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Capítulo 3 Configurações de Renovação Pedagógico-Didática no Ensino Superior à

3.2 Caminhos de Renovação Pedagógico-Didática

3.2.1 O Legado das Principais Teorias de Aprendizagem

O modelo de ensino tradicional, impulsionado nos finais do século XIX e inícios do século XX, que protagonizou o ensino nos anos sessenta, viu-se enformado na valorização do ensinar em detrimento do aprender. A ênfase colocada nas metodologias de ensino e nos recursos selecionados e disponibilizados pelo professor fazia do mesmo a figura central de todo o processo de ensino e aprendizagem, sendo que «a base para o conhecimento se alicerçava nos saberes didáticos do professor» (Dalberio & Dalberio, 2010, p.1).

No âmbito deste modelo, o aluno recebia um saber já estruturado pelo professor, numa lógica de transmissão pura dos conteúdos programáticos (Altet, 1997), que deveria reproduzir em respostas, desempenhos ou saberes não construídos por ele, mas pelo professor. Através da ação educativa, o professor poderia modificar, de modo observável e mensurável, o comportamento do aluno, evidenciando-se a ideia de que todo o comportamento pode ser aprendido da mesma forma por todos os alunos.

Na perspetiva de Altet (1997), o ensino cobre dois campos interdependentes: a didática, onde se processa a gestão da informação, a estruturação e seleção do saber pelo professor e a apropriação desse saber pelo aluno; a pedagogia, onde se inclui o tratamento e transformação da informação em saber, através da prática relacional, que estará dependente da ação do professor na sala de aula, visto que este organiza situações pedagógicas para o aluno. Define-se, assim, uma articulação dialética entre o ensinar e o aprender. Por esta razão, utilizamos na presente investigação os termos “pedagógico-didático” para nos referirmos à renovação educativa que se pretende implementar no ES.

No momento atual, e no que diz respeito ao ES, o processo de ensino-aprendizagem pretende enquadrar-se em pedagogias, cuja principal finalidade consiste em impulsionar a aprendizagem. Estas pedagogias contemporâneas, centradas na aprendizagem, «não se interessam apenas pela aquisição de conteúdos, mas também pelos procedimentos executados pelos alunos», pelo que são designadas «pedagogias ativas» (Altet, 1997, p.12). Entendemos, pois, que a implementação do PB passa inevitavelmente pela assunção no ES das ditas pedagogias ativas.

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A tentativa de implementação das pedagogias ativas no âmbito educacional consagrou-se em meados do século XX, nomeadamente através dos postulados da Escola Nova (de finais do século XIX), sendo portanto uma conceção de ensino e de aprendizagem já com algum eixo exploratório noutros níveis de ensino mais baixos. Essa mudança traduziu-se no «emergir […] de conceções educacionais resolutamente inovadoras ou, a contrário, […] na rejeição de processos considerados […] inadequados» (Avanzini, 1978, p.117). Contudo, esta ideologia pedagógica, apesar de ter sido promovida incessantes vezes e apesar da insatisfação geral relativamente aos pressupostos e resultados da educação tradicional, encontrou várias fontes de resistência (Avanzini, 1978).

John Dewey (1933/1998), uma das personalidades mais importantes do movimento Escola Nova, faz a analogia deste modelo de aprendizagem com a revolução introduzida por Copérnico, no âmbito deste novo conceito de educação, agora o aluno “transforma-se no sol”, sendo o respetivo centro no qual se organizam todas as aplicações da educação. Ora, um dos objetivos consignados pelo PB passa pela implementação do aprender a aprender, recuperando alguns dos postulados das pedagogias ativas. A promoção da aprendizagem ao longo da vida e, sobretudo, a atribuição do protagonismo ao aluno na sua aprendizagem encontram no aprender a aprender o mote para suscitar no estudante o gosto por uma aprendizagem contínua, alicerçada num interesse absoluto de saber mais, envolvida numa dinâmica de pensamento socrático “sei que nada sei”. Na vertente atual de formação do ES, um aluno que não aceite a ideia de que não domina todo o conhecimento não estará, naturalmente, aberto para aprender mais, fragmentando a desejada dinâmica formativa. Por sua vez, um aluno que tenha consciência de que não sabe tudo, estará pronto para aprender e, quanto mais sabe, mais se apercebe que mais tem para aprender, concretizando-se, desta maneira, os ideais que envolvem o aprender a aprender. No âmbito do aprender a aprender também é desenvolvida a ideia que é necessário ensinar o conhecimento, mas também ensinar como se adquire esse conhecimento, sendo que o aprender a aprender possibilita o «ser capaz de escolher e adaptar a estratégia apropriada a cada momento e a cada situação […] do que podemos considerar uma boa aprendizagem» (Martín, 1999, p.207).

Nesta linha de pensamento, a aprendizagem deve ser orientada mediante uma nova atitude que implica a «assimilação, reflexão e interiorização» (Ontoria, et al., 1992, pp.9-10) dos conhecimentos e competências adquiridas. Ou seja, no desenvolvimento de uma atitude crítica e de capacidade para tomar decisões sobre a mesma.

Desde o início dos anos oitenta que se vem expandindo uma nova área de estudo, a metacognição, que tem tido uma particular relevância nas teorias da aprendizagem mais atuais, já que «o ensino não se deve limitar a transmitir conhecimentos mas […] ensinar os alunos a aprender» (Simão, 2002, p.53). No âmbito dos objetivos de Bolonha, a metacognição surge associada ao aprender a aprender e, consequentemente, à autorregulação do conhecimento por parte do aluno.

Martín (1995, como citado em Simão, 2002) associa a regulação a um ato deliberado, ou seja, consciente. A passagem da regulação para a autorregulação implicará, segundo

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Vygotsky (Cole, John-Steiner, Scribner & Souberman, 1991), a reconstrução e a transformação ativa do sujeito no âmbito de processos interativos de conhecimento. Assim, só poderemos falar de metacognição do ponto de vista do aprendente quando este, de forma consciente e intencional, tomar a iniciativa na sua própria aprendizagem. O importante será «conseguir que estes conhecimentos sobre a cognição e as atividades reguladoras sejam reelaboradas ativamente por parte do aluno, para que no final possa integrá-las de forma autónoma» (Simão, 2002, p.56). Garrison e Archer (2000) defendem então que as competências metacognitivas implicam uma aprendizagem autodirigida, que prevê a aceitação da responsabilidade de construir significados e o controlo do processo de aprendizagem, fomentando uma atitude pró-ativa perante a aprendizagem com implicações na motivação intrínseca do aluno.

Analisaremos agora o contributo de algumas das teorias da aprendizagem contemporâneas que estão na base dos pressupostos do PB e que encontram no aprender a aprender, e no papel ativo do aluno na construção da sua aprendizagem, princípios fundamentais.

As teorias cognitivistas, nas quais há a destacar o contributo de autores como Wertheimer, Koffka, Piaget, Bruner e Ausubel, entre outros, que veem a aprendizagem como uma reorganização das perceções e as teorias construtivistas, que enfatizam o estabelecimento de relações entre os novos conhecimentos e os conhecimentos anteriores no processo de aprendizagem, estão na base do protagonismo concedido ao aluno, ao destacarem o seu papel ativo na construção do saber, aspeto realçado pelo novo paradigma educacional do ES.

Neste sentido, cabe destacar a aprendizagem por descoberta, difundida no contexto norte-americano nos anos sessenta e setenta, resultado de fatores como a revolução científica e tecnológica, a emergência da Psicologia Cognitiva e a proliferação de estudos sobre criatividade. Esta conceção, cujas origens remontam a Rousseau e mais recentemente a Dewey, Piaget, Vygotsky, Bruner e Ausubel, entre outros autores, pressupõe que o sujeito descubra o conhecimento através das suas investigações e ações, privilegiando-se a atividade resolutiva (Sprinthall & Sprinthall, 1993). Desta forma, a aprendizagem será integrada de uma maneira mais significativa nas estruturas cognitivas (Ausubel, 1968; Ruiz, 1991) se comparada a um tipo de conhecimento que tenha sido meramente memorizado (Sprinthall & Sprinthall, 1993).

Pensamos que a aprendizagem por descoberta se enquadra no âmbito das necessidades atuais de formação, já que se prevê que o aluno construa a própria aprendizagem na sua formação e ao longo da vida. Diversos estudos têm apontado as vantagens desta teoria no que se refere à efetivação de resultados de aprendizagem mais duráveis e ao consequente aumento da autoestima do indivíduo (Sprinthall & Sprinthall, 1993). Em suma, a aprendizagem por descoberta responde de uma forma determinante às necessidades atuais de formação ao nível da dinamização de competências crítico-reflexivas, do desenvolvimento do raciocínio e da criatividade para resolver problemas, da participação

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ativa na produção do conhecimento, através de uma ação exploradora e atendendo às especificidades dos alunos.

Vygotsky desenvolveu uma obra notável que influenciou as políticas e diretrizes educacionais da Europa Ocidental, realçando o papel da cultura e das interações entre as pessoas no desenvolvimento cognitivo e na aprendizagem (Bertrand, 2001; Cole, et al., 1991; Van der Veer & Valsiner, 1991). O conceito de zona proximal5, proposto por Vygotsky (1934/1985), enfatiza a importância da mediação na aprendizagem, atribuindo um papel central ao outro (colega, professor, parente) com o qual o indivíduo interage. A aprendizagem do aluno variará, consequentemente, «em função das interações que ocorrem na sua zona de desenvolvimento» (Bertrand, 2001, p.133).

Vygotsky fortaleceu a ideia de mediação, atribuindo o papel central ao outro (colega, professor, parente), com o qual o indivíduo interage. Através dessa interação, mediada pelas relações estabelecidas, efetiva-se o conhecimento (Van der Veer & Valsiner, 1991). Neste sentido, o conhecimento não será tanto uma ação do sujeito sobre a realidade, como acontece na perspetiva construtivista “cognitiva”, mas o resultado da mediação concretizada através da interação que se estabelece entre duas ou mais pessoas.

Esta perspetiva vai de encontro à importância concedida no âmbito do PB à tutoria, que é assumida como uma nova função do professor. Os alunos e os conteúdos são mediados pela ação do professor que mobiliza e conduz os procedimentos necessários para que os estudantes desenvolvam os seus próprios processos de construção e assimilação do conhecimento. No entanto, a atividade tutorial dos docentes não é uma novidade absoluta no ES. Em momentos particulares dos percursos académicos, como por exemplo na elaboração de trabalhos de investigação (dissertações, teses, etc.), tem-se mantido uma ação desta natureza. Todavia, o desafio agora surge na transposição dessa ação de tutoria para o trabalho com todos os alunos, mesmo em situações em que estes não estejam a desenvolver investigação. Trata-se, pois, de criar dispositivos para orientar os alunos na busca autónoma de informação, para os encaminhar para formas adequadas de organização da mesma, de avaliar progressos e de remediar falhas ou lacunas que se venham a verificar no decorrer do processo de aprendizagem, visto que «ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção» (Freire, 2010, p.22).

Neste sentido, Esteves (2010) define a ação tutorial como uma orientação de acordo com as necessidades específicas de cada aluno, tendo em vista a facilitação do acesso ao saber disponível e o acompanhamento do aluno através de uma avaliação formativa que regula essa mesma orientação. Desta forma, para Risquez (2008), a orientação prevê sempre da parte do aluno um certo grau de participação ativa, de análise crítica e de tomada de decisões, aspeto decisivo na inovação que se pretende implementar. Martinez e Ortiz (2005), por sua vez, referem-se à tutoria como uma atividade inerente à função do professor, que se

5 A zona de desenvolvimento proximal corresponde à distância existente entre o que o indivíduo consegue fazer sozinho, o seu nível de desenvolvimento atual e o que consegue fazer quando ajudado por outro, ou seja, o seu potencial de desenvolvimento (Vygotsky, 1985).

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realiza individualmente com os alunos de um grupo, com o fim último de facilitar a integração pessoal dos processos de aprendizagem.

Através das definições de tutoria enunciadas, podemos verificar que o papel do professor não se reduz ao ato didático em si, surgindo antes como forma de apoio e de mediação individualizada, como forma de prevenção de alguns problemas de aprendizagem, tantas vezes suscitados por problemas pessoais associados à falta de autoestima e à consequente desmotivação perante eventuais dificuldades inerentes ao processo de aprendizagem. Entendemos, assim, que a tutoria deveria ser direcionada a partir de uma vertente pedagógica, contribuindo para o desenvolvimento pessoal e social do aluno.

Ora, tanto a mediação como a tutoria são conceitos também próximos dos preconizados pela aprendizagem humanista ou interpessoal, impulsionada por Rogers (1985), nos anos setenta, a partir das pedagogias ativas. Segundo este pedagogo, o desenvolvimento de relações humanas afetivas entre professor e aluno é determinante para a concretização de uma aprendizagem ativa, orientada para processos autónomos de descoberta e de reflexão através da interação.

Perspetiva-se no âmbito do PB a construção de uma relação entre professor e aluno que inclua a relação interpessoal, tradicionalmente desconsiderada no ES. Essa relação deve ser construída na base da aproximação, da confiança e das expetativas que cada um constrói sobre o outro, aspetos que achamos fundamentais neste processo partilhado de aprendizagem mútua. Na verdade, durante anos, os saberes profissionais mais valorizados e de maior investimento formativo e pessoal foram referentes aos conteúdos científicos a ensinar, sobrepondo-se ao desenvolvimento do professor como pessoa e às suas atitudes de relacionamento com os outros (Souto-e-Melo, 2004).

Ainda no domínio das relações interpessoais, não podemos deixar de mencionar a aprendizagem cooperativa, desenvolvida por Spencer Kagan (1992), na década de oitenta. Neste modelo, o conhecimento emerge de um trabalho conjunto dos alunos, que, em grupo restrito, discutem ideias para alcançarem determinado objetivo comum, efetivando-se a aprendizagem através de uma responsabilização conjunta.

Também no PB subjaz o propósito da interação com os outros enquanto metodologia de aprendizagem. O trabalho de grupo tem sido valorizado na formação de profissionais competentes em detrimento da competitividade. Contudo, este tipo de aprendizagem, apesar das suas valências, é frequentemente contestado pelos alunos, visto que esta colaboração pressupõe o estabelecimento prévio de relações de respeito mútuo, de tolerância e de convivência, o que nem sempre acontece. O trabalho em equipa é, talvez, das situações de ensino mais difíceis de implementar, visto que requer a abertura de todos os membros para um processo de negociação constante, que numa sociedade marcada pelo individualismo é cada vez mais difícil de se conseguir.

John Dewey foi um dos principais percursores do ensino experiencial. Através da publicação de várias obras no âmbito da Educação como A Criança e o Currículo (1902), A

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papel da escola não deverá ficar reduzido à aquisição de saberes, mas deve explorar o potencial do aluno e prepará-lo para a utilização desses saberes na sua vida ativa. Neste sentido, Dewey só entende o conhecimento teórico mediante a sua exequibilidade ou, por outras palavras, a sua integração experiencial, concretizada no célebre princípio pedagógico

learning by doing.

As ideias de Dewey sobre educação foram seguidas por autores como Albert, Rogers e Kolb, e influenciaram fortemente a Pedagogia moderna e contemporânea, nomeadamente no que se refere ao campo da lecionação das artes. A escola da Bauhaus será um dos exemplos marcantes da implementação dos ideais de ensino impulsionados por Dewey. Fundada em 1919 por Walter Gropius, na Alemanha, esta escola foi uma das maiores e mais importantes expressões do modernismo artístico. De uma maneira geral, os seus pressupostos metodológicos mantiveram-se fiéis à ideia de que o conhecimento surge através da experimentação prática (Wick, 1989).

Rogers (1985) refere que a aprendizagem experiencial implica o envolvimento do aluno numa aplicação prática, fazendo aumentar o seu interesse bem como os níveis de motivação e suscitando a criatividade na resolução de problemas. Algumas das linhas orientadoras deste modelo enquadram-se nos pressupostos do PB, visto que a apologia do saber útil pressupõe o protagonismo do aluno na construção da sua aprendizagem, tendo em vista o desenvolvimento de competências crítico-reflexivas e criativas na resolução de problemas.

Segundo Simão, Santos e Costa (2004), o processo pedagógico do ES percorreu durante largos anos caminhos rígidos, baseados numa lógica curricular com metodologias de ensino, de aprendizagem e de avaliação assentes na assimilação de conteúdos pré-definidos. Este tipo de ensino tem vindo a ser combatido pelas teorias de aprendizagem que analisámos. E, agora no PB, essas teorias reaparecem de forma integrada nas práticas de ensino e aprendizagem e poderão ser implementadas consoante as competências formativas que se pretende desenvolver, respeitando as expectativas e o percurso individual de cada aluno.

No âmbito da renovação pedagógico-didática que se pretende implementar no ES, através da concretização do PB, para além da contribuição das teorias da aprendizagem apresentadas, entendemos que a Gestaltpedagogia, a Educação pela Arte e a Metodologia Projetual poderão dar o seu tributo no âmbito da desejada mudança. Neste sentido, apresentaremos na secção seguinte uma proposta de renovação pedagógico-didática que inclui os principais pressupostos das teorias/metodologias enunciadas.

3.2.2 Construção de uma Proposta de Renovação Pedagógico-Didática: Contribuição