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A Centralidade do Estudante na Construção do Conhecimento

Capítulo 3 Configurações de Renovação Pedagógico-Didática no Ensino Superior à

3.1 Processo de Bolonha: Repensar o Papel do Ensino Superior

3.1.2 A Centralidade do Estudante na Construção do Conhecimento

No âmbito do PB a centralidade do aluno na aprendizagem dos saberes é um dos principais objetivos. Kozman (1991, como citado em Lebrun, 2008) propõe a seguinte definição de aprendizagem:

A aprendizagem pode ser vista como um processo ativo e construtivo através do qual o aluno manipula estrategicamente os recursos cognitivos disponíveis de maneira a criar novos conhecimentos ao extrair a informação do meio e ao integrá-la na sua estrutura informativa já presente em memória. (p.42)

A inovação pedagógica passa também pela dinamização de uma cultura de autonomia e de uma atitude pró-ativa por parte dos alunos no que concerne ao desenvolvimento do conhecimento, no sentido de atender às suas expectativas e necessidades de formação. Este aspeto, determinante no combate ao insucesso escolar, foi já por diversas vezes refletido em vários dos encontros efetuados pelos estados-membros, nomeadamente na Declaração de Sorbonne (1998), onde é conferido ao ES o dever de oferecer as melhores e mais diversificadas oportunidades para os seus alunos encontrarem a sua própria vocação, de acordo com os seus interesses pessoais, profissionais e ritmos individuais.

Mais tarde, na Declaração de Praga (2001), faz-se a apologia de os estudantes serem parte integrante em todo o processo de implementação, dinamização e divulgação do PB,

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assumindo um papel ativo no que se refere à construção e participação na organização dos conteúdos de ensino, na definição de objetivos de curso, na estipulação de metodologias de ensino e aprendizagem, bem como na negociação dos instrumentos de avaliação a aplicar em cada unidade curricular, sendo considerados «membros de pleno direito da comunidade do Ensino Superior» (para.5).

Ainda sobre o que diz respeito aos esforços para promover uma aprendizagem centrada no aluno, na Declaração de Glasgow (2005), os estados-membros comprometeram-se a encontrar formas para a sua implementação. Na Declaração de Lovaina (2009), reconheceu- se que se enfrenta o desafio e oportunidades de acelerada evolução tecnológica, com novos desempenhos profissionais, novos alunos e, consequentemente, novas formas de ensino.

Segundo os resultados provenientes do Relatório Trends V (European University Association, 2007), as instituições de ES estão a afastar-se, lentamente, de um modelo de ensino centrado no professor e no conhecimento que este possui, em função de uma aprendizagem centrada no aluno. No Relatório Trends 2010 (European University Association, 2010), esta aprendizagem mostra-se, na maioria dos países intervenientes, multifacetada e depende da combinação de vários fatores como a utilização, ou não, de resultados de aprendizagem, a modularização e o tipo de instrumentos de avaliação aplicados. No âmbito do supracitado relatório consta, ainda, que nas conferências nacionais de Reitores tem-se apelado para um maior envolvimento e apoio a uma atitude pró-ativa na implementação de metodologias de ensino e aprendizagem centradas no aluno, através da adequada coordenação e monitorização na implementação do PB nas várias instituições de ES.

O protagonismo do aluno na construção da sua aprendizagem configura-se no âmbito do saber devir, que mediante a complexidade que imprime é, pois, um dos saberes mais difíceis de alcançar pelo elevado nível crítico-reflexivo exigido. Uma formação que se proponha desenvolver de modo igual e consentâneo os ditos saberes, imprimirá uma aprendizagem mais duradoura, pois estes saberes são facilitadores dessa aprendizagem por excelência, mostrando-se como um dos aspetos que consideramos importantes no âmbito dos objetivos definidos para a mudança de paradigma educacional. Contudo, entendemos que estamos ainda numa fase prematura, visto que existem constrangimentos de diferente natureza, ao nível de maturidade e conhecimento dos alunos, da limitação de tempo disponível para os professores, das condições físicas de algumas instituições de formação, bem como dos aspetos ligados à formalidade inerente à aprovação dos planos de estudos e respetivos programas curriculares.

Por um lado, os planos de estudo, os programas das UC que contêm os conteúdos programáticos a abordar, as competências a adquirir, as metodologias de ensino, aprendizagem e de avaliação e todos os demais documentos, antes de chegarem aos alunos, são elaborados pelos docentes das respetivas áreas de conhecimento e aprovados pelos órgãos competentes das instituições de formação. Ou seja, os programas de ensino são apresentados aos alunos de forma claramente fechada, estando o processo já concluído e as hipóteses de negociação limitadas pelos formalismos impostos. Entendemos, pois, que para se efetivar a

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participação dos alunos na definição dos pontos descritos, era necessária a sua participação na reflexão dos ditos documentos. A alternativa de se fazerem programas flexíveis que possam ser adaptados à realidade da turma e dos alunos carece, a nosso ver, de alguma reflexão, visto que, se por um lado favorece essa participação, por outro lado, compromete a clarificação e objetivação necessárias aos programas. Para além disso, implementar metodologias e estratégias de ensino, aprendizagem e avaliação atendendo ao que cada aluno entende ser melhor para si constitui também um ponto polémico e discutível, que pode trazer alguns constrangimentos ao nível de acréscimo de tempo de trabalho para os professores, comprometendo a sua exequibilidade.

Por outro lado, não sabemos até que ponto os estudantes terão maturidade, responsabilidade e conhecimento suficientes que lhes permitam assumir determinada postura atitudinal e de avaliação perante a dinamização de determinados conceitos que admitem, em última instância, transpor a ideia de cumprimento de determinados ideais formativos. Como defende Lima (2010), um sistema controlado individualmente pelos aprendentes pressupõe que os mesmos sejam dotados de uma racionalidade estratégica, talvez mesmo olímpica, no sentido de estes traçarem caminhos excelentes de aprendizagem, «detendo os recursos indispensáveis à construção dos agora denominados “portfólios de competências”» (Lima, 2010, p.45). Ora, entendemos que a racionalidade estratégica não corresponde ao nível de performance da maioria dos alunos que frequentam o ES, simplesmente por que essa vertente não é desenvolvida no âmbito dos níveis de ensino que precedem o superior.

Estamos, pois, perante uma nova perspetiva de aprendizagem que apela para o facto de o aluno ter o dever de exercer um papel verdadeiramente participante na construção do seu conhecimento de acordo com os seus interesses pessoais e vocacionais. Cabe ao aluno trilhar o seu caminho de formação, fazendo opções que o levem, em última instância, à sua realização pessoal e profissional, aspeto que achamos ser fundamental para uma melhor prática profissional, traduzida espontaneamente numa maior e melhor produtividade.

Entendemos, pois, que o professor não perdeu o protagonismo, mas o seu papel é agora alvo de uma transformação, dando lugar à distribuição e partilha da responsabilidade da aprendizagem pelos dois intervenientes principais: o professor e o aluno. O professor chama o aluno para desempenhar com ele o papel de protagonista, desenvolvendo no mesmo uma atitude verdadeiramente ativa, relativamente à aprendizagem que desenvolve. Não se trata, pois, de uma visão alternativa ao passado, mas complementar (Ariza & Ferra, 2009), em que se perspetiva uma corresponsabilização efetiva entre as duas partes, de maneira a que os alunos aprendam de forma mais autónoma e, sobretudo, mais comprometida (Esteves, 2010).

O aumento do insucesso escolar, aliado à diminuição crescente do conhecimento dos alunos, nomeadamente no que se refere a alunos do ES, é algo que se tem vindo a constatar ao longo dos tempos. Este aspeto alicerçou-se mediante diversas variáveis; contudo, interessa-nos focar uma que pensamos estar na base deste fenómeno: a atitude passiva, acomodada e desresponsabilizada do aluno relativamente à sua aprendizagem. Esta atitude é

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típica de uma sociedade hedonista, onde se procura o máximo disfrute com o mínimo esforço (Ariza & Ferra, 2009). Aliás, a exigência dos alunos para com o professor, de quem esperam receber o conhecimento de forma facilitada, demonstra a imaturidade de quem valoriza excessivamente as classificações e o diploma em detrimento do aprender (Bordenave & Pereira, 1985).

Acreditamos que nada poderá fazer com que o aluno aprenda e construa o seu conhecimento caso o próprio aluno não o queira construir e não acredite que é capaz de o fazer. A dicotomia apresentada por Ferry (1983), «ninguém forma ninguém; ninguém se forma sozinho» (como citado em Esteves, 2010, p.52), constitui pois uma confirmação paradoxal que ilustra a questão da responsabilidade inquestionável do aprendente pela sua própria aprendizagem, já que ninguém aprende quando não quer, sendo necessário haver uma predisposição para tal. Aliás, as abordagens de aprendizagem postulam a existência direta entre o querer aprender, a motivação, a sua implicação em relação ao objetivo de aprendizagem e ao sentimento de autorrealização pessoal, pois «os indivíduos sentem-se implicados e motivados em situações em que as suas necessidades psicológicas fundamentais podem ser e são periodicamente satisfeitas» (Lebrun, 2008, p.119). Contudo, no sentido de estimular esse gosto e esse querer aprender aos alunos, será importante que os docentes estejam munidos de determinadas competências profissionais e também pessoais que podem ser refletidas e renovadas através da formação pedagógico-didática que os mesmos possuam ou procurem ter.