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experiência cristã

L. Objeções à certeza cristã

A seguir relacionamos algumas objeções à certeza e ao co­ nhecimento cristão:

1. Primeiro, objeta-se que não seja uma forma de certeza que obrigue a aceitação. Em resposta, dizemos que compulsão está fora de cogitação na esfera religiosa e moral. A idéia de uma certeza compelidora à aceitação implica uma atitude mental totalmente diferente ou hostil da parte do homem cuja concordância é procu­ rada. Tal atitude mental nunca pode resultar em certeza religiosa uma vez que a vida religiosa é uma atividade conjunta de Deus com o homem. A livre atividade moral da parte do homem, quer dizer, uma livre escolha moral, é a própria essência da religião no sentido cristão.

Pois bem, uma demonstração compelidora à aceitação é usualmente do tipo matemático. A certeza cristã perderia todas

as suas qualidades distintas e elevadas caso pudesse produzir uma certeza da ordem matemática. E uma lei geral que quanto mais elevado subimos na escala do ser, do mecânico ao biológico, do biológico ao pessoal e moral, menos capazes somos de declarar nosso conhecimento em fórmulas matemáticas exatas. Tais declarações destruiriam as qualidades morais e espirituais do ser e as nivelariam com o matemático. Suponhamos, por exemplo, que fosse possível expressar o que chamamos de liberdade do mesmo modo que demonstramos a lei da rotação do planeta sobre seu eixo como tantos quilômetros por segundo; ou suponhamos que pudéssemos expressar o que pensamos da ação de Deus sobre nós como uma fórmula exata como a da gravidade. Imediatamente, a idéia de liberdade e a idéia de Deus perderiam todo elemento que as fazem valiosas e atrativas a nós. Aliás, as idéias de Deus e liberdade seriam assim destruídas. Nós não queremos uma certeza matemática na religião. Isto a destruiria como religião. Não é uma deficiência da verdade e realidade nas relações religiosas do homem com Deus o que proíbe sua expressão em termos matemáticos. E muito mais a abundante plenitude da verdade e realidade existente nelas que proíbe tal expressão.

2. Uma segunda objeção é que o padrão de conhecimen­ to e certeza contido na experiência cristã é escasso. Essa objeção está baseada em uma compreensão equivocada da natureza da experiência cristã. Na realidade, essa experiência envolve a mais alta concepção moral e espiritual de Deus que o mundo jamais conheceu. Essa concepção inclui todos os conceitos válidos acerca de Deus. A experiência também envolve todas as fases da comu­ nhão religiosa entre o homem e Deus. É de fato diferenciada pela abrangência de sua exclusividade. E um erro confinar a experiência cristã a esse ou aquele tipo de experiência emocional. Os psicólo­ gos da religião, como vimos, analisam a experiência de conversão e a vida que segue em vários aspectos. Em algumas, os elementos emocionais prevalecem; em outras, os éticos ou práticos; e ainda em outras, o intelectual. Em alguns casos, há um enorme sentido

de pecado e culpa. Em outras, há um silencioso ato de obediência que inaugura a nova vida em Cristo. Em alguns casos, há uma alegre captação da paternidade de Deus que domina a experi­ ência. A mudança religiosa é, às vezes, cataclísmica e repentina. Outras vezes, é silenciosa, resultado de um processo gradativo de educação nas verdades do evangelho. Nenhuma variação da experiência é excluída, seja o temperamento individual, a prévia educação, a influências ambientais e sociais. Todos os variados tipos de experiência encontram assim o seu lugar na abrangência da experiência cristã. Os fatos essenciais são:

(1) A revelação de Deus em Cristo.

(2) O estado anormal e pecaminoso do homem natural em suas relações com Deus.

(3) A ação do Espírito Santo na regeneração do coração, estabelecendo relações normais entre o homem e Deus. Não há possibilidade de alguma forma de experiência religiosa genuína não estar incluída na verdadeira experiência cristã. Isto ficará mais claro quando tratarmos de relação da experiência cristã com a psicologia da religião.

3. Outra objeção é que o critério ou padrão de verdade que ressaltamos é subjetivo. A resposta também aqui é que o opositor não compreendeu inteiramente a completa verdade do assunto. A norma ou padrão de verdade envolvido na experiência cristã não é de forma alguma meramente subjetivo. Antes de tudo, é fundado na revelação de Deus em Cristo. A Bíblia nos traz o conhecimento dessa revelação. A verdade cristã é então primeiramente objetiva e histórica. Depois ela é subjetiva e experimental. Reconhecemos e afirmamos veementemente que a fé meramente subjetiva é instável, incerta e insatisfatória. A história do pensamento humano acerca da religião prova isto.

A consistência da posição cristã é que ela supre tanto o elemento subjetivo quanto o objetivo da religião. Alguns homens modernos se opõem vigorosamente a autoridades externas de todo gênero. Eles são excessivamente mesquinhos e provinciais em sua perspectiva ao assumirem essa posição. Mas, por outro lado, sua opinião está correta. Insistem em que a verdade deve ser assimilada por nós, se é para ser eficaz em nós. A crítica à posição cristã foi, por algum tempo, do seguinte modo: "Sua revelação bíblica histórica não merece ser considerada porque você procura impô-la como autoridade externa". Em outro momento, a crítica foi: "Sua experiência evangélica não é para ser levada a sério porque é meramente subjetiva".

A isto respondemos, primeiramente, que estas objeções se contradizem. Um crítico insiste em que os padrões e autoridades objetivas não são suficientes. A verdade deve ser assimilada interiormente. A alma deve dizer "amém" a isto. Com isto o cristão concorda. O outro crítico insiste na realidade objetiva, alguma coisa externa à experiência a qual se refere. Com isto o cristão também concorda. Mas o cristão possui aqui uma grande vantagem. Os opositores não concordam um com o outro. Suas teorias da verdade estão em conflito. O cristão combina os dois princípios. Ele reconhece a verdade relativa em cada uma delas. Mas insiste também que qualquer uma delas isolada não passa de meia- verdade. É na combinação de cada uma delas que encontraremos a verdade. Por experiência sabemos que a verdade é íntima e vital. Nós a assimilamos. Mas em Cristo e no Novo Testamento nós a conhecemos como subjetiva. A verdade é um grande mundo externo à alma. A alma entra nela e encontra o sentido daquele mundo. Neste sentido, a religião cristã é semelhante à ciência física. Sabemos porque descobrimos e relatamos nossas descobertas. Estas descobertas estão abertas a todos os que querem desfrutar dessa verdade.

Logo mostraremos a revelação objetiva em Cristo. Ela é a agência causai operante no mundo que produziu a revolução social

e religiosa que descrevemos como cristã. Entretanto, o propósito é o de mostrar que a experiência cristã, como subjetiva, concede uma realidade e poder à religião cristã nas convicções dos homens que nada pode destruir. A experiência de salvação através de Cristo é de fato exatamente essa assimilação da verdade, que é tanto rejeitada pelos opositores de sua autoridade. É a verdade tornando- se real e vital para o indivíduo, não meramente verdade imposta sobre ou prescrita; antes de tudo, é a primeira verdade objetiva na revelação divina em Cristo e narrada no Novo Testamento.

A crítica de que a experiência cristã é subjetiva assume outra forma que precisa ser observada resumidamente. Algumas conversões aparentes resultam em não conversões. Por isso, se formou uma teoria de que todas estas assim chamadas conversões resultam de agitações emocionais e experiências psíquicas superficiais. A resposta é que o Novo Testamento há muito fez distinção entre estas falsas conversões e as genuínas. Na parábola do Semeador e em várias outras passagens dos Evangelhos e das epístolas temos o claro reconhecimento desse tipo de conversões em contraste com as genuínas (veja Mt 13.3;9-23; Jo 6.66; 2 Pe 2.22). As marcas da vida regenerada não estão nelas. A transformação moral, a estabilidade e o progresso, exigidas pela e encontrada na conversão genuína, não estão presentes na vida daqueles que apenas conheceram simplesmente uma mudança emocional.

4. Uma quarta objeção é que o conhecimento de Deus que decorre da experiência cristã se apóia em uma base antropomórfica. É a mesma objeção, aplicada de forma diferente, que por muito tempo foi apresentada contra os argumentos da existência de Deus. O ponto principal é que o homem concebe Deus como uma imagem ampliada dele mesmo. O homem possui vontade, inteligência, propósito, personalidade. Ele projeta isto no universo ao redor e imagina ter encontrado Deus.

A resposta pode começar supondo, por enquanto, que a realidade final seja meramente um poder que conhecemos como

um poder regenerador na existência. Mas tão logo analisamos o conteúdo dessa experiência, descobrimos que cada elemento nela exige personalidade no objeto. A experiência em si não conhece nenhum objeto impessoal. Se essa realidade nos fala, ela deve falar em termos e relações pessoais. O cristão interpreta então a realidade final como pessoal, porque a conhece apenas como pessoal. Portanto, ele não projeta meramente sua personalidade no universo ao redor. Antes disso, explora o universo e encontra uma personalidade. O resultado assim concorda com a suposição de todo conhecimento, isto é, o mundo exterior é congruente com o mundo interior, o universo é congruente com a razão humana.

A religião e a ciência física procedem aqui exatamente sobre o mesmo princípio. O cientista encontra em si um anseio pela verdade, e busca a verdade na natureza. As leis da natureza são descobertas e formuladas. Estas lhe são a garantia que a natureza é racional como ele é racional. No trabalho de uma orquestra, os ouvintes têm de estar em sintonia com os executores, de outra forma os instrumentos produzem apenas ruídos em vez de grandes harmonias. Inteligência fala à inteligência. Assim a ciência encontra razão em cada parte da natureza em resposta à busca pela verdade.

A religião leva a cabo de modo mais pleno esse princípio. O homem encontra em si mesmo um anelo de vontade, visto que necessita de um poder maior que ele mesmo; ele encontra nele mesmo um anelo por amor e justiça que estão além dos que possui. Ele também procura conhecer a verdade última. Então, reunindo sua vontade, seu intelecto, suas emoções, sua natureza moral, ele encontra todos esses em resposta ao seu anelo. O Deus pessoal vem até ele e fala a ele, e segue uma vida de comunhão com Deus.

É claro, pelo que precede, que o conhecimento religioso de Deus não é de maneira alguma mais antropomórfico que o conhecimento científico da natureza. Em cada caso há uma

congruência entre a natureza do homem e as realidades ao seu redor no universo físico e espiritual. A ciência, no anelo pela verdade, evoca uma resposta da natureza. A arte, no anelo pela beleza, evoca uma resposta semelhante. A faculdade moral em nós, no anelo pelo bem, evoca uma resposta em termos de bem. A religião, em anelo por Deus e redenção, evoca sua resposta apropriada. Deus responde. Na experiência religiosa do cristão todos os poderes da alma entram em ação, e o homem encontra o universo respondendo a ele em todos os seus alentos. Isto se resume na suprema revelação de Deus em Cristo.

5. Uma quinta objeção é a de não ser justo que os cristãos imponham sobre os não-cristãos uma forma de prova que é pessoal e subjetiva, em vez de uma que seja universal e demonstrativa. A resposta cristã é que a prova está aberta a qualquer ou todos que se submetem às condições; que a humildade, a fé e a obediência são órgãos do conhecimento tão verdadeiros como a razão discursiva; que a evidência é tal que ela facilmente pode se tornar universal, está ao alcance do intelecto mais humilde bem como do mais elevado; que é totalmente convincente a todos os que estejam dispostos a ampliar os fundamentos espirituais do conhecimento e, assim, escapar do provincialismo da aderência, ficando apenas com o princípio racional.

O cristão ainda responde que a certeza religiosa está na natureza do caso religiosamente condicionado. É um princípio semelhante em muitos aspectos da vida que certas formas de confiança, certos elementos de conhecimento podem ser adquiridos apenas de modo particular. Por sinal, isso é certo em toda esfera onde o conhecimento é altamente desenvolvido. A confiança que o navegador tem em seu olho e em sua mão são adquiridos por sua vida ao mar; o índio consegue rastrear o adversário pelos sinais invisíveis aos outros; o crítico de arte tem de ser treinado na perspicácia artística se quiser conquistar reconhecimento e autoridade. Somente o cientista hábil pode realizar demonstrações

científicas bem-sucedidas. A certeza matemática é limitada ao que tem perícia matemática. Assim, a certeza religiosa surge apenas de maneira religiosa. Tanto quanto a certeza científica, matemática e artística é condicionada por exigências peculiares do meio ao qual pertencem, assim também ocorre com a certeza religiosa. Portanto, a acusação de injustiça fracassa.

Capítulo 4

Conhecimento cristão e