• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 3 Configurações de Renovação Pedagógico-Didática no Ensino Superior à

3.1 Processo de Bolonha: Repensar o Papel do Ensino Superior

3.1.3 Rumo a uma Nova Docência no Ensino Superior

A implementação de novas práticas de ensino no ES é um dos aspetos mais problemáticos do PB, pois segundo Feyo de Azevedo (2010, março 11), este é um dos objetivos com maiores dificuldades de execução, exigindo uma rutura cultural no que diz respeito às abordagens pedagógico-didáticas muitas vezes difícil, tanto para professores, como para alunos. Aliás, em Portugal, há o reconhecimento de que a implementação de novas práticas de ensino é o grande desafio trazido por Bolonha (Direção Geral de Ensino Superior, 2009, junho 26), visto que se relaciona, na maioria das vezes, com o tipo de abordagens pedagógicas-didáticas que os professores defendem, como refere Sebastião Feyo de Azevedo (2010, março 11).

O estado do conhecimento científico sobre processos pedagógicos no ES tem constituído uma dimensão pouco conhecida e trabalhada em alguns países, entre os quais se inclui Portugal, sendo ainda de salientar o caráter fragmentário dos estudos desenvolvidos nesse âmbito (Estrela, 2010). No entanto, e fruto da implementação do PB, verificaram-se avanços significativos nas duas últimas décadas traduzidos nomeadamente na quantidade de trabalhos de investigação relacionados com este domínio (Cunha, 2004, 2006; Flores, 2006; Leite, 2007, 2010; Leite & Ramos, 2007, 2010) e da institucionalização de vários cursos de

58

mestrado no âmbito da pedagogia do ES, bem como o investimento na formação pedagógica dos professores em várias instituições de ES portuguesas, sendo de destacar o caso da “educação médica”, que é um exemplo marcante e atual deste interesse que começa a surgir (Estrela, 2010). Ou seja, o debate em Portugal em torno de assuntos relacionados com a pedagogia no ES tem vindo, sucessivamente, a ganhar «destaque e reconhecimento» (Fernandes, 2010, p.100), embora tarde em chegar às políticas educacionais implementadas.

Segundo Carlinda Leite (2007), a formação dos professores do ES, no que se refere ao âmbito pedagógico-didático, «tem sido predominantemente deixada a uma atividade individual construída na base da experiência» (p.132). Ou seja, «no essencial, a formação é autoformação» (Cachapuz, 2001, p.57). A autoformação significa que o professor fica entregue a si mesmo, traduzindo-se num percurso individual de formação de vertente meramente facultativa, estando, desta forma, dependente da sensibilidade que este possui, quer para investigar neste domínio, quer na transferência para as suas aulas do que investiga autonomamente, algo que nos parece determinante para que a inovação pedagógica se efetive e que se contrapõe à ideia desejada de uma «atitude pedagógica emancipatória» (Fernandes, 2010, p.101). Esta atitude, por um lado, «exige conhecimentos académicos e competências técnicas» e, por outro lado, compreende competências «sociais que configurem um saber fazer que extrapole os processos de reprodução» (Cunha, 2004, p.529).

Terá, pois, chegado o momento de as instituições de ES se debruçarem sobre a problemática do «aperfeiçoamento pedagógico dos seus docentes de uma maneira inovadora» (Cachapuz, 2001, p.55), perspetivada mediante uma formação permanente no âmbito do quadro institucional da autonomia do ES e em articulação com os resultados da avaliação dos cursos. No momento atual, a maioria dos docentes do ES, para além de não possuírem qualquer formação no âmbito pedagógico-didático, evidenciam uma descrença relativamente às potencialidades e à importância desse conhecimento.

Contudo, as taxas de insucesso associadas à massificação do ES, bem como os resultados da avaliação de alguns cursos que vieram confirmar a insatisfação dos alunos face à formação pedagógica-didática de muitos dos seus docentes, têm vindo a desmistificar esta ideia (Estrela, 2010), restando, portanto, poucas dúvidas sobre o esforço que importa fazer no que respeita ao aperfeiçoamento pedagógico dos docentes. No âmbito da mudança de paradigma educacional, impulsionado pelo PB, procura-se uma tomada de consciência progressiva por parte dos docentes relativamente à necessidade de implicar na sua formação, e consequente atividade docente, também o conhecimento pedagógico-didático.

A importância concedida à formação pedagógico-didática, segundo Le Boterf (1997), tem que ver com uma nova compreensão de nível complexo, visto que o professor é sistematicamente confrontado com problemas para os quais não existem respostas pré- concebidas e que, portanto, oferecem uma indubitável incerteza face à sua resolução. Será pois necessário que o docente organize, selecione e reconfigure recursos de acordo com o problema surgido, no sentido de gerir a complexidade proveniente de contextos específicos de ação, em prol do sucesso dos seus alunos (Esteves, 2010).

59

Segundo o Relatório Trends 2010 (European University Association, 2010), têm sido implementados alguns programas de formação pedagógica de docentes do ES, nomeadamente nos países da Europa do Norte. Não obstante, em algumas instituições de ES portuguesas já se começaram a desenvolver formas de inovação pedagógica através de incentivos financeiros, que se têm traduzido na aquisição de recursos e equipamentos de salas de aula, na renovação das infraestruturas e na criação de cursos de formação para docentes. Estes cursos têm privilegiado as seguintes temáticas: trabalho pedagógico em torno de projetos, exploração de modelos interativos de aprendizagem, aperfeiçoamento da utilização de ferramentas no âmbito da Tecnologias de Informação e Comunicação, avaliação da aprendizagem, abordagens sobre o (in)sucesso na transição para o ES, entre outras (Leite & Ramos, 2010).

Todavia, como a dita formação pedagógica-didática dos docentes do ES não foi tida como uma obrigatoriedade, acabou por não se efetuar na maioria das instituições de ES em Portugal. Ou seja, a tentativa de criar uma rede de formação de docentes do ES, que já tinha ocorrido no início dos anos noventa (Cachapuz, 2001), foi algo que ainda não se concretizou. A formação no âmbito pedagógico-didático dos docentes do ES será fundamental para a concretização e implementação de novas metodologias de ensino, que desenvolvam e impulsionem uma nova atitude, por parte do aluno, perante a aprendizagem.

As instituições de ES não podem mais adiar e menosprezar questões relacionadas com a pedagogia e com a didática, atendendo ao modo como se ensina, como se criam condições de aprendizagem efetiva, mas também ao modo como se avalia essa aprendizagem. Há muito que se tenta inserir nos sistemas de EB e secundário a dimensão pedagógica, tendo em vista a melhoria da qualidade do ensino. No entanto, no ES, esta só começou a ser desenvolvida com o PB, que identificou formalmente o seu valor e importância no âmbito dos objetivos estratégicos da formação atual. Esta importância baseia-se numa dinâmica da construção e do desenvolvimento profissional debruçado num ensino que gera aprendizagens e na aquisição de competências centradas no aprender a aprender.

Esboça-se, assim, o conceito de profissionalidade docente, como forma de dar uma resposta adequada à dita complexidade dos contextos de formação, em que o saber enformado apenas no «ter talento, ter bom senso, seguir a intuição, ter experiência e ter cultura» (Leite & Ramos, 2010, p.30), que tem constituído a sua base, é superado. Emerge agora a necessidade de se «romper com a “racionalidade da tradição académica e técnica”» (Leite & Ramos, 2010, p.31), implicando que se conjuguem esforços na rutura com o domínio exclusivo do conteúdo e da experiência de investigação, amplificando a competência docente ao saber ensinar, compreendendo que as questões do ensino e da aprendizagem universitária se situam para além do domínio científico e do que se «aprende na prática» (Leite & Ramos, 2010, p.31).

Questionando a profissionalidade vigente dos docentes do ES, e apontando para uma que tenha como objetivo fundamental a aprendizagem dos estudantes, torna-se evidente o que Zabalza (2004) refere: «a formação dos professores universitários, no sentido de qualificação científica e pedagógica, é um dos fatores básicos da qualidade da universidade»

60

(p.145). No entanto, sabemos que «a profissionalidade não é algo que se impõe mas que resulta de uma construção» (Leite & Ramos, 2010, p.32) conjunta e ativa de saberes que «implicam consciência, compreensão e conhecimentos» (Cunha, 2006, p.80) entre todos os que lecionam e que dirigem as instituições de ES. O desenvolvimento da profissionalidade docente do ES ainda não assenta na formação pedagógico-didática, como seria desejável.

Todavia, o desenvolvimento da profissionalidade dos docentes do ES, bem como a sua suposta formação no âmbito pedagógico-didático, por si só, não garantem a aprendizagem efetiva e o consequente sucesso dos alunos. Há outras variáveis, como as rotinas e a falta de reflexão na e sobre a ação que podem ser determinantes na prossecução, ou não, de todo o processo formativo e de renovação de práticas (Schön, 1987, 1992; Zeichner, 1993). Entendemos assim que, caso não se verifique uma reflexão que dê suporte ao desenvolvimento efetivo do conhecimento como forma de aprendizagem, não haverá a consolidação e consequente implementação da renovação pedagógica. Na realidade, «a prática, por si só, pode não garantir aprendizagem» (Leite & Ramos, 2010, p.31), já que deve envolver uma reflexão na e sobre a ação.

A abordagem reflexiva assenta na consciência da imprevisibilidade dos vários contextos de ensino, perante a qual a competência para agir implica uma «mistura integrada de ciência, técnica e arte» (Alarcão & Tavares, 2003, p.35). Esta capacidade implica que o professor, na sua atividade letiva, tenha uma criatividade e uma sensibilidade de artista (Schön, 1987) seguindo, no entanto, uma cultura comum de valores definidos pela profissionalidade docente. Assim, será necessário que o professor assuma uma atitude que lhe permita fundamentar determinada ação educativa e que o responsabilize para melhor ensinar, pois o exame crítico da prática de ensinar e o persistente exercício de julgar assuntos curriculares, antes, durante e após a aula, fazem com que a reflexão seja uma característica fundamental da ação do professor atual, desenhando um dos traços que passam a distingui-lo do professor tradicional (Souto-e-Melo, 2004).

Relativamente aos aspetos que podem comprometer o processo de reflexão, Wildman, Magliaro, Mclaughlin e Niles (1990) destacam: a falta de tempo dos docentes; o ambiente administrativo da própria instituição de ensino, que pode não valorizar esse trabalho, não proporcionando momentos de reflexão conjunta; o facto de a reflexão fazer questionar o professor, com bastantes anos de experiência, sobre as suas atitudes e práticas desenvolvidas, podendo aumentar o grau de risco pessoal, isto é, pondo em causa a credibilidade do trabalho desenvolvido em anos anteriores, pois a reflexão implica muitas vezes o confronto com a realidade que está adormecida e que não queremos ver.

A mudança no conceito pedagógico e educacional do ES não tem sido um processo pacífico. Por um lado, implica um aumento de despesas, pela aquisição de recursos e de reformulação de infraestruturas adequadas às novas práticas de ensino. Por outro lado, é inevitável o aumento de trabalho dos docentes, mas não o aumento da carga letiva, visto que se verifica, na atualidade, nos horários dos docentes do ES que subsistem horas de trabalho formal que não são contabilizadas na carga horária letiva, como são exemplo a supervisão de

61

estágios, a orientação de dissertações/trabalhos/projetos, a participação em equipas de trabalho para a avaliação de cursos, entre outras atividades mais de âmbito burocrático. A reformulação nos processos de ensino, aprendizagem e de avaliação implica uma abordagem criativa por parte do professor, traduzida na necessidade da utilização de um maior número de horas para preparar as aulas das respetivas UC, para preparar novas formas de ensinar e para acompanhar o processo contínuo e individual de formação dos alunos. Tudo isto a par da desejável atualização dos conhecimentos para lecionar. No que concerne à avaliação começa a desenvolver-se o pressuposto da aplicação de instrumentos que impulsionem uma avaliação contínua e individual, portanto mais morosa, reduzindo a aplicação de instrumentos mais rápidos e padronizados, como os exames.

3.1.4 Condicionantes da Renovação de Práticas de Ensino: Convergência