• Nenhum resultado encontrado

2.4 A ambiguidade na política econômica

2.4.2 Política macroeconômica interna

2.4.2.2 Política macroeconômica interna: política fiscal

Em relação à política fiscal, D’araújo (1982) constatou que, embora se tenha caracterizado a política do Governo de Vargas como de teor nacional-desenvolvimentista, em vários momentos pôde-se notar a ausência de um comprometimento político maior, denotando em determinadas circunstâncias um posicionamento ambíguo do Governo, em que oscilou entre posições nacionalistas e soluções conciliatórias e tradicionais.

Assim, fica patente a impossibilidade de se chegar a qualquer pacto da união, uma vez que o Governo negocia o tempo todo, mas apenas através de algumas instâncias claramente comprometidas com posições ideológicas diferentes. Configura-se a inexistência de um compromisso do Governo em sua totalidade; o que existe são acordos setoriais com esferas governamentais cujas proposições são distintas e, às vezes, até inconciliáveis. [...]. Sendo assim, embora se façam concessões importantes aos diversos interesses econômicos e políticos, não se consegue um pacto de estabilização mais sólido. (D’ARAÚJO, 1982, p. 34).

Este comportamento de fácil inflexão de conduta das ações governistas, como já dito, era fruto da “existência de duas posições distintas que convivem no poder e que contam com o apoio sistemático do Governo: [...] a Assessoria Econômica da Presidência e o Ministério da Fazenda.” (D’ARAÚJO, 1982, p. 131). Deste modo, o autor argumentou que a formação e o desempenho ministerial refletem a política de conciliação de distintos interesses partidários e orientações econômicas, “instrumento através do qual o Executivo procura conciliar os interesses mais tradicionais e conservadores, inclusive com posições econômicas mais identificadas com os interesses norte-americanos” (D’ARAÚJO, 1982, p. 131). A Assessoria Econômica da Presidência (a qual não carregava compromisso partidário) representava o esforço governista de se implementar um projeto nacional-desenvolvimentista.

Entre as tarefas entre as tarefas que couberam à Assessoria, destaca-se a elaboração de projetos tais como Petrobrás, Fundo Nacional de Eletrificação, Eletrobrás, Plano Nacional do Carvão, Capes, Reforma Administrativa, Carteira de Colonização do Banco do Brasil, Instituto Nacional de Imigração, Comissão Nacional de Política Agrária, Comissão de Desenvolvimento Industrial (subordinada ao Ministério da Fazenda), Banco do Nordeste do Brasil, Plano Nacional do Babaçu, além do planejamento para a indústria automobilística, através da criação da Subcomissão de Jeeps, Tratores, Caminhões e Automóveis, e a elaboração de projetos relativos ao seguro agrícola e ao crédito rural. (D’ARAÚJO, 1982, p. 135).

Decerto, foi autoria e gerência do Ministro da Fazenda, Horácio Lafer, o plano de reaparelhamento econômico, que articulou uma série de investimentos na indústria de base, transportes e serviços públicos. Porém D’araújo (1982, p. 132) alegou que “a maioria das ações importantes que dali se originaram não estão identificadas com uma política mais autônoma de desenvolvimento”. De fato, o Plano Lafer contou com a contribuição financeira de dois órgãos extranacionais, o Eximbank e o BIRD, além da ajuda norte-americana, expressa pela CMBEU na fomentação dos investimentos previstos pelo plano, em que seus projetos eram concebidos de maneira a serem tecnicamente adaptados às exigências de instituições financeiras estrangeiras (D’ARAÚJO, 1982).

Mesmo após os términos dos trabalhos da CMBEU e a substituição de Lafer por Oswaldo Aranha no Ministério da Fazenda, a ambiguidade na condução da política fiscal e de gastos do Governo ainda é observada por D’araújo (1982). Na medida em que se articulava uma política de apoio à industrialização, sendo incentivada por meio de uma taxa cambial subsidiada para as importações de máquinas, equipamentos e insumos necessários à continuidade do ritmo de expansão da produção industrial, Aranha, em seu plano de estabilização macroeconômica, prometia cortar o déficit, seguindo uma política de estrita economia, advertindo que o Brasil deveria adotar uma política mais contracionista, contendo prudentemente a velocidade do processo de industrialização para não sofrer com distorções de preços. Esta política malogrou em virtude do não cumprimento das metas de redução dos gastos do Governo, além da maior pressão fiscal advinda da política de elevação do salário mínimo de fevereiro de 1954 – ações antagônicas ao objetivo específico de reequilibramento das distorções macroeconômicas de curto prazo previsto pelo Plano Aranha.

Skidmore (1976), por sua vez, concorda parcialmente com D’araújo (1982) ao alegar que, pelo menos até meados de 1953, Vargas articulava explicitamente sua estratégia de manter o “delicado equilíbrio entre a ortodoxia e o nacionalismo na política econômica. De 1951 a 1953, o seu approuch foi dialético. Medidas moderadas tinham que ser contrabalançadas por medidas nacionalistas” (SKIDMORE, 1976, p. 132). No entanto, sua

discordância em relação à tese de D’araújo (1982) se dá, como se constata mais à frente neste trabalho, pela suposta virada nacionalista tomada por Vargas no segundo semestre de 1953, na qual se definiu o caráter nacional-desenvolvimentista e apoiador do fomento acelerado da indústria e mercado interno.

Lessa (1983) também reconhece o esforço fiscal (induzido por meio de subsídios de diversas naturezas e ações de investimento do próprio poder público) do Governo varguista para acelerar o processo de expansão da produção industrial, em especial nos setores base da economia e infraestruturais. Porém, contraditoriamente ao estímulo dado a estes setores, em 1952 foram criados diversos reajustes fiscais a fim de majorar as receitas federais: foram elevadas as taxas do imposto sobre o consumo de combustíveis, houve criação de um adicional restituível sobre o imposto de renda no mesmo ano e a captação adicional pelos ganhos de câmbio ocorridos pela implantação das Instruções 53 e 70 da SUMOC. Assim, para o autor, estas reformas fiscais, quando associadas ao conjunto de políticas expansionistas praticadas nesses anos, fizeram com que o projeto de industrialização acelerada de viés nacional-desenvolvimentista não fosse concluído, ou na melhor das hipóteses, fosse concluído de forma parcial, ao fim do Governo de Vargas.