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Conhecimento cristão e outras formas de conhecimento

A. A ciência física

A palavra ciência não tem um significado bem definido no pensamento moderno. Por conseqüência, surgem muitos equívo­ cos. A ciência física trata dos fatos da natureza física; as ciências sociais e morais, dos dados da sociedade humana em suas formas variadas; a ciência religiosa, dos fatos da vida religiosa. Em todas as ciências o propósito é o de descobrir e formular, de maneira tão exata quanto permita o campo da investigação, as leis que expressam o significado das forças que operam nela.

1. Há certos pontos entre os métodos da ciência física e a teológica que estão em acordo. Em ambas, apenas os fatos, e tão-

somente os fatos, são levados em conta. Em ambas, as realidades observadas se conhecem apenas parcialmente. Em ambas procura- se uma explicação sistemática.

2. Há também pontos de contraste. As realidades que se conhecem não são as mesmas. A ciência física trata com o mundo da matéria; a religião, com o mundo do espírito. Os modos de conhecer não são os mesmos. Na ciência física a sensação supre os dados; na religião, as experiências íntimas de comunhão com Deus. A relação de causa e efeito não é a mesma nas duas esferas. Na ciência física a continuidade, ou a transformação de energia, é a forma em que a relação causai se manifesta. Na experiência cristã a relação causai se expressa em termos de ação mútua entre pessoas. A liberdade é a declaração que se deve empregar na religião, e não a causalidade física. Os resultados não são iguais. Nas ciências físicas as leis matemáticas expressam seus significados. Nas ciências sócias, e nas ciências relacionadas com a religião, os princípios, ou preceitos gerais, ou doutrinas que expressam relações pessoais, são os únicos adequados.

3. A excelência suprema da ciência exata que, com fórmulas matemáticas, manifesta as leis da matéria, da energia e do movi­ mento, torna-se seu principal defeito ao tratar de assuntos mais sublimes. No âmbito da vida, as declarações das leis matemáticas não são conciliáveis com a natureza mecânica. No âmbito da per­ sonalidade, da liberdade e do espírito, os métodos convencionais das ciências físicas não podem ser empregados. Desse modo, o método da ciência física e os dados com que lidam devem deixar os fatos do mundo espiritual para a ciência moral e religiosa. As questões relacionadas a Deus, a alma e a imortalidade não estão, de maneira alguma, relacionadas com problemas das ciências fí­ sicas. Seus métodos não se aplicam. Assim não podem provar nem contradizer. Outras normas de juízo e critério de verdade devem ser empregadas. É de importância fundamental reconhecer essa distinção de métodos. Só assim podemos evitar uma grande

variedade de falsas questões enganosas e supostas "contradições" entre a ciência e a religião.

4. Alegado desinteresse da ciência física

Às vezes a ciência se contrasta com a religião por afirmar que está interessada na verdade como verdade, enquanto a religião está concentrada em um interesse e uma necessidade particular. Então se conclui que a ciência ministra resultados mais fidedignos do que os da religião. Supõe-se que se o interesse e a necessidade estão ausentes, a verdade se descobre com mais facilidade. O prof. Teodoro Hearing, em seu tratado A fé cristã, falando da ciência e religião em sua procura da verdade, disse que ambas têm "em comum um interesse intenso da verdade no sentido singelo da palavra". "Mas", continua dizendo, "quanto se diferenciam em seu desejo da verdade! Quanto mais genuína seja a ciência, estará mais próxima de seu ideal, distingue melhor o que procura saber do valor que isto tem para o sujeito que o conhece. Se submerge tanto no objeto que se esquece do sujeito. Isto não significa que a mente humana seja capaz de fazer algo que não seja de valor para si mesma; mas o valor do conhecimento depende de sua compreensão do objeto que há de conhecer tão completa e exatamente e tão pouco influenciado por qualquer fator estranho tanto quanto seja possível. O homem religioso, em contrapartida, esforça-se para conhecer a verdade de Deus, porque sua vida depende dele; tem o maior interesse possível na verdade do mundo de sua fé. Tanto quanto o pesquisador científico, ele não tem a menor intenção de enganar-se (neste aspecto, a verdade tem precisamente o mesmo significado para ambos); mas, por causa da importância do objeto para o sujeito, ele está ansioso para não se enganar ao considerar o objeto. O homem da ciência, por sua vez, está ansioso por causa do objeto, está interessado ao que se refere a sua natureza, distinta de sua importância para o sujeito".

Com essa declaração geral, podemos definir a diferença entre ciência e religião. Mas o prof. Hearing declara aqui, e demonstra de muitas maneiras, que o homem religioso está tão interessado em encontrar a verdade quanto o homem científico.

O contraste é exagerado em certos pontos, e parece supor que o científico tem um motivo que o conduzirá à verdade com maior probabilidade. É necessário modificar alguma coisa de sua declaração. Podem-se acrescentar as seguintes afirmações.

(1) Não é correto supor que a ausência de "interesse" seja a melhor condição para encontrar a verdade. Discussões recentes de teorias de conhecimento mostram que o in­ teresse é uma condição necessária para a descoberta. A luta pela vida em todas as suas formas e o enfrentamento do mundo na busca das necessidades vitais são as nos­ sas principais fontes de conhecimento. O científico não está separado do "interesse" em uma esfera de "puro pensamento". Não existe o tal puro pensamento no sen­ tido de esse pensamento estar separado de sentimento e desejo. O verdadeiro cientista está dedicado de forma apaixonada e entusiasmada ao ideal da verdade porque, para ele, semelhante devoção é o valor principal da vida investigativa. Quando reduzir sua paixão e entusiasmo, é provável que haja queda no rendimento de seus proce­ dimentos científicos. Tem um grande interesse pessoal no ofício de sua vida.

(2) Também, o interesse aparente do cientista na verdade objetiva por amor a ela se deve à natureza de material e suas investigações. A natureza física é objetiva ao homem. Suas reações sobre ela se efetuam pelos sentidos. Na religião, o homem conhece uma realidade subjetiva, uma presença espiritual; essa pode parecer menos real, e as conclusões acerca dela podem parecer menos fidedignas

que as conclusões feitas acerca da matéria, da energia e do movimento. É certo também que a necessidade e o interesse religioso são os mais profundos de todos os interesses humanos. Ocupam a alma humana como nenhuma outra coisa o faz.

(3) Não podemos dizer que o homem religioso e o científico se diferenciam porque o primeiro ama a verdade por si mesma sobre todas as coisas, enquanto o segundo pensa principalmente em si e não quer inconveniente que o possa enganar. O estudante da natureza e o estudante da religião, se tomarmos as duas coisas em suas formas mais elevadas, são fundamentalmente semelhantes em sua devoção apaixonada para com a realidade e a verdade. Ambos odeiam a mentira a as falsas pretensões. Ambos desejam saber toda a verdade que se pode descobrir. Para ambos, a primeira condição de descoberta é a completa devoção aos objetos de estudo.