• Nenhum resultado encontrado

Condicionantes da Renovação de Práticas de Ensino: Convergência

Capítulo 3 Configurações de Renovação Pedagógico-Didática no Ensino Superior à

3.1 Processo de Bolonha: Repensar o Papel do Ensino Superior

3.1.4 Condicionantes da Renovação de Práticas de Ensino: Convergência

Perante as inovações no âmbito pedagógico-didático a serem implementadas no ES, surgindo com elas um impasse proveniente da insegurança e dúvida relativa à mudança, torna-se imperioso o trabalho articulado entre docentes em torno de questões pedagógicas, ou seja, apela-se à efetiva dinamização do conceito de interdisciplinaridade no ES.

A criação de equipas pluridisciplinares, tal como recomenda o Relatório Trends 2010 (European University Association, 2010), que foquem o seu trabalho não apenas e só em problemáticas científicas da especialidade de ensino, mas que se debrucem igualmente na inovação e no sucesso pedagógico, são essenciais na prossecução de todo o processo de mudança. Com as ditas equipas pluridisciplinares pretende-se criar a partilha de perspetivas, de experiências, consolidando esforços e modos de atuar consentâneos com a prática de ensino. Esta dinâmica conjunta apela à corresponsabilização de todos os docentes na implementação de situações inovadoras de ensino, aprendizagem e avaliação, tornando-se um projeto de formação singular, ao invés da implementação de projetos insulares (Trindade, 2010).

É certo que o aperfeiçoamento deste processo não será tarefa fácil, visto que o ES não tem vindo a desenvolver as suas práticas neste âmbito tão integrador. Pelo contrário, tem demonstrado, ao longo dos tempos, que é talvez o nível de ensino mais resistente relativamente a este aspeto, evidenciando as suas práticas num âmbito mais autónomo, individual, de acordo com as perspetivas de cada docente, pelo que as áreas de saber lecionadas se mantêm fechadas entre si e nos saberes que as enformam. Este aspeto demonstra a resistência do ES perante questões relacionadas com a interdisciplinaridade, onde se consolidem esforços plurais num projeto comum.

As Coordenações de Curso, por exemplo, por diversas vezes, restringem o seu trabalho a dar resposta a solicitações de âmbito meramente burocrático, em detrimento de dinamizar encontros entre docentes para consolidação de práticas de ensino. Os próprios

62

programas das UC são elaborados pelas diversas áreas científicas/disciplinares intervenientes responsáveis pela lecionação, surgindo, muitas vezes, completamente desincorporados das finalidades dos cursos. Dentro das próprias áreas científicas/disciplinares existem UC atribuídas a determinado docente ou a determinado grupo de docentes que não se questionam sobre a sua exequibilidade e adequação prática. Estes são alguns dos exemplos que demonstram a persistente implementação de projetos de formação estanques e desintegrados entre si.

Outra das dificuldades sentidas para a renovação das práticas de ensino advém do facto de que, com a brevidade dos ciclos de estudo, consignados pelo PB, a consequente concentração dos saberes ditos fundamentais de uma dada área de conhecimento e de formação num espaço de tempo substancialmente menor relativamente aos cursos pré- Bolonha e face ao número avultado de alunos por UC e de poucos professores que se verificam em boa parte dos cursos, existe como que um efeito tentador, às vezes o único possível, de manutenção ou do regresso às pedagogias tradicionais, caracteristicamente transmissivas. Os próprios programas das UC mostram-se mal planeados, sem uma visão de conjunto e de integração entre as várias áreas de conhecimento e desajustados relativamente à carga total de trabalho do aluno, ultrapassando inúmeras vezes a que está estipulada.

Será então necessário que os professores dinamizem um trabalho direcionado para a «integração cada vez maior entre as diversas áreas do conhecimento» (Dalberio & Dalberio, 2010, p.8), consolidando uma busca contínua e integrada de trabalho entre as várias UC e áreas subjacentes, procurando a convergência dos objetivos gerais de formação. Deve, no entanto, respeitar-se a especificidade de cada uma das ditas unidades e áreas (Masetto, 1997). O aperfeiçoamento deste processo conduz-nos a uma prática cada vez mais interdisciplinar, na qual «a cooperação entre as várias disciplinas provoca intercâmbios reais, isto é, existe a verdadeira reciprocidade nos intercâmbios e, consequentemente, enriquecimentos mútuos» (Santomé, 1998, p.70). Tal como refere João Formosinho (2009b), a prática profissional docente carece de «uma convergência solidária de esforços e uma prática interdisciplinar da atuação docente» (p.89).

A par da convergência interdisciplinar, o PB defende que os ciclos de estudo proporcionem aos alunos o acesso a programas suficientemente diversificados, que incluam «oportunidades para estudos multidisciplinares» (Declaração de Sorbonne, 1998, para.7), no sentido de os estudantes poderem construir a sua formação mediante uma diversidade formativa e de acordo com os seus interesses pessoais. Esta ideia foi reforçada mais tarde na Declaração de Praga (2001), em que é referido que os planos de estudo devem «ter orientações diferentes e perfis diversificados, de forma a responder à diversidade das necessidades individuais, académicas e laborais» (para.8). Aliás, o que está na base da conversão das áreas curriculares num sistema de créditos, os ECTS, é precisamente a possibilidade que este traz no âmbito da flexibilização curricular. Este sistema facilita o alcance de alguns dos objetivos consagrados pelo PB, como por exemplo: o aumento da mobilidade dos estudantes; a possibilidade de os estudantes terem um papel mais ativo e

63

interveniente na sua formação permitindo, nomeadamente, que estes possam optar por planos de estudos de acordo com os seus interesses e expetativas, recorrendo às UC de cariz opcional; e o aumento do acesso e sucesso de todos os cidadãos que pretendem singrar no ES, visto que para dar resposta à heterogeneidade há que salvaguardar um processo de diversificação curricular (Formosinho, 2009a). Ora, perante esta possibilidade de diversificação disciplinar, será necessária uma adequada convergência dos vários saberes, atendendo e respondendo de forma eficaz às necessidades e vias formativas dos alunos.

Na Declaração de Berlim (2003), constata-se que os percursos formativos ainda são muito rígidos e que não aproveitam a potencialidade do sistema de créditos. O ensino é ainda predominantemente magistral, pouco motivador para os alunos, e os conteúdos cognitivos estão ainda muito integrados na lógica disciplinar, não afetos às necessidades de mercado, e são privilegiados em detrimento das competências horizontais de natureza pessoal, interpessoal e de relacionamento.

Apesar de na Declaração de Glasgow (2005) os estados-membros se terem comprometido a implementar esforços que garantissem a flexibilização dos planos de estudo, este ainda é um aspeto a melhorar, segundo dados recentes provenientes do Projeto Tuning (González & Wagenaar, 2008).