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A Ciência Médica e a Maternidade como Função Social

2.5 Infância, Maternidade e Ciência Médica na Primeira República O Instituto

2.5.2 A Ciência Médica e a Maternidade como Função Social

Desde o início do século XX, os médicos higienistas apresentavam um discurso de exaltação à mãe como responsável pela saúde e bem-estar da criança, e de seu compromisso com a formação das novas gerações. Nos seus estudos, as principais questões de que se ocupam em relação à mulher e à maternidade são o aleitamento materno (condenação do aleitamento artificial), os cuidados com os recém-nascidos, a higiene e a preservação da saúde da criança, a condenação das práticas caseiras de cura e as benzedura, que são também uma constante. Um novo estatuto científico é apresentado.

Na tese da Faculdade de Medicina e Farmácia do Rio de Janeiro, em 1901, o médico Dr. Olavo Baptista apresenta Da Protecção à Primeira Infância – na questão do papel da mulher, o médico defende:

Pela mulher, verdadeiro tabernaculo em que reside o depósito sagrado, deverá ser iniciada essa protecção. A assistência preventiva, pois, opportuna, efficaz, é a pedra angular da protecção a infância desamparada. É então, pela assistência materna, os socorros de prenhez, os refúgios operários, as maternidades secretas abrigos de convalescença e por outros mais, que os odiosos crimes contra a

infância – o infanticídio e o aborto – podem e devem ser utilmente, vitorosiamente combatidos”(BAPTISTA, 1901, p.28).

Discutindo a mortalidade infantil e o aleitamento artificial, o médico acrescenta:

A dizima mortuaria, observada, no primeiro anno, em grande parte, de moléstias das vias digestivas, e estas, não mais são que a resultante de uma alimentação defeituosa ou insufficiente. Estatísticas cautelosamente confeccionadas têm evidenciado que a mortalidade, no primeiro anno da existencia, guarda a proporção de um para quatro. [...] Indubitavelmente, pelo consenso geral, a melhor salvaguarda contra essas hecatombes prematuras é o aleitamento materno, com a condição, todavia, de que a mãe seja portadora de boa saúde e que não tenha os seios empobrecidos (BAPTISTA, 1901, p.29).

Combatendo o aleitamento mercenário afirma:

Essa superioridade inconstestavel, do aleitamento materno sobre a alimentação artificial estende-se às creanças entregues à industria mercenária”. Seja por motivo de incapacidade physica, ou pelas razões de ordem econômica, nem todas as mães estarão em condições de aleitar os próprios filhos; e, por conseguinte, do mais elevado interesse prevenir os maus effeitos do aleitamento mixto ou artificial, por isso que, por dos quintos, contribue para a excessiva dissipação de existências iniciantes, sem se considerar que, se os recém– nascidos fossem mais bem nutridos e mais resistentes, melhor supportariam o choque de outras moléstias de que são diariamente ameaçados (BAPTISTA, 1901, p.29).

Alerta que a amamentação artificial deveria ser melhorada:

De parte a mammadeira desseada, a má qualidade do leite, sua impureza, suas alterações, tudo é impróprio, é assim que penetram em delicado organismo micróbios os mais nocivos. “A solução seria a esterilização do leite.” Os especialistas não differem senão sobre pontos de detalhe: o grau de ebulição (98 a 100 graus ou 100 a 110), a fórma do aparelho etc., estão de acordo quanto a possibilidade para as famílias de esterilisar o leite destinado á alimentação artificial dos recém-nascidos. Um pequeno aparelho permite a todas as criadas, mesmo às menos instruídas, aquecer em banho-maria durante 45 minutos as pequenas garrafas graduadas, tapadas com uma rolha de “caoutchouc”, contendo provisão de mammadeira, de modo a assegurar o sustento da creança para vinte e quatro horas. Nas grandes cidades, onde o leite sofre tantas manipulações e transvasamentos, essa precaução é essência, deve ser vulgarisada por todos os meios possíveis (BAPTISTA, 1901, p.31).

O médico se preocupa em argumentar em prol da amamentação:

O emprego do leite esterilisado não substituirá, jamais não seria muito repetil-o, o seio materno, mas, todas as vezes que, por circunstancia qualquer, a mãe achar-se enfraquecida, ou impossibilitada, a esterelisação do leite, em domicilio, é um preservativo maravilhoso da saúde delicada dos recém-nascidos (BAPTISTA, 1901, p.32).

Apoiando-se principalmente no problema da mortalidade infantil, Dr. Baptista busca, no aleitamento materno natural e na condenação da amamentação mercenária, subsídios para formular um discurso de valorização do papel da mulher. Os argumentos dos quais se vale, muitas vezes de cunho moral, pretendem convencer a mulher do seu papel; convencendo as mães, a infância estaria protegida.

No prefácio do Manual da Hygiene da Infancia e os Conselhos ás Mães de Família, o médico Dr. Abranches condena as práticas de curas caseiras, e a figura da mãe é, também por ele, vinculada à preservação da infância:

As mães a quem a natureza encarregou a educação dos filhos nos seus primeiros annnos de vida, seguem de ordinário caminho errado, até perigoso. Não sabendo como haver-se no cumprimento de tão alta missão, as mães em vez de ouvirem os conselhos dos homens das sciencia, aceitam sem reflexão e praticam sem mais reparo, quantos erros e abusos lhes ensinam pessoas ignorantes, e incompetentes, e d’este modo tolhem o regular desenvolvimento e arriscam o venturosos porvir dos filhos. Só a hygiene pode fazer de uma criança um homem robusto e vindouro, corrigindo as disposições que difficilmente encontram remédio na medicina. È na infância que se combatem as organisações escrofulosa, fisica, nervosa e outras transmittidas pela herança da família (ABRANCHES, 1900, Prefácio).

O compromisso da mãe através dos filhos com o futuro da Pátria:

[...] Traçando por tal modo o plano da educação physica da infância, confiamos, que este Manual de Hygiene Prática sanitária, satisfará ao importante fim de que é destinado qual é – ensinar as mães a criar filhos sãos e robustos, úteis a si e a sociedade, contribuindo efficazmente porque as gerações que hão de suceder- nos, adquiriram forças e vigor que estamos vendo diminuindo de dia para dia (ABRANCHES, 1900, Prefácio).

Em conferências proferidas no Dispensário Moncorvo Filho como Hygiene Infantil às Mães Pobres, entre 1901 e 1907, o tema da maternidade e seu compromisso com o futuro da pátria são recorrentes, sendo os postulados da higiene infantil determinantes na configuração da maternidade. Dr. Moncorvo Filho, falando da nutrição do recém-nascido, assim se pronuncia:

Na minha primeira conferencia eu tive a opportunidade de instruir-vos sobre as condições deste Instituto, mantido ora pela iniciativa particular, graças aos ingentes esforços que todos fazemos com o intuito de proporcionar-vos os precisos cuidados aos vossos filhos, para que escapem dos perigos da moléstia ou de morte e para que atravessem a fase mais débil da vida, adquirindo robustez e o vigor de que carecem no futuro em bem da família e da Pátria. [...] Na hygiene infantil, a nutrição occupa o primeiro posto por assim dizer, a chave da futura florescência da primitiva creança, depois de adolescente, enfim a sociedade inteira. A vós, mães extremosas, cumpre procurar evitar os prejuízos

que anniquilam os vossos filhos, para que tenhas a gloria suprema, de construirdes uma raça forte, preparada no physico, para as escolhas da vida e dispostas as conquistas e victorias para a felicidade da pátria (MONCORVO FILHO, 1907, p.2).

O médico Dr.Moncorvo Filho com seus colegas, durante dois anos, procura divulgar esclarecimentos às mães pobres de forma gratuita, através das conferências, ressaltando a importância das mães seguirem os parâmetros da higiene e, assim, procuram combater as práticas populares da época baseadas em superstições. A figura do médico e seus conselhos são divulgados como um conjunto de ensinamentos a serem seguidos: Dr. Nascimento Gurgel – 4ª. Conferência –1902:

A convite do director, desta casa vou lhes ministrar-vos mais alguns conselhos que dizem respeito a hygiene das creanças, os quaes deveis observar com todo o cuidado: são conselhos que os médicos não devem cansar de encarecer e que vós, mães, não deveis cansar de ouvi-los (MONCORVO FILHO, 1907, p. 9). O Dr. Moncorvo Filho preocupa-se em esclarecer que independente das condições de vida das famílias, as normas de higiene poderiam e deveriam ser seguidas, e especialmente, nas famílias pobres a manutenção da higiene torna-se mais necessária, e os conselhos médicos precisam ser ouvidos pelas mães, que são responsáveis pelo bem-estar geral da família: Dr. Moncorvo Filho – 24ª. Conferência, 1904:

[...] Vos podeis retorquir-me com energia que só os ricos podem ter esses rigores e aceitar os conselhos do médico – Puro engano: vós, que sois pobres, que viveis sem o desejado conforto, vós que tendes vosso domicilio reduzido a exíguas proporções pela insufficiencia de recursos, vós e quem tende mais necessidade de ouvir os nossos conselhos, porque as provações da existência diffícil, a alimentação deficiente e a carência de tantos elementos úteis implicam na maior observância dos preceitos hygienicos (MONCORVO FILHO, 1907, p. 59). No novo cenário da Primeira República, a criança torna-se o centro das preocupações – preservar e proteger para garantir o futuro do país, para alcançar os padrões da nação moderna. As mães serão chamadas a contribuir com esse projeto: são o elo entre a família e o Estado. Ao diagnosticar os motivos da crescente mortalidade infantil, os médicos-higienistas, juristas e a Igreja propunham toda uma série de medidas a serem adotadas pela sociedade. Os primeiros sugerem medidas preventivas sobre como evitar o nascimento de crianças débeis, prematuras ou doentes, de como se poderia favorecer o aleitamento natural, dar assistência às crianças desamparadas ou órfãs, extinguir instituições como a Roda de Expostos. Recomendavam atendimento especial com as gestantes determinando sua alimentação, higiene corporal, suas

atividades físicas e mentais; a organização de centros de saúde e dispensários e gotas de leite também faziam parte das recomendações.

No período, a atuação do Estado na assistência pública à infância é criticada. Isso fica claro, também no discurso oficial de juristas e parlamentares como Franco Vaz, Manuel Vitorino e Lopes Trovão. O jurista Lopes Trovão, em 1896 assim se pronunciava:

Temos uma patria a reconstruir, uma nação a firmar, um povo a fazer... e para empreheender essa tarefa, que elemento mais dúctil e moldavel a trabalhar do que a infância?! No momento actual da civilização humana vós convireis que é pemitido aos Estado dilatar um pouco mais a sua força de expansão, no nosso paiz, sobretudo, avassalado como vae pelas demasias desfôradas da licença (MONCORVO FILHO, 1926 p. 133).

Os juristas também questionam a atuação do Estado na preservação da infância, em alguns momentos em tom de denúncia, outras vezes como possíveis aliados do Estado em projetos para o futuro da infância. Assim, consolida-se, durante as duas primeiras décadas do século XX, a discussão sobre a necessidade de insituições de assistência que serão como um aperfeiçoamento da Roda dos Expostos, onde as mães não abandonassem seus filhos, e no combate às nutrizes responsáveis pelos altos índices de mortalidade infantil. Dessa forma, o Instituto de Proteção e Assistência à Infância (IPAI), do médico Dr. Moncorvo Filho, gerou uma grande movimentação em torno da criação de creches, jardins-de-infância e maternidades. Apesar das críticas à Roda de Expostos desde meados do século XIX, o sistema acabaria por ser extinto em muitas cidades somente em meados do século XX.

CAPÍTULO III INFÂNCIA E CRECHE NO BRASIL: A CRECHE E AS

3 INFÂNCIA E CRECHE NO BRASIL: A CRECHE E AS MÚLTIPLAS ORIGENS DE ATENDIMENTO