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2.4 A ambiguidade na política econômica

2.4.1 Conjuntura externa e política cambial

2.4.1.2 Política cambial: controle cambial e intervenção no preço relativo da

Segundo D’araújo (1982) e Skidmore (1976), a política cambial de intervenção no preço relativo da moeda nacional e política de regulamentação/taxação das cotas cambiais para importação e exportação deveriam ser entendidas como um instrumentos econômicos reguladores dos preços relativos dos produtos importados, sendo o objetivo destas, constituir mecanismos de proteção à indústria nacional em consonância ao projeto nacional-

desenvolvimentista imaginado; além de procurar garantir o equilíbrio das contas externas, de forma que as encomendas de certos gêneros alimentícios, alguns bens de consumo sem similares nacionais, bens de capital e insumos necessários para a manutenção do ritmo de expansão do parque industrial e consolidação demanda agregada interna não resultassem em atrasados comerciais que impediriam novas encomendas de bens importados e novos contratos de financiamento externo.

No entanto, para tais autores, a política cambial de Vargas deveria ser entendida, também, como um instrumento político que procurava manter o equilíbrio delicado entre as alas mais conservadoras e ortodoxas e o nacionalismo na política econômica. Sendo assim, as medidas cambiais não deveriam ser entendidas apenas pela evolução de sua regulamentação, mas sim devem ser analisadas e interpretadas conjuntamente à luz da própria atuação governamental na política de gestão da capital externo “medidas moderadas tinham que ser contrabalançadas por medidas nacionalistas. Ataques ao capital estrangeiro, por exemplo, tinham que ser contrabalançados por liberalização do câmbio” (SKIDMORE, 1976, p. 132).

Deste modo, em concordância com Skidmore (1976) e Lessa (1983), D’araújo (1982) enfatizou que o propósito da intervenção cambial no Governo de Vargas era de “equipar o País com uma indústria de base nacional, livrar o Brasil da dependência externa e de sua condição de exportador de matérias-primas” (D’ARAÚJO, 1982, p. 94), porém a autora não deixou de relevar que esta conduta “procurava uma solução de equilíbrio entre cooperação externa e desenvolvimento independente do País” (D’ARAÚJO, 1982, p. 148).

De acordo com este entendimento, Lessa (1983) e Skidmore (1976) argumentaram que o afrouxamento do regime de cotas cambiais instituído nos primeiros meses de 1951, pelo recém-empossado Governo varguista, visava saciar a demanda interna reprimida (tido pelas autoridades econômicas da época como um dos principais fatores para o reaparecimento do processo inflacionário observado em fins da década de 40 e começo de 50), déficit de consumo este, resultado da rígida política de controle cambial vigente desde junho de 1947 em que, o então Presidente Dutra introduziu um conjunto de controles cambiais que estabeleceu um drástico sistema de restrição das importações.

Além do mais Skidmore (1976), D’araújo (1982) e Lessa (1983) conferiram ao acirramento das tensões da Guerra Fria materializada pela incursão da Guerra das Coréias, um dos fatores que explicam o relaxamento das cotas para importar, uma vez que a possibilidade real do refluxo do comércio internacional e consequentemente, a volta das condições dificultosas de abastecimentos de produtos importados, principalmente os considerados “essenciais” para a continuidade do ritmo de expansão industrial, afetariam

severamente o projeto governamental de consolidação de um parque produtivo (industrial) maduro e heterogêneo.

Apesar das exportações apresentarem um crescimento em 1950, na qual beneficiou o País com um excedente de exportação da cifra de US$ 425 milhões em conta corrente, em decorrencia da política de liberação das cotas de importação de 1951, neste ano o excedente decresceu para 67 milhões de Dólares, sendo que as importações totalizaram 1,7 bilhões de dólares, resultado nunca visto nos anos precedentes. (SKIDMORE, 1976, p. 126-127).

Ainda em 1951, dado o rápido declínio dos saldos comerciais, em agosto, o Governo reinicia processo severo de controle de cotas de importação. Como estas cotas detinham prazos de validade – 6 meses para bens supérfluos e 1 ano para bens de produção – a conduta de recrudescimento das importações não obteve o efeito esperado até os meses iniciais de 1952, conduzindo assim “a uma diminuição da capacidade competitiva dos produtos de exportação brasileiros” (LESSA, 1983, p. 21).

Deste modo, a situação cambial se deteriorou ainda mais em 1952, quando o saldo positivo precedente se transformou em um déficit de exportação de 286 milhões de Dólares, havendo um declínio da receita cambial proveniente das exportações em conjunto a um nível continuadamente crescente das importações (SKIDMORE, 1976, p. 127).

Com este cenário externo deteriorado, “era claro que o Brasil não poderia mais viver com o complexo sistema de controles cambiais e a supervalorização do cruzeiro” (SKIDMORE, 1976, p. 127). Em fevereiro de 1953, como descreveu Skidmore (1976), foi instituída a Instrução 48 da SUMOC, a qual determinou um regime de taxas múltiplas, resultando, portanto, em um regime misto de taxas de câmbio: taxa flutuante, taxas múltiplas e taxa fixa. A taxa de câmbio flutuante (livre), para os movimentos de capital e turismo; e as taxas múltiplas, para as exportações; além disto as importações continuaram submetidas ao controle quantitativo da CEXIM, concluindo a primeira etapa para a flexibilização da política cambial. Em outubro de 1953, foi dado mais um significativo passo à política de flexibilização cambial, neste mês a SUMOC instituiu sua Instrução de número 70 que estabeleceu o sistema de "leilões de câmbio", via compartimentalização das importações em cinco categorias. Também restabeleceu o monopólio cambial do Banco do Brasil e extinguiu o controle quantitativo das importações.

Em conjunto, as duas medidas reorientaram o modo de condução da política cambial, a qual:

Ao estabelecer categorias múltiplas para diversos tipos de exportações, importações e movimentos de capitais, este sistema ajudou a restaurar as exportações brasileiras em nível competitivo no exterior, e serviu como poderoso instrumento para canalizar as importações para setores considerados essenciais para o desenvolvimento econômico de base [apoiadas em uma taxa reduzida]. (SKIDMORE, 1976, p 127).

Como também enfatizou Lessa (1983, p. 22):

Esquematicamente poderiam ser resumidas as principais implicações desta reforma cambial no processo de industrialização: a) consolidação da reserva de mercado para as produções substitutivas mediante o encarecimento relativo da importações incluídas nas categorias com taxas de câmbio mais elevadas; b) concessão de subsídios (implícitos nas categorias com tipos de câmbio mais baixos) para a internação de bens de capital e insumos requeridos pelo desenvolvimento industrial; e c) possibilidade de que o Estado, através das operações de compra e venda de divisas, voltasse a participar financeiramente das rendas de intercâmbio21.

Todos estes pontos da reforma cambial acabaram, também, por imprimir um viés nacionalista e desenvolvimentista à política (D’ARAÚJO, 1982; LESSA, 1983).

Esses novos controles cambiais, anunciados desde janeiro de 1953, instauraram um sistema múltiplo de taxa de câmbio, que instituía uma escala móvel de desvalorização de fato. Esperava-se que as novas medidas corrigiriam o déficit do balanço de pagamentos, tornando as exportações brasileiras mais acessíveis nos mercados mundiais22 e mais caras as

importações, ao mesmo tempo que, através de taxas de câmbios diferenciais, não desencorajariam demasiadamente as importações consideradas essenciais à industrialização. (SKIDMORE, 1976, p. 151).

Porém, por outro lado, Skidmore (1976) afirmou que estas reformas visaram também, recuperar a credibilidade do Brasil para com as autoridades e investidores internacionais, ao tentar equilibrar a conta externa do País, evitando que qualquer tipo de moratória da dívida ou

default dos financiamentos já firmados fosse esperado pelos agentes forâneos.

Essa modificações ajudaram também a convencer as autoridades financeiras internacionais e os investidores estrangeiros, de que o Brasil estava preparado para manter uma política de equilíbrio financeiro com o mundo exterior, pelo uso medido do mecanismo de preços, e taxas livres de câmbio – as forças clássicas enfatizadas pelos defensores da fórmula neoliberal (SKDIMORE, 1976, p. 127).

Deste modo, o caráter ambíguo do modo de governar de Vargas, expresso na forma de atuação junto à política cambial, pode ser notado uma vez que, com o mecanismo de controle cambial, visou-se barrar as importações ditas como não essenciais ao desenvolvimento econômico, estimular as exportações e a indústria nacional, além de tentar estreitar laços com

21 Vale destacar também que a Instrução 70 da SUMOC, por meio dos ágios provenientes do excedente pago pelos importadores, criou um fundo que custeava despesas importantes do Governo.

22 Ficou instituída a classificação diferenciada das exportações em grupos para os quais seriam pagas “bonificações fixas corretoras de seus diferenciais de produtividade, visando estimular a diversificação da pauta de exportações” (LESSA, 1983, p. 22).

o setor internacional, por meio da tentativa de recobrar a confiança dos agentes externos, como alegou D’araújo (1982, p. 100):

Temos que abalizar também quais as condições que o Brasil e a maioria das nações do mundo tinha para desencadear um processo de desenvolvimento desvinculados dos interesses mundiais. A atuação governamental confirmará essa inviabilidade prática e, mais do que isso, comprovará não só que a desvinculação era impossível, como também a subordinação se tornava irreversível.