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Capítulo 1 Introdução

2. Processo de Bolonha: Percursos e Mudanças

2.2 Processo de Bolonha: Estratégia Europeia para o Desenvolvimento

2.2.7 Autonomia Pedagógica, Institucional e Financiamento

A autonomia das instituições de ES passa pela definição da sua missão enquanto espaço privilegiado para o tão proclamado desenvolvimento da sociedade de conhecimento. A Magna Carta das Universidades Europeias (1988) apresenta alguns princípios basilares, entre os quais nos interessa destacar a importância da autonomia das instituições de ES, relativamente à investigação, ao conhecimento que produz e ao ensino que exerce. É referido que as instituições de ES se devem «abrir às necessidades do mundo contemporâneo […] independente de qualquer poder político, económico e ideológico» (para.6). A autonomia das instituições de ES passa, pois, pela definição de uma autonomia financeira, sendo importante refletir também sobre a autonomia pedagógica que se pretende implementar nos processos de ensino e aprendizagem, mediante a implementação de novas práticas de ensino, para se alcançar a desejada flexibilidade curricular.

Na Declaração de Lisboa (1997) atribuiu-se grande importância ao princípio da autonomia das instituições e à consciência da «necessidade de salvaguardar e de proteger esse princípio» (para.6), aspeto que tem sido tão manifestamente reivindicado em muitos países e que veio igualmente a ser reforçado na Declaração de Bolonha (1999).

Na Declaração de Salamanca (2001), faz-se a apologia do facto de as instituições de ES necessitarem de uma certa liberdade para se adaptarem às mudanças e aos novos parceiros locais (empregadores), nacionais e internacionais, sendo que a variedade das suas tarefas requer liberdade de ação para uma maior eficiência. A referida liberdade de ação dependerá, por sua vez, da flexibilização e da independência no planeamento estratégico de cada instituição. Assim, as instituições de ES solicitam autonomia para o desenvolvimento e planeamento estratégico, fixando metas e prioridades para a distribuição de fundos, para a seleção de parceiros para a pesquisa e ensino, para a seleção de áreas de pesquisa, para a definição de currículos, para a seleção de capital humano, em especial na contratação de docentes, e para a fixação de regras para a admissão de estudantes.

Nesta Declaração faz-se, ainda, apelo à autonomia intelectual das instituições de ES, pois estas precisam de maior liberdade operacional e de esquemas de financiamento mais justos para poderem participar numa verdadeira competição. Na realidade, uma maior diversidade de currículos irá incentivar a competição.

No que se refere à Declaração de Lovaina (2009), é defendido que o investimento público no ES é uma prioridade máxima, no contexto do PB, assegurando os recursos

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necessários para continuar a cumprir a totalidade dos seus efeitos e responsabilidades, no sentido de, por um lado, preparar os alunos para a vida como cidadãos ativos e intervenientes numa sociedade democrática e, por outro lado, preparar os alunos para carreiras futuras, permitindo o seu desenvolvimento pessoal para a aquisição de uma base ampla de conhecimentos avançados e estimuladores da pesquisa e da inovação.

Na dita Declaração faz-se, ainda, apelo para que a reforma no ES potencie a autonomia institucional, a liberdade académica e a equidade social, exigindo a plena participação de todos os intervenientes. A prestação de contas desencadeará o desenvolvimento da autonomia, confirmando o seu financiamento público. Neste sentido, e no que diz respeito à autonomia institucional consignada às várias instituições de ES, esta deverá permitir a modelação das suas formas de organização, de acordo com a missão científica e cultural do país.

Podemos verificar que, na atualidade, o processo de autonomia das instituições de ES portuguesas, de uma maneira geral, é marcado pelo funcionamento de modelos administrativos rígidos e pouco flexíveis, impedindo uma gestão profissional adequada à realidade local e às necessidades decorrentes do interesse do público que os frequentam e que descuida, por vezes, políticas de rigor, de qualidade científica e pedagógica (Simão, Santos & Costa, 2002). No que se refere à autonomia atribuída especificamente ao ensino politécnico, que aqui interessa desenvolver, podemos observar de que a chamada autonomia politécnica (Simão, Santos & Costa, 2002) não aparece consagrada na Constituição da República Portuguesa. Apenas é referida na LBSE, a propósito da administração e da gestão dos estabelecimentos de ensino e educação, nos seguintes termos: «os estabelecimentos do ensino superior gozam de autonomia científica, pedagógica e administrativa; a autonomia dos estabelecimentos do ensino superior será compatibilizada com a inserção destes no desenvolvimento da região e do país» (art.48º). A Lei nº54/90 amplia a autonomia politécnica nos seguintes termos: «os institutos politécnicos são pessoas coletivas de direito público dotadas de autonomia estatuária, administrativa, financeira e patrimonial, de harmonia com o disposto na presente lei» (art.1º).

No Decreto-Lei nº252/97 consagram-se normas especiais de flexibilidade da gestão para as universidades, as quais, como é referido no preâmbulo, não são extensivas às instituições politécnicas. A autonomia financeira, sem prejuízo da ação fiscalizadora do Estado, é conferida apenas às universidades, aspeto que, no nosso entender, deveria ser igualmente salvaguardado nas diversas instituições da rede pública, quer sejam universidades quer sejam instituições de ensino politécnico.

O facto de o financiamento estar dependente, na atualidade, do número de alunos, leva a que as instituições de ES implementem cursos sem ponderar a sua real necessidade e sem o tempo necessário para refletir profundamente sobre a sua qualidade e efetiva valência para quem os conclui. A este propósito, Marinho Pinto, atual Bastonário da Ordem dos Advogados chega mesmo a acusar Mariano Gago, anterior Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, de ter permitido que as universidades «vendam cursos», realçando que a

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preocupação fundamental das universidades na atualidade não é de ensinar, mas de se financiar (R. Borja-Santos, 2010, setembro 9). Embora a educação superior seja considerada fundamental para o desenvolvimento sustentável dos países, o seu financiamento tem sido cada vez mais negligenciado pelos poderes políticos, aspeto preponderante em quase todos os países (Gurría, 2008, junho), nomeadamente em Portugal.

No que diz respeito à autonomia pedagógica interessa destacar dois aspetos importantes: um deles diz respeito à autonomia que se pretende implementar sobre as práticas letivas, aludindo a um perfil cada vez mais aberto à especificidade dos alunos, indo ao encontro dos seus interesses individuais de formação, ou seja a uma autonomia pedagógica e didática. Um outro aspeto diz respeito ao tipo de competências que se pretende que o aluno adquira no ES e que transfira para a sua atitude no mundo de trabalho. Este último aspeto refere-se a uma vertente fundamentalmente comportamental que se pretende trabalhar no indivíduo em formação de forma integral, para que este possa atender, por um lado, aos interesses do mercado e, por outro lado, para que possa atuar ativamente no mundo globalizado. As exigências da sociedade atual passam fundamentalmente pelo desempenho individual da pessoa que incorpora os valores, desafia, pesquisa e decide sobre as novas causas da sociedade e das novas responsabilidades nessa mesma sociedade (Siqueira & Pereira, 1998).

A autonomia é hoje considerada uma prioridade revisitada no mundo globalizado. Cada vez mais se constata uma profusão de novos sentidos para esta palavra, a qual passa a exercer grande força para qualificar a ação humana. Atualmente, podemos verificar a incidência do conceito de autonomia em todas as circunstâncias da vida social, pois a sua aplicação é constatada em inúmeros contextos na era da globalização (Siqueira & Pereira, 1998). A autonomia permite construir determinados processos e estratégias de ação, optando por caminhos e alternativas reais da ação crítica e construtiva do próprio saber de acordo com os interesses pessoais de cada indivíduo e do meio vivencial.

Neste sentido, pretende-se que o ES produza conhecimentos e proporcione formação a quem o frequenta com um grande sentido de pertinência social (Sobrinho, 2005a), criando- se respostas aos aspetos mais urgentes da sociedade atual. Contudo, para que esta pertinência social seja uma realidade no ES, será imprescindível que se estabeleça uma verdadeira autonomia nas instituições para que professores, alunos e investigadores identifiquem as prioridades sociais para a produção de conhecimento rigoroso e pertinente, emergindo, necessariamente, um repensar do papel do ES que atenda às necessidades atuais de formação e que, através de uma renovação pedagógica-didática, consiga alcançar os objetivos estratégicos estabelecidos no âmbito do PB.

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