estratégicos representavam uma das medidas que seriam necessário recorrer para a defesa da soberania nacional. Embora na prática essa diretriz não tenha sido seguida, nem por isso a tônica nacionalista desapareceu: continuou presente no discurso oficial sobre o que deveria ser feito e nas denúncias sobre os obstáculos à efetivação desse projeto. (D’ARAÚJO, 1982, p. 100).