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Elementos de conhecimento na experiência cristã

experiência cristã

H. Gomo o conhecimento surge na experiência cristã

I. Elementos de conhecimento na experiência cristã

A experiência cristã fornece um número de elementos de conhecimento que podem ser apresentados conforme segue:

1. Primeiramente, conhecemos nela um poder externo que começou a atuar, e continua atuando dentro de nós. E conhecido como um poder não existente previamente em nossa consciência. Procurou-nos e nos encontrou. É assim completamente distinto de nossos estados subjetivos anteriores.

2. Segundo, é conhecido por nós como um poder espiritual. Estamos familiarizados com a ação de forças físicas. Sabemos que esse poder agora atuante em nósé completamente diferente de qualquer outra forma de força física. Também o diferenciamos facilmente das forças sociais que operam ao nosso redor. Esse

novo poder em nós possui qualidades inteiramente distintas das outras. Ele não desconsidera as influências sociais que usualmente mediam o poder redentor a nós. O evangelho nos é pregado; a vida cristã nos ilustra isso; o poder de Cristo encontra um meio na igreja e em outras agências cristãs. Tudo isto é reconhecido. Mas o poder que conhecemos na redenção é tão distinto daquele que reside nesses meios, como é distinto de nossa capacidade natural.

3. Em terceiro lugar, conhecemos esse novo poder operante dentro de nós como redentor. Através dele nos veio a bênção do perdão e da justificação, e juntamente com eles o senso de recon­ ciliação com Deus e filiação a ele. Mas especialmente conhecemos esse novo poder em nós como recriador de nossa natureza moral. O centro de gravidade moral do nosso ser foi completamente mu­ dado. Uma nova energia espiritual criou a alma nova em Cristo Jesus. Fomos redimidos da culpa e do poder do pecado.

4. Em quarto lugar, conhecemos esse novo poder em nós como pessoal. Isto se torna claro na consideração de várias fases da própria experiência. Nela, nossa personalidade é criada nova­ mente. Ali surge um novo "eu" em contraste com o velho "eu". Há evidentemente uma continuidade entre o velho e o novo através da memória e outros elementos da consciência. Mas em motivo e alvo, na direção de propósito da vida, na energia moral que a sustenta, na consciência de poder para realizações morais, ali aconteceu uma completa revolução. Os remanescentes do velho "eu" permanecem e antagonizam com o novo. Mas exatamente esse contraste e luta interior entre o velho e o novo, o confronto mortal entre o que outrora nós éramos e o que agora somos, é um elemento na garantia para nós de que a regeneração aconteceu em nós. Assim, descobrimos quem realmente somos na redenção cristã. Ganhamos a nossa própria e verdadeira personalidade, e descobrimos aquilo para o que fomos naturalmente constituídos, mas que éramos incapazes de alcançar no nosso estado natural.

Agora um elemento mais claro e distinto na nossa consciência regenerada é o reconhecimento do outro, de uma presença que está tratando pessoalmente conosco. No mais elevado grau nos tornamos conscientes de nossa liberdade através da interação com a Pessoa divina e espiritual, que agora conhecemos na experiência. Nossa resposta livre à aproximação do amor divino, e a resposta desse amor a nós, pertencem à própria natureza interior da experiência em si. Nossa comunhão com o poder regenerador é uma comunhão em termos pessoais. O sentido de pecado e reconciliação, os atos de confiança e obediência, de oração e louvor, e todos os outros elementos na experiência envolvem personalidade no objeto religioso.

Que isto é verdade, está claro no esforço de expressar o sig­ nificado dessa experiência em termos pessoais. Caso se suponha que o poder que conhecemos está abaixo do nível pessoal, a maior parte do significado da experiência cristã se perde. Se a realidade que conhecemos, o objeto religioso, ficar destituído de inteligência, autoconsciência e vontade, então podemos apenas concebê-la como uma forma atenuada de força física. Carece dos atributos de espírito, e toda comunhão em termos pessoais é ilusão. Pecado e retidão, fé e esperança e amor carecem de significado. A reabsorção panteísta no todo é então a única saída possível para nossa vida pessoal.

Caso se afirme que a realidade religiosa, ou objeto religioso, está acima do plano pessoal, e que retém as qualidades que reconhecemos como pertencentes a uma personalidade, então não há objeção séria. Isto é outro caminho para dizer que Deus, o infinito, é maior que o homem, o finito. Os interesses da experiência cristã se mantêm quando reconhecemos o fato de que os atributos de personalidade pertencem necessariamente ao objeto cultuado pelo cristão.

No que acabou de ser dito, fique claramente entendido que não estamos meramente engajados em um processo de raciocínio,

pelo qual deduzimos a idéia da personalidade de Deus com base em algum princípio geral. É sim, um processo de observação e explicação. É um fato fora de toda contradição, que a vida regenerada do cristão é sustentada em termos pessoais com o objeto religioso. Nós apenas consideramos o que é necessário para toda verdade, isto é, que o universo é um sistema coerente, e que as partes do ser correspondem entre si. O esforço para explicar a realidade conhecida na experiência pelo cristão, portanto, em termos impessoais ou não pessoais, é mera arbitrariedade não assegurada pelos fatos. E uma imposição de critérios completamente distintos dos próprios fatos em si. O único interesse que o cristão tem no assunto é que se permita aos fatos falarem por si.

5. Em quinto lugar, conhecemos o objeto religioso em nossa experiência cristã como triuno. Chegamos assim aos objetos da fé, obviamente transcendentes. Entretanto, nosso conhecimento deles se deve ao fato de serem objetos imanentes do conhecimento, bem como transcendentes. Nós os conhecemos existindo simultanea­ mente dentro e fora da consciência. Na experiência cristã lidamos com o Deus infinito, pessoal. Foram nossas relações morais com ele que deram surgimento e interesse à nossa primeira experiência religiosa. O evangelho veio a nós, e nós encontramos Deus revela­ do em Cristo. Assim Deus se tornou objeto de nossa contemplação. Objetivamente encontramos o que Deus é em suas relações com o homem através da revelação em Cristo. Mas nós também precisá­ vamos conhecer o que Deus é como sujeito. Necessitávamos de um olhar o mais aproximado possível da essência de Deus, uma união com ele em comunhão pessoal. Essa bênção foi obtida através da operação do Espírito Santo dentro de nós. Assim conhecemos Deus como Pai, Filho e Espírito Santo. Foi através da obra propiciatória do Cristo encarnado que encontramos e experimentamos o amor perdoador de Deus, e foi através da operação do Espírito Santo que nos unimos com Deus em santo amor.

É claro que há objeções que são apresentadas contra essa interpretação trinitária da experiência cristã. Elas serão consi­

deradas quando tratarmos das doutrinas da pessoa de Cristo e do Espírito Santo. No momento estamos simplesmente analisando a experiência em si. Não há possibilidade de contradizer os fatos. Todos os grandes credos da cristandade expressam o consenso dos cristãos em afirmativas na forma trinitária. As vezes, talvez, elas ultrapassam o ponto tentando dizer mais do que as escrituras ou a experiência autorizam. É claro que não somos obrigados a aceitar essa ou aquela formulação particular da doutrina da Trindade. Mas nossa experiência cristã e o claro ensinamento do Novo Testamento exigem essa doutrina. De outro modo, a fé permaneceria inarticulada e vaga, e nunca adquiriria a força necessária para defender-se, ou a clareza necessária para a ma­ nifestação científica.

Acrescentamos um ponto em antecipação da discussão posterior das questões ligadas à Trindade. É este: a maioria das objeções à doutrina cristã da Trindade inicia com uma premissa falsa. Começam com alguma pressuposição quanto a constituição da última realidade, e terminam com a negação de que possa ser constituída conforme a doutrina cristã exige. Eles se perdem na metafísica mais radical para determinar por antecipação o que Deus deve ser em si mesmo. A consistência da resposta cristã é que ela constrói sua doutrina trinitária sobre uma base de fatos. As questões metafísicas estão envolvidas, é claro, mas o cristão faz a metafísica basear-se nos fatos, e não os fatos numa metafísica abstrata.