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Aspectos psicológicos da experiência cristã

experiência cristã

D. Aspectos psicológicos da experiência cristã

Não é necessário que entremos minuciosamente em pormenores da psicologia da experiência cristã. Aparecerão de muitas maneiras no curso das discussões doutrinárias mais adiante. Aqui é apenas necessário indicar alguns dos fatos mais gerais e fundamentais da psicologia que estão relacionados diretamente com a experiência cristã.

Um conceito fundamental de psicologia é o do "eu" e seu desenvolvimento. O recém-nascido não distingue a si mesmo do contexto ao redor. A sensação gradualmente sugere essa verdade. Quando um bebê queima o dedo na chama de uma vela, isto pode se constituir num evento notável no desenvolvimento de sua autoconsciência. O processo gradual resulta na distinção entre o eu mesmo e o mundo, o "eu" e o "não-eu".

O eu influenciado pelo mundo diferencia-se também do "eu material", do "eu social" e do "eu espiritual". O "eu material" é centrado no corpo. Seus principais interesses são as coisas que afetam o corpo. O "eu social" é o eu na relação com outras pessoas. O "eu espiritual" é o eu nos interesses mais elevados e sublimes.

O desenvolvimento do eu está acompanhado de variados conflitos e lutas. Os vários "eus" lutam um contra o outro. O "eu material" deve sacrificar-se para promover o "eu social". Muitas vezes uma opinião real de nossos amigos tem de ser colocada de lado por um bem maior. É aqui que o estudo da consciência natural conduz à descoberta de profundas implicações religiosas que estão envolvidas na sua atividade.

Notamos um caminho pelo qual a consciência natural des­ perta expectativas religiosas. Nos esforços do "eu social" e do "eu espiritual" buscamos a aprovação daqueles ao nosso redor. Idealizamos nosso "eu social" e também o do amigo cuja aprovação

desejamos. Em última análise, o juiz ideal da nossa conduta toma, em nosso pensamento, a forma de Deus. O desejo de Deus é despertado em nossa natureza social nas esferas mais elevadas de nossos desejos. Tememos a condenação e desejamos a aprovação do juiz supremo. O professor James diz: "Esse juiz é Deus, a mente absoluta, o 'grande amigo'. Nestes dias de iluminismo científico ouvimos muita discussão acerca da eficácia da oração, e muitas razões nos são dadas para não precisarmos orar, enquanto outros nos dão razões para orarmos. Mas muito pouco é dito sobre a razão do por que oramos: simplesmente porque que não podemos deixar de orar. Parece provável que apesar de tudo o que a 'ciência' possa fazer ao contrário, os homens irão continuar orando até o fim dos tempos, a não ser que sua natureza mental mude completamente. O impulso para orar é uma conseqüência necessária do fato de que, enquanto o mais íntimo dos eus empíricos de um homem é um eu da ordem social, pode encontrar seu único'socius' adequado em um mundo ideal".1

Pode parecer, então, que no desdobramento da consciência natural há quatro estágios que podem ser claramente distinguidos: (1) a concepção do eu; (2) a concepção do mundo; (3) a concepção dos outros eus; (4) a concepção do eu maior, Deus.

A análise anterior da experiência cristã mostra como esse esforço e luta para ascender à consciência religiosa natural se resolve e satisfaz no evangelho de Cristo. O sentido de pecado e dependência que surge nesta luta assume uma nova forma e encontra uma nova satisfação na experiência cristã. Assim também

1 [Nota do tradutor]: Esse tema particular se encontra am plam ente discutido no Compêndio de psicologia no capítulo "O eu "; por W. Jam es. Traduzido para

o espanhol por Santos Rubiano. É tratado m ais am plam ente em Princípios de psicologia, cap. 10, "A consciência do eu ", do m esm o autor, tradução espanhola

o juiz supremo e grande amigo se revela a si mesmo a nós, não meramente como uma idéia para compreensão da razão, mas como uma realidade que experimentamos no nosso ser mais íntimo.

Isto leva à afirmativa de que a experiência cristã surge como resultado de uma resposta de toda nossa natureza ao chamado do evangelho. A experiência cristã é, antes de tudo, um ajuste das relações pessoais entre Deus e o homem. A relação desajustada está principalmente na esfera moral. O fator desajustador é o pecado. A restauração do homem é fundamentalmente uma restauração moral e espiritual. Mas isto envolve necessariamente a vontade, os sentimentos e a razão. Inclui a vontade, porque a submissão da vontade humana à divina é essencial para reajustar as relações. Isto inclui as emoções, porque é uma relação com profundo alcance, inevitavelmente comove os homens em sua essência. Isto envolve a razão, porque há um desejo irreprimível de definir e entender um processo tão revolucionário em seu resultado.

Foi levantada a questão se Deus opera ou não a mudança religiosa no homem através de mudanças no subconsciente. Há fortes considerações a favor desse ponto de vista. Entre elas está a repentina mudança de comportamento. O processo é tal que o próprio sujeito nem sempre consegue explicar. Na verdade deve- se admitir que há um elemento inexplicável na regeneração. "O vento sopra onde quer, e ouves a sua voz; mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito" (Jo 3.8). Com toda probabilidade, o Espírito atua sobre nós de formas desconhecidas a nós na região subconsciente de nosso espírito.

Em contrapartida, entretanto, os fatos essenciais da rege­ neração e conversão se apresentam no centro da consciência. Há uma ação recíproca entre Deus e o homem. Essa reciprocidade mútua é necessária para completar a operação divina. A resposta

da nossa vontade, a aceitação consciente de Cristo como salvador e Senhor, é a resposta humana à aproximação divina sem a qual a mudança moral não pode acontecer. Se as operações de Deus fossem limitadas à região subconsciente, estaria se assemelhando à ação de uma força física. Estaria sem as marcas essenciais de uma ação moral livre. O objeto da atividade regeneradora de Deus pode, momentaneamente, não compreender plenamente ou definir o significado dessa mudança moral. A atividade racional do intelecto depois entrará em função para considerar os fatos, mas não obstante isso, a mudança em si mesma será efetuada dentro da consciência.

O estudo da psicologia da religião revela muitas variedades da experiência cristã. Assim vários tipos de conversão se distinguem, há casos especiais que se destacam. Há conversões emocionais, nas quais os sentimentos predominam; conversões intelectuais, nas quais o intelecto desempenha o papel primordial. Em outras, a vontade se torna proeminente. Há conversões infantis e de adultos com manifestações variadas. Há algumas que resultam de um processo educacional gradual e lento. Em outras, a crise surge repentinamente e a decisão segue rapidamente. Em outras, ainda, a transição é apenas conhecida nos seus efeitos posteriores. O sujeito não está consciente dela no momento. Recentemente muita ênfase se deu ao período da adolescência para a conversão de rapazes e meninas.

Em referência a estes tipos de experiência, várias afirmativas podem ser feitas. A primeira é que simplesmente reconhecem as diferentes características da personalidade humana. Será ingênuo aquele que tentar reduzir todas as variedades de experiências religiosas humanas em uma só. As experiências são diferentes porque as pessoas são diferentes. O diagnóstico espiritual requer destreza na leitura de sintomas e amplitude de critérios para interpretá-los e prescrevê-los.

O evangelho está disponível a todo tipo de homem e mulher. Ele não apela a uma índole específica, ou a uma única espécie de temperamento particular ou coletivo. O seu propósito é alcançar as mais fundamentais relações de todos os tipos e temperamentos, a relação entre a alma e Deus.

Devemos acrescentar, entretanto, que com todos os tipos e variedades na experiência cristã, há certos elementos universais e indispensáveis. Um é o afastar-se do eu e do pecado. Outro é confiar em Deus pelo perdão. Outro ainda é a ação direta da graça de Deus na alma, criando-a de novo em Cristo. Tornar-se um cristão é mais do que evolução do homem natural. É ascender a um novo nível moral e espiritual através da graça de Deus. A adolescência é sem dúvida um período importante para ser reconhecido por pais e professores e líderes espirituais. Mas em si mesmo não tem significado religioso. Pode, sob influência maligna, marcar o declínio na vida da alma. É uma grande oportunidade para o bem ou para o mal.